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Crescimento da desigualdade social gira em torno do poder, não da educação

Paul Krugman

24/02/2015 00h03

Meus leitores regulares sabem que às vezes eu zombo de “pessoas muito sérias” -políticos e especialistas que repetem solenemente um lugar comum que soa firme e realista. O problema é que soar sério não é, de forma alguma, igual a ser sério, e algumas dessas posições aparentemente firmes são, na verdade, formas de evitar problemas realmente difíceis.

O principal exemplo dos últimos anos foi, é claro, o Bowles-Simpsonismo: o afastamento do foco da tragédia do desemprego elevado para a questão supostamente crucial de como, exatamente, vamos pagar por programas de seguro social daqui a 20 anos. Essa obsessão particular, fico feliz em dizer, parece estar em declínio. Mas a minha sensação é que está em ascensão uma nova forma de fuga do problema travestida de seriedade. Desta vez, a evasiva consiste em tentar desviar nosso discurso nacional sobre a desigualdade para uma discussão sobre os possíveis problemas com a educação.

E isso é uma evasiva porque, independentemente do que as pessoas sérias querem acreditar, o crescimento da desigualdade não gira em torno da educação; é uma questão de poder.

Que fique claro: eu sou a favor de uma melhor educação. A educação é minha amiga e deve estar disponível e acessível a todos. Mas vejo pessoas insistindo que as carências educacionais estão na raiz da baixa criação de emprego, da estagnação dos salários e do aumento da desigualdade. Isso soa sério e atencioso. Mas na verdade é uma visão muito em desacordo com as evidências, para não mencionar uma maneira de se esconder do debate real, inevitavelmente partidário.

Na visão centrada na educação, a história de nossos problemas é assim: vivemos em um período de mudança tecnológica sem precedentes, e muitos trabalhadores norte-americanos não têm as habilidades para lidar com essa mudança. Este “déficit de competências” está travando o crescimento, porque as empresas não encontram os trabalhadores dos quais necessitam. Ele também alimenta a desigualdade, pois os salários sobem para os trabalhadores com a formação necessária, mas permanecem estagnados ou caem para os menos escolarizados. Então, o que nós precisamos é de mais e melhor educação.

Meu palpite é que isso soa familiar -é o que você ouve das cabeças falantes na televisão no domingo de manhã, em artigos de opinião de empresários, como Jamie Dimon, do JPMorgan Chase, e do centrista Projeto Hamilton, da Brookings Institution. É uma alegação repetida tantas vezes que muitas pessoas provavelmente assumem ser uma verdade inquestionável. Mas não é.

Por um lado, será tão rápido o ritmo da mudança tecnológica? “Queríamos carros que voam e, em vez disso, temos 140 caracteres”, zombou o empresário Peter Thiel. O crescimento da produtividade, que subiu brevemente depois de 1995, parece ter abrandado acentuadamente.

Além disso, não há nenhuma evidência de que o déficit educacional está segurando o emprego. Afinal, se as empresas estavam desesperadas por trabalhadores com certas habilidades, elas provavelmente estariam oferecendo salários maiores para atrair esses trabalhadores. Então, onde estão estas profissões afortunadas? É possível encontrar alguns exemplos aqui e ali. Curiosamente, alguns dos maiores ganhos salariais recentes são para o trabalho manual qualificado -operadores de máquinas de costura, caldeireiros- na medida em que parte da manufatura está voltando para os EUA. Mas a noção de que os trabalhadores altamente qualificados estão em alta é simplesmente falsa.

Por fim, apesar da ligação entre educação e desigualdade um dia ter sido plausível, ela não tem acompanhado a realidade há muito tempo. “Os salários dos indivíduos mais bem qualificados e mais bem pagos continuaram a aumentar de forma constante”, diz o Projeto Hamilton. Na verdade, os ganhos dos americanos altamente qualificados ajustados pela inflação não mudaram desde o final da década de 90.

Então, o que está de fato acontecendo? Os lucros das empresas subiram fortemente como percentagem do rendimento nacional, mas não há nenhum sinal de um aumento da taxa de retorno sobre o investimento. Como isso é possível? Bem, isso é o que você esperaria se o aumento dos lucros refletisse o poder do monopólio, em vez do retorno do capital.

Quanto aos salários e vencimentos, não importam os diplomas universitários -todos os grandes ganhos estão indo para um pequeno grupo de indivíduos que ocupam posições estratégicas em escritórios corporativos ou em finanças. O aumento da desigualdade não gira em torno de quem tem o conhecimento; gira em torno de quem tem o poder.

Agora, há muito que poderíamos fazer para corrigir esta desigualdade de poder. Poderíamos cobrar impostos mais elevados sobre as corporações e os ricos, e investir os recursos em programas que ajudam as famílias trabalhadoras. Poderíamos aumentar o salário mínimo e facilitar a organização dos trabalhadores. Não é difícil imaginar um esforço verdadeiramente sério para tornar os EUA menos desiguais.

Mas, dada a determinação de um importante partido na direção exatamente oposta, a defesa desse esforço faz você soar partidário. Daí o desejo de ver a coisa toda como um problema da educação. Mas devemos reconhecer essa evasiva comum pelo que é: uma fantasia nada séria.

Tradutora: Deborah Weinberg