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Uma fogueira de ativos, e Donald Trump tem os fósforos nas mãos

Donald Trump, pré-candidato à Presidência dos EUA, em imagem de arquivo - Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP
Donald Trump, pré-candidato à Presidência dos EUA, em imagem de arquivo Imagem: Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP

Thomas L. Friedman

27/08/2015 00h02

Normalmente, quando os seus principais rivais geopolíticos estão atirando em seus próprios pés, diz o manual militar para dar um passo para trás e apreciar o show. Mas eu não me sinto muito confortável assistindo à China queimando dinheiro e à Rússia queimando alimentos porque, no mundo interdependente de hoje, todos nós somos afetados.

Tampouco encontro alegria nisso porque nós, norte-americanos, também, começamos a torrar a nossa mais importante fonte de vantagem competitiva: nosso pluralismo. Um dos nossos dois partidos políticos enlouqueceu e começou a seguir um flautista de intolerância, chamado Donald Trump.

Primeiro, nós assistimos aos governantes da China torrando dinheiro --tentaram sustentar um mercado de ações ridiculamente supervalorizado comprando ações em queda com as economias do governo e, em seguida, assistiram ao mercado desmoronar pelo fato de que a própria intervenção do governo sugeria que ninguém sabia quanto valiam essas ações.

O “Wall Street Journal” informou em 30 de julho que a “estatal China Securities Finance Corp vem gastando até 180 bilhões de yuans [cerca de R$ 100 bilhões] por dia para tentar estabilizar as ações”. Desde então, a bolsa de Xangai caiu acentuadamente, e a quantidade de dinheiro que a China torrou tentando escorar preços irrealistas deve ser surpreendente.

A equipe de gestão econômica em Pequim perdeu totalmente o caminho. Mas, a liderança faz coisas estranhas quando o trato do partido governante com o povo é “nós governamos e você fica rico”. A queda dos mercados pode levar rapidamente à queda da legitimidade.

Pergunte ao presidente russo, Vladimir Putin. Para desviar a atenção da classe média russa de sua má gestão econômica e sua falta de legitimidade, ele queimou o leste da Ucrânia.

Putin decidiu que a construção de seu próprio Vale do Silício --o Centro de Inovação Skolkovo, próximo a Moscou-- era difícil demais. Portanto, para reforçar sua legitimidade, ele escolheu a via do nacionalismo e invadiu a Crimeia. Putin prefere produzir conflitos a microchips. Quando a doce onda de animação nacionalista pela anexação da Crimeia terminou, Putin começou a queimar alimentos importados de países que punem a Rússia por tirar a Crimeia da Ucrânia.

Como informou o “New York Times” no dia 6 de agosto, “após uma ordem do presidente Vladimir Putin, as autoridades jogaram enormes pilhas de carne de porco, tomates, pêssegos e queijo em aterros e incineradores de lixo. O frenesi resultante, notável mesmo para os padrões da recente politização do abastecimento de alimentos da Rússia, foi alegremente relatado pela televisão estatal russa”. E isso tudo em um país onde os preços dos alimentos saltaram com o colapso do rublo.

Meu temor é que, quando terminar a doce animação nacionalista pela queima de alimentos, ele resolva queimar outro vizinho. Estônia, por favor, tenha cuidado.

Infelizmente, porém, os EUA também estão jogando seus bens na fogueira. Hoje, estamos em um mundo onde todas as estruturas de autoridade estão sendo desafiadas. Isso é mais óbvio no mundo árabe, onde você tem países pluralistas que carecem de pluralismo e assim foram mantidos unidos com um punho de ferro de cima para baixo --e quando esse punho de ferro foi removido, eles racharam.

A maior vantagem dos EUA é o seu pluralismo: o país consegue ser governado horizontalmente pelo seu povo de todas as cores e credos, que forja contratos sociais de forma que todos possam viver juntos como cidadãos iguais.

Isso não apenas nos torna mais estáveis, mas também mais inovadores, porque podemos colaborar interna e externamente com qualquer pessoa em qualquer lugar, abarcando mais recursos intelectuais. Quem é o novo CEO da Google? Sundar Pichai. Quem é o novo CEO da Microsoft? Satya Nadella. A família de Mark Zuckerberg não veio exatamente no Mayflower.

Mas agora nós estamos brincando com esse ativo incrível. Sim, devemos controlar nossas fronteiras; é a essência da soberania. A porosidade da fronteira com o México tem sido uma falha de ambos os nossos partidos políticos. Então, sou a favor de um muro alto, mas com um grande portão --que permite a entrada legal de trabalhadores enérgicos com baixas qualificações e de empreendedores que tomam riscos e têm alto QI, que tornaram a nossa economia a inveja do mundo--, e de leis que forneçam um caminho para que milhões de imigrantes ilegais que já estão aqui se tornem legais e eventualmente conquistem a cidadania.

Em junho de 2013, o Senado, incluindo 14 republicanos, aprovou uma lei que realizaria tudo isso. Mas os extremistas do Partido Republicano na Câmara disseram não, e o projeto de lei empacou.

E agora temos Trump explorando descaradamente esta questão ainda mais. Ele está pedindo um fim ao direito da cidadania por nascimento da 14ª Emenda, que garante a cidadania a qualquer pessoa nascida aqui, e também um programa do governo para reunir todos os 11 milhões de imigrantes ilegais e enviá-los para casa --uma ideia totalmente louca que Trump diz que é um mero problema de “gestão”. E muitos dos outros pré-candidatos à Presidência do Partido Republicano simplesmente seguiram Trump para esse penhasco.

Isso não é mais engraçado. Isso não é divertido. Donald Trump não é fofo. Seu nativismo feio usa vergonhosamente os medos e a ignorância das pessoas. Ele ignora soluções bipartidárias que já estão em discussão, mina os ideais cívicos que fazem a nossa diversidade funcionar de uma forma que nenhum país europeu ou asiático pode conseguir (tente se tornar japonês) e mexe com o segredo do nosso molho: o pluralismo, ou seja, que de muitos fazemos um.

Cada época tem o seu Joe McCarthy, que tenta tirar vantagem da divisão e do medo, e hoje seu nome é Donald Trump.

Tradução: Deborah Weinberg