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Esqueça a retórica do fracasso: Grécia se saiu bem e ainda ajudou a Europa

Tolga Akmen/London News Pictures/Xinhua
Imagem: Tolga Akmen/London News Pictures/Xinhua

Paul Krugman

28/02/2015 00h04

Na semana passada, após muito drama, o novo governo grego chegou a um acordo com seus credores. No início desta semana, os gregos apresentaram alguns detalhes de como pretendem cumprir os termos. E como se saíram?

Bem, se você acreditar em muitas das reportagens e artigos de opinião dos últimos dias, você acharia que foi um desastre –que foi uma "rendição" por parte do Syriza, a nova coalizão de governo em Atenas. Algumas facções dentro do Syriza aparentemente também pensam assim. Mas não foi. Pelo contrário, a Grécia saiu das negociações muito bem, apesar dos grandes combates ainda estarem por vir. E ao se sair bem, a Grécia fez ao restante da Europa um favor.

Para entender o que aconteceu, é preciso entender que o principal ponto de disputa envolve apenas um número: o tamanho do superávit primário grego, a diferença entre a arrecadação e os gastos do governo, sem contar os juros da dívida. O superávit primário mede os recursos que a Grécia está de fato transferindo ao seus credores. Tudo mais, incluindo o tamanho teórico da dívida –que é mais ou menos um número arbitrário a esta altura, com pouca influência sobre a quantia que alguém espera que a Grécia pague– importa apenas até onde afeta o superávit primário que a Grécia é forçada a obter.

O fato de a Grécia conseguir um superávit primário, dada a crise econômica do nível de uma depressão que continua e o efeito dela sobre as receitas, é um feito notável, resultado de sacrifícios incríveis. Mesmo assim, o Syriza sempre deixou claro que pretende manter um superávit primário modesto. Se você está furioso pelas negociações não terem aberto espaço para uma reversão plena da austeridade, uma guinada para um estímulo fiscal keynesiano, você não estava prestando atenção.

A questão era se a Grécia seria forçada a impor ainda mais austeridade. O governo grego anterior concordou com um programa sob o qual o superávit primário triplicaria nos próximos anos, a um custo imenso para a economia e população do país.

Por que algum governo aceitaria algo assim? Medo. Basicamente, líderes sucessivos na Grécia e em outros países devedores não ousavam contestar as exigências extremas dos credores, por medo de serem punidos –que os credores cortariam seu fluxo de caixa ou, pior, implodiriam seu sistema bancário caso recuassem nos cortes orçamentários cada vez mais duros.

E o atual governo grego recuou e concordou em buscar esses superávits que quebrariam a economia? Não, não concordou. Na verdade, a Grécia obteve nova flexibilidade para este ano, e os termos a respeito de futuros superávits são obscuros. Podem significar qualquer coisa ou nada.

E os credores não retaliaram. Em vez disso, eles disponibilizaram recursos para escorar a Grécia nos próximos meses. Isto significa, se preferir, colocar a Grécia sob rédea curta e significa que a grande luta a respeito do futuro ainda está por vir. Mas o governo grego não sucumbiu às pressões, e isso por si só é um tipo de vitória.

Por que, então, toda a cobertura negativa? Para ser justo, política fiscal não é a única questão. Também há discussões sobre coisas como privatização de ativos públicos, onde o Syriza concordou em não reverter acordos já firmados, e a regulação do mercado de trabalho, onde aparentemente permanece parte da "reforma estrutural" da era da austeridade. O Syriza também concordou em combater a evasão fiscal, apesar do motivo de cobrar impostos ser uma derrota para um governo esquerdista ser um mistério para mim.

Mesmo assim, não aconteceu nada que justificasse a retórica predominante de fracasso. Na verdade, eu sinto que estamos vendo aqui uma aliança profana entre escritores de inclinação esquerdista com expectativas irrealistas e a imprensa de negócios, que gosta da história do desastre da Grécia, porque é o que supostamente acontece com devedores atrevidos. Mas não houve desastre. Por ora, ao menos, a Grécia parece ter encerrado o ciclo de austeridade cada vez mais selvagem.

E, como eu disse, ao fazê-lo, a Grécia fez um favor ao restante da Europa. Lembre-se, como pano de fundo do drama grego está uma economia europeia que, apesar de alguns números positivos ultimamente, parece estar caindo em uma armadilha deflacionária. A Europa como um todo precisa colocar um fim à loucura da austeridade, e esta semana apresentou alguns sinais ligeiramente positivos. Notadamente, a Comissão Europeia decidiu não multar a França e a Itália por excederem suas metas de déficit.

Impor essas multas seria insano diante das realidades do mercado. A França pode tomar empréstimos por cinco anos a uma taxa de juros de 0,002%, isso mesmo, 0,002%. Mas vimos muita insanidade semelhante nos últimos anos. E é preciso se perguntar se a história grega exerceu um papel nesse surto de racionalidade.

Enquanto isso, a primeira revolta real dos devedores contra a austeridade teve um início decente, mesmo que ninguém acredite. Como é que se diz em grego "mantenha a calma e continue"?

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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