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Mundo vive luta geopolítica entre os que usam a web para criar e destruir

Thomas L. Friedman

Em Cleveland (EUA)

11/11/2014 00h01

Folheie qualquer jornal e vá do noticiário internacional para as páginas de negócios. O que você verá é a "outra" grande luta geopolítica em andamento no mundo atual. Não é a tradicional entre nações por terras. É uma luta entre aqueles que criam e aqueles que destroem na internet.

Este é um grande momento para ser um criador, um inovador, para abrir uma nova empresa. Graças à internet, é possível levantar capital, vender bens e serviços e descobrir colaboradores e clientes globalmente mais fácil do que nunca. Este é um grande momento para fazer coisas. Mas se você quiser quebrar algo ou alguém, ou invadir algo encriptado e colaborar com outros bandidos, você pode operar atualmente com menos dinheiro, maior facilidade e maior alcance do que nunca. Este é um grande momento para ser um destruidor. Esse é o motivo para o equilíbrio de poder entre aqueles que fazem e aqueles que quebram moldará nosso mundo tanto quanto o equilíbrio de poder entre os Estados Unidos, Rússia e China.

Considere o que Robert Hannigan, o diretor do GCHQ, a versão do Reino Unido da Agência de Segurança Nacional americana, escreveu na semana passada no "Financial Times": o Estado Islâmico, ou EI, foi "o primeiro grupo terrorista cujos membros cresceram convivendo com a Internet". Em consequência, "eles estão explorando o poder da Internet para criar uma ameaça jihadista com alcance quase global". E o fato simples é que, segundo ele, "serviços de mensagens e redes sociais como Twitter, Facebook e WhatsApp (...) se transformaram em opções de redes de comando e controle para terroristas". O EI as utiliza para recrutar, coordenar e inspirar milhares de islamitas de todo o mundo a se juntarem à sua luta para quebrar o Iraque e a Síria.

Hannigan pediu por um "novo acordo" entre as agências de inteligência e as redes sociais, para que as empresas não criptografem seus serviços de dados de forma a tornar destruidores como o EI mais poderosos e difíceis de rastrear.

Este será um debate importante, porque esse mesmo sistema livre e aberto de comando e controle é o que também permite que os criadores colaborem como nunca antes. Aqui em Cleveland, conheci dois "criadores" israelenses cuja empresa depende demais de engenheiros de software ucranianos. A empresa deles, com 11 anos e 550 funcionários em 20 países, a TOA Technologies, é uma provedora de serviços de software baseados na nuvem que ajuda empresas a coordenarem e administrarem funcionários móveis. Ela acabou de ser vendida em um acordo multimilionário. Como não conheço muitos israelenses em Cleveland que empregam programadores em Kharkiv, Ucrânia, para prestar serviços no Brasil, eu os entrevistei.

Yuval Brisker, 55, se formou em Israel em arquitetura e foi para Nova York, no final dos anos 80, para estudar no Instituto Pratt. Ele posteriormente conheceu Irad Carmi, atualmente com 51 anos, um flautista formado em Israel, que veio para estudar no Instituto de Música de Cleveland. Com o passar dos anos, ambos abandonaram seus campos escolhidos e descobriram um amor por programação, no qual são autodidatas. Um amigo israelense de Brisker abriu uma empresa no boom pontocom dos anos 90, a MaxBill, e posteriormente passou a empregar ambos, mas ela quebrou depois de 2001.

"Nós dois éramos refugiados pontocom", disse Brisker. "Mas um dia Irad me ligou e disse: 'Meu sogro acabou de voltar do médico e perguntou: "Por que tenho que ficar esperando pelo médico em seu consultório quando ele sabe que vai atrasar? Deve haver alguma solução tecnológica". O médico sabe que atrasará e todos seus pacientes têm celulares. (...) O mesmo vale para o técnico da TV por assinatura. Isso era um desperdício de milhões de horas de pessoas'."

Em 2003, eles abriram uma empresa para resolver esse problema. Mas eles não tinham dinheiro e Carmi estava trabalhando em Viena. Carmi fez uma segunda hipoteca para sua casa em Cleveland; Brisker tomou empréstimos. Eles se comunicavam globalmente usando e-mail, Yahoo Messenger e um sistema do Yahoo que funcionava como um walkie-talkie. Eles elaboraram seu plano de negócios usando software livre sem se verem pessoalmente.

Em suas viagens à Espanha, Carmi descobriu Alexei Turchyn, um programador ucraniano, que cuidou da criação do primeiro software deles baseado na nuvem atualizado constantemente. Posteriormente, eles estabelecerem a sede da empresa em Cleveland. Por que não? Como dizem: "Na Internet, ninguém sabe se você é um cão" --ou se está em Cleveland ou Mosul.

Mas ainda importa a empresa ser vista como sendo americana, disse Brisker: "As pessoas sabem que você representa esse tipo de empreendedorismo e liberdade de pensamento e expressão criativa, de energia arrojada, e querem fazer parte disso. Elas sabem que isso pode transportá-las dos males de seu mundo local e lhes permitir construir um novo mundo em seu lugar".

Males? Por que algumas pessoas respondem aos males com energias construtivas e criativas, usando a Internet para ampliá-las, e outros com energias destrutivas, também usando a internet para ampliá-las? Eu não sei. Mas cada vez mais pessoas serão superempoderadas pela Internet para criar coisas e destruir coisas --e as empresas de redes sociais e agências de inteligência trabalhando juntas ou separadas não nos salvarão. Quando todo indivíduo fica tão superempoderado para criar coisas ou destruí-las, toda família e comunidade importa --os valores que dividem e as aspirações que inspiram. Como nutriremos as nossas próprias nos Estados Unidos e em outros países para produzir mais criadores do que destruidores é agora um dos maiores desafios políticos --e geopolíticos-- desta era.