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Poder do magnata Sheldon Adelson ameaça democracia

Sheldon Adelson, americano proprietário da Las Vegas Sand Corporation, é o 8º colocado na lista com fortuna estimada em US$ 38 bilhões - Yuya Shino/Reuters
Sheldon Adelson, americano proprietário da Las Vegas Sand Corporation, é o 8º colocado na lista com fortuna estimada em US$ 38 bilhões Imagem: Yuya Shino/Reuters

13/03/2015 00h01

O simbolismo foi forte demais para ser ignorado. Como sabe qualquer pessoa que ouviu o discurso do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na semana passada no Congresso, uma das pessoas sentadas em proeminência na galeria da Câmara era o magnata dos cassinos Sheldon Adelson, um dos principais apoiadores financeiros do Partido Republicano e de Netanyahu.

Como relatou Colby Itkowitz no "The Washington Post", a certa altura a mulher de Adelson, Miriam, acidentalmente derrubou sua bolsa do parapeito da galeria da Câmara e atingiu o deputado democrata Brad Ashford, de Nebraska, que estava sentado abaixo. O "Post" notou que Adelson tinha dado US$ 5 milhões para o Comitê de Ação Política (PAC) do Fundo de Liderança Republicana no Congresso, o qual havia gasto US$ 35 mil em uma tentativa fracassada de derrotar Ashford na disputa em 2014 contra o deputado Lee Terry. Ashford disse mais tarde, brincando, ao jornal "The Omaha World-Herald": "Eu gostaria de ter aberto a bolsa. Você acha que ela leva dinheiro?".

Certamente sabemos que Sheldon Adelson leva. E, quando se tratou de despejar esse dinheiro sobre pré-candidatos presidenciais republicanos e PACs de direita que tentavam derrotar o presidente Barack Obama (supostamente US$ 150 milhões em 2012), e para manter Netanyahu e seu partido Likud no cargo, nenhum doador bilionário isolado é mais influente que Sheldon. Não importa qual seja sua agenda, é perturbador que um homem com disposição e capacidade de doar somas gigantescas possa agora influenciar as políticas israelense e americana ao mesmo tempo.

Israel tem leis muito mais rígidas sobre doações individuais para campanhas políticas, então Adelson contornou isso em 2007 fundando um jornal de distribuição gratuita em Israel - "Israel Hayom" - cujo único objetivo é apoiar Netanyahu, atacar seus inimigos na política e na mídia e defender uma agenda política de extrema-direita para impedir qualquer compromisso territorial israelense na Cisjordânia (o que poderia, com o tempo, minar Israel como uma democracia judaica).

Com um desenho gráfico atraente, o "Israel Hayom" é hoje o jornal diário de maior circulação em Israel. Exatamente por ser gratuito, está exercendo uma forte pressão sobre os concorrentes como "Yediot" e "Haaretz", que são pagos e não defendem Netanyahu.

Então Adelson comprou o jornal mais importante da direita religiosa-nacionalista de Israel, "Makor Rishon", há muito considerado o principal apoiador do maior rival de direita de Netanyahu, o ministro da Economia, Naftali Bennett. Em março passado, em uma entrevista à Rádio do Exército de Israel depois da venda do "Makor Rishon", Bennett disse: "Isso me entristece. O 'Israel Hayom' não é um jornal. É o 'Pravda'. É o porta-voz de uma pessoa, o primeiro-ministro. Em todos os pontos de junção, todos os pontos de atrito entre o interesse nacional e o interesse do primeiro-ministro, eles escolhem o lado do primeiro-ministro".

"The Washington Post" disse que, em novembro passado, em uma conferência do Israel American Council, um grupo de lobby fundado por Adelson, ele brincou em uma conversa em público com outro israelense rico: "Por que você e eu não compramos o 'The New York Times'?" Quando lhe disseram que era de propriedade familiar, Adelson retrucou: "Só há uma maneira de combatê-lo: dinheiro". Na mesma conferência, Adelson teria dito, como foi citado, que Israel não poderia sobreviver como uma democracia: "Então Israel não será um Estado democrático", acrescentou. "E daí?"

Em março passado em Las Vegas, Adelson organizou sua própria primária republicana particular. O site "Politico" escreveu na época: "Adelson convocou [Jeb] Bush e os governadores Chris Christie, de Nova Jersey, John Kasich, de Ohio, e Scott Walker, de Wisconsin, a irem a Las Vegas. (...) A nova paisagem política do dinheiro grande - em que um punhado de doadores pode alterar drasticamente uma campanha com apenas um ou dois cheques."

Quando Christie, em seu discurso antes de Adelson, descreveu a Cisjordânia como "territórios ocupados", alguns republicanos judeus na plateia ficaram contrariados. Então, relatou o "Politico", Christie apressadamente arranjou uma reunião com Adelson para explicar que havia se expressado mal e que ele era um verdadeiro amigo de Israel. "O governador de Nova Jersey pediu desculpas em uma reunião privada no escritório do magnata do cassino pouco depois", relatou o "Politico". Disse que Adelson "aceitou" a "explicação" e "o rápido pedido de desculpa" de Christie.

Quando o dinheiro cresce tanto na política, quando ele pode fazer autoridades eleitas se curvarem e rastejarem em dois países diferentes ao mesmo tempo, é perturbador. Tenho certeza de que Adelson se importa profundamente com Israel, mas ele não tem qualquer senso de limite sobre como exerce seu extraordinário poder financeiro - poder que está usando para simultaneamente empurrar Israel e os EUA a eliminarem qualquer solução de dois Estados entre israelenses e palestinos, a desfinanciar a Autoridade Palestina e a um confronto com o Irã, e não uma solução diplomática. As pessoas precisam saber disso.

Os laços mais importantes entre Israel e os EUA sempre vieram de baixo para cima - o respeito mútuo entre duas populações amantes da democracia. O dinheiro não pode comprar esses laços, mas pode ameaçá-los se for excessivo - tomando a verdadeira boa vontade de Israel nos EUA e usando-a para ajudar um partido a atacar o presidente, um grande doador conduzir sua agenda radical, um partido parecer mais pró-Israel que o outro por razões eleitorais, ou um político israelense ganhar a reeleição. As pessoas que vão "até o fim" desse jeito um dia cairão do penhasco. Elas irão lamentar. Assim como todos nós.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves