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Diga-me como isso pode terminar bem

Thomas L. Friedman

Em Hong Kong (China)

02/04/2015 00h01

Eu passei a última semana na China. É sempre instrutivo ver o mundo a partir do Império do Meio. Às vezes, as melhores revelações surgem simplesmente a partir da leitura dos jornais locais.

Em 25 de março, o jornal “China Daily” publicou um ensaio detalhando como as “autoridades de Pequim” tinham “iniciado excursões de inspeção de jardins de infância nesta semana para garantir que as crianças não estivessem sendo sobrecarregadas com tarefas escolares. Embora matérias como chinês, matemática e inglês devam ser ensinadas aos alunos do ensino primário, não é raro ver crianças na pré-escola em toda a China sendo obrigadas a estudar esses assuntos”. O artigo então explicava por que não era saudável “começar a se preparar para o vestibular” na pré-escola.

Lendo aquilo, tive uma visão de uma equipe da Swat do Ministério da Educação invadindo as portas dos jardins de infância da China e declarando: “Larguem esses lápis e livros! Afastem-se de suas mesas, e ninguém sai ferido!”

Que problema para se ter! Creches ensinando matemática e inglês cedo demais.

No mesmo jornal, havia também um artigo sobre a última batalha entre facções de xiitas pró-iranianos e sunitas pró-sauditas no Iêmen. Os confrontos se concentraram na segunda maior cidade do Iêmen, Taiz. Taiz? Espere um minuto! Eu estive em Taiz em maio de 2013 trabalhando em um documentário sobre como o Iêmen estava se tornando um local de desastre ambiental. Nós nos focamos em Taiz porque, como resultado dos ecossistemas devastados do Iêmen, os moradores de Taiz têm água em suas torneiras por apenas 36 horas a cada 30 dias, aproximadamente.

Então, por aí você vê. A notícia na China é a repressão aos jardins de infância que ensinam matemática e inglês cedo demais, e as notícias do Iêmen são que as facções sunitas e xiitas estão lutando por uma cidade que já está tão destruída que só tem água 36 horas por mês e, no resto do tempo, você tem que confiar em caminhões-pipa itinerantes. E isso foi antes das batalhas recentes.

Mas, pelo menos, nós encontramos o problema. Eu li que é tudo culpa do presidente Barack Obama. Quem dera. Obama disse e fez algumas tolices no Oriente Médio (como decapitar o regime líbio sem nenhum plano para a manhã seguinte), mas ser cauteloso em seu envolvimento nessa região não foi uma delas. Estamos lidando aqui com algo que nenhum presidente teve de enfrentar: o colapso do sistema estatal árabe após 70 anos de governança falida.

Mais uma vez, a comparação com a Ásia é instrutiva. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Ásia foi governada por muitos autocratas que, essencialmente, disseram: “Meu povo, vamos tirar a sua liberdade, mas vamos dar-lhe a melhor educação, infraestrutura e crescimento movido pela exportação que o dinheiro pode comprar. E, eventualmente, teremos uma classe média grande e vocês terão sua liberdade.” Durante esse mesmo período, os autocratas árabes viraram-se para o seu povo e disseram: “Meu povo, vamos tirar a sua liberdade e dar-lhe o conflito árabe-israelense.”

Os autocratas asiáticos em geral foram modernizadores, como Lee Kuan Yew, de Cingapura, que morreu na semana passada aos 91 anos. E hoje você vê os resultados: os cingapurianos esperaram dez horas na fila para prestar sua última homenagem a um homem que os liderou do nada para uma classe média mundial. Os autocratas árabes em geral foram predadores que usaram o conflito com Israel como um objeto brilhante para distrair a atenção do povo de seu próprio desgoverno. O resultado: Líbia, Iêmen, Síria e Iraque hoje são áreas de desastre de desenvolvimento humano.

Alguns previram isso. Em 2002, um grupo de cientistas sociais árabes produziu o Relatório de Desenvolvimento Humano Árabe da ONU. Nele, diziam que o mundo árabe sofria de deficit de liberdade, de conhecimento e de desenvolvimento do potencial das mulheres e que, se não mudasse, ia avançar nessa direção. Eles foram ignorados pela Liga Árabe. Em 2011, as massas árabes educadas revoltaram-se para forçar uma reviravolta antes que chegassem ao tal destino. Exceto pela Tunísia (o único país árabe cujo autocrata também era modernizador), o despertar fracassou. Então, agora eles chegaram aonde estavam indo: o colapso do Estado e um caldeirão de guerras civis tribais e sectárias (xiita-sunita, persa-árabe), em uma região inchada de desempregados, jovens enfurecidos e escolas que mal funcionam, ou, quando funcionam, ensinam um excesso de religião e não de matemática.

Eu li que o presidente Abdel Fattah el-Sissi, do Egito, declarou: “Os desafios diante da nossa segurança nacional árabe são graves, e conseguimos diagnosticar as razões por trás disso”. E quais seriam? Muito pouca cooperação árabe contra os persas e islâmicos. Verdade? Cerca de 25% dos egípcios são analfabetos hoje, após receberem US$ 50 bilhões em ajuda dos EUA desde 1979. (Na China, o analfabetismo é de 5%; no Irã, de 15%). Meu coração simpatiza com todas as pessoas desta região, mas quando seus líderes desperdiçam 70 anos, o buraco é realmente profundo.

Para ser justo, el-Sissi está tentando tirar o Egito do buraco. No entanto, o Egito talvez envie tropas para derrotar os rebeldes no Iêmen. Caso isso aconteça, será o primeiro caso de um país onde 25% da população não sabe ler que envia tropas para resgatar um país onde há água na torneira por 36 horas em um mês, para acabar com uma guerra cuja principal questão é uma disputa do século 7 sobre quem é o legítimo herdeiro do profeta Maomé --xiitas ou sunitas.

Qualquer aluno da pré-escola chinesa pode dizer: essa não é uma equação para o sucesso.

Tradução: Deborah Weinberg