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Paulo Sampaio

Ex-mulher de turco ensina brasileiras a lidar com homens do Oriente Médio

Danny Boggione no vídeo sobre a brasileira resgatada de cárcere privado - Foto: Reprodução
Danny Boggione no vídeo sobre a brasileira resgatada de cárcere privado Imagem: Foto: Reprodução

Colunista do UOL

03/03/2020 04h00

"Olha, meu amor, não. Eu não quero você casada com ele", decide a youtuber mineira Daniele "Danny" Boggione, 43 anos, quando uma atleta brasileira pergunta se deve ou não levar adiante o relacionamento com um turco que conheceu nos Estados Unidos. Dona do canal "Sobrevivendo na Turquia", que tem 191 mil inscritos, Danny fala com a propriedade de quem foi casada por dez anos com um turco, tem um filho de 13 anos com ele e até hoje mora lá por conta disso.

No canal, ela ajuda brasileiras a lidar com o homem do Oriente Médio — não só o turco, mas todos os muçulmanos —, avalia relacionamentos iniciados muitas vezes à distância, pelas redes sociais — que ela desaconselha terminantemente — e já socorreu inúmeras vítimas de golpes "do amor" que se viram inclusive confinadas em cárcere privado. Em suas palavras, ela realiza a "profilaxia da prevenção".

Danny lê a resposta da atleta brasileira duas vezes campeã olímpica que seguiu seus conselhos - Reprodução - Reprodução
Danny lê a resposta da atleta brasileira duas vezes campeã olímpica que seguiu seus conselhos
Imagem: Reprodução

"Para com essa palhaçada!"

Ao responder às incautas que acreditam nas promessas do "príncipe on line", Danny é dura. "Não existe esse negócio de namoro pela Internet com turco! Para com essa palhaçada!", diz ela, furiosa. Sobre uma brasileira que conta que está em cárcere privado, com um filho de 5 anos, sem dinheiro, sem falar turco e grávida de três meses de um iraquiano, ela esbreveja:

"Gente, quer dar de louca, vem com o capeta, vem com Deus, mas deixa o filho! (...) (imitando voz de garotinha) 'Ah, mas eu vi na novela'. Vai tomar no centro do seu fiofó! Louca! (...) Uma mulher sem condição de cuidar da integridade do próprio filho deveria ser considerada incapaz!!" Mas no fim, graças a Danny, que entrou em contato com o consulado brasileiro e acionou seus contatos com a polícia turca, Rose* foi libertada. Ao que tudo indica, o homem queria um passaporte brasileiro.

Melhor não, Kelly

* Todas as mulheres que procuram ajuda no canal têm a identidade preservada. A atleta do primeiro parágrafo, por exemplo, é chamada de Kelly. Duas vezes campeã olímpica, ela conta por e-mail que conheceu o tal turco em um bar em Nova York, os dois foram para casa dele e, na cabeça dela, era só aquela noite. Mas ele a procurou no dia seguinte, insistiu, disse que queria levá-la para apresentar à família na Turquia. Ela se esquivou, manteve-se na defensiva, e então capitulou — mas não muito.

No dia em que enviou o e-mail para Danny, a atleta ainda não havia contado para o namorado, com quem já vivia junto, que estava muito bem financeiramente e que devia isso a uma bem sucedida carreira esportiva. Para ele, a namorada era uma estrangeira fazendo um curso de inglês nos EUA. Danny ponderou: "Quando ele descobrir que não tem poder financeiro sobre você, que você pode ir e vir para onde quiser, a hora que quiser, ele pode... (ela faz o gesto de um soco na palma da mão). Você já disse que ele é violento."

A atleta ouviu o conselho de Danny, leu as mensagens que as outras seguidoras do canal mandaram e resolveu, conhecendo bem o turco, terminar o relacionamento.

Experiência megacompartilhada

Vivendo há quase 20 anos em Ancara, a capital do país, Daniele diz que quando lançou o canal, em 2013, sua intenção era só responder a mulheres que a procuravam em mensagens privadas, para saber sobre separação e guarda dos filhos na Turquia.

"Eu nem sabia o que era youtube direito. Essas mulheres tinham conhecimento, pelas redes sociais, de que eu era separada e que tinha conseguido a guarda do meu filho. Resolvi gravar um vídeo para ter um maior alcance e responder a todas de uma só vez. Os vídeos tiveram muitas visualizações e com isso, mais perguntas começaram a chegar."

Ela hoje está casada com um inglês, que é separado de uma turca. Seu ex-marido está noivo de uma muçulmana local.

Notícias — Pelo que se assiste nos vídeos do seu canal, muitas brasileiras caem em ciladas com homens do Oriente Médio, em parte porque eles são hábeis conquistadores. Isso se diz, também, dos homens brasileiros. Qual a diferença?

Daniele Boggione — Segundo depoimentos ao canal, o brasileiro não tem o romantismo e o cavalheirismo de um médio oriental. Historicamente, o homem daqui é conhecido por ser um exímio negociador, com extrema capacidade de persuasão. Ele não "cai matando": faz um joguinho de "frio e quente", e isso intriga as brasileiras. É do tipo meloso, o primeiro a falar em "casamento", e tem o hábito de chamar a namorada de "minha esposa". Acredito que isso atrai as mulheres de maneira geral.

Notícias A ideia que se faz dos muçulmanos é a de que eles, por motivos religiosos, seriam mais respeitadores que os latinos.

Daniele — E são. Isso ajuda a entender por que os "namoros de internet" não têm peso algum para eles. Entre os muçulmanos, um relacionamento só existe se for aprovado pelo clã, sendo que o "tio Ali" dificilmente aprovaria uma "mulher online" e de outra religião. A grande maioria dos casamentos é arranjada pelas famílias, até mesmo nos países muçulmanos mais modernos, como a Turquia. O relacionamento de um muçulmano com uma mulher passa antes por uma discussão em família.

Você pode imaginar o quanto o advento das redes sociais possibilitou a eles extravasar e se divertir com mulheres ocidentais. Na internet, eles fazem tudo o que não podem com as locais: trocam nudes, praticam sexo virtual, e isso acompanhado de juras de amor e promessas de um futuro juntos. As menos avisadas acham que estão namorando, mas inexoravelmente eles interrompem de repente o contato, ou porque já são casados com muçulmanas, ou porque irão se casar com uma - como manda a tradição.

Notícias — Muitos utilizam aplicativos criados para quem quer aprender inglês, só que com o objetivo conhecer mulheres ocidentais. Em um dos vídeos, você diz que as brasileiras têm fama de "fáceis" — o que indica que são mais vividas. As vítimas desses golpistas seriam então as não tão fáceis, ou mais ingênuas?

Daniele Infelizmente, de um modo geral, a fama da brasileira não é boa no exterior — seja no ocidente ou oriente. Independentemente da profissão, classe social ou cor da pele. Sinceramente, eu nem me atrevo a especular esse fenômeno. Isso fica para uma outra pauta.

Mas as depoentes não têm um perfil definido. Já recebemos relatos de semianalfabetas, mulheres da classe média baixa/baixa, médicas, advogadas, artistas, psicólogas e até de uma juíza de Direito. Recentemente, uma atleta olímpica brasileira, que chamamos de "Kelly", escreveu para o quadro "Tia da Agonia" do canal, em que respondo, baseado no que elas contam, se "o relacionamento é legítimo ou é golpe". "Kelly" pediu uma opinião a respeito de seu relacionamento (presencial) com um turco nos EUA. Eu disse o que pensava. Com base nisso, nas mensagens que outras seguidores mandaram e, claro, na análise dela própria, resolveu deixar o relacionamento.

Notícias Há também os homens que quererem se casar para conseguir o passaporte brasileiro. Vale tanto assim?

Daniele No mercado negro europeu, o passaporte brasileiro vale em torno de 25 mil euros. Somos dispensados de visto de entrada na maioria dos países da Europa ocidental: Inglaterra, Alemanha, Portugal, França, Espanha e por aí vai. Então, os portadores de passaportes do Oriente Médio ou África, Ásia (Índia, Bangladesh, Paquistão) podem ver nisso a possibilidade de entrar na Europa.

Falamos com uma agente de turismo especializada em Oriente Médio, que conta o dia em que três brasileiras, suas clientes, foram sequestradas em Istambul para lhes roubarem o passaporte.

Notícias Entre os "golpes do amor", existe o do "baú". Mas a brasileira que se dispõe a ficar com um muçulmano é rica assim? Não seria mais fácil tentar com as daí?

Daniele Eles não querem só dinheiro, mas a chance de ter qualidade de vida, que no Brasil é muito melhor. E sim, a maioria dos golpes do baú em brasileiras parte de cidadãos de países que viveram a "primavera árabe": muito pobres, politicamente e socialmente instáveis e perigosos. Eles querem a chance de viver em paz. O sonho maior é conseguir entrada nos Estados Unidos — o que é praticamente impossível hoje em dia —; a segunda melhor (e mais fácil) opção é o Brasil, juntamente com a Argentina.

Notícias — Que conselhos você daria a mulheres que estão se relacionando à distância com homens do Oriente Médio?

Daniele a) Não aceitar solicitações de amizade nas redes sociais. Um médio oriental de respeito não busca relacionamento online. Se ele faz isso, provavelmente é um predador. Um relacionamento, para o homem dessa região, só existe se ele conhece a família da mulher e pede sua permissão pessoalmente. Relacionamentos casuais não fazem parte dos costumes daqui. E por você estar online, ele acredita que não te deve nenhum respeito, pois o que ele aprendeu é que "mulheres de respeito" não namoram online.

b) Se ainda assim estiver mantendo um diálogo, eu aconselharia não enviar nudes, nem fazer vídeo chamada nua. Um grande número de depoentes são chantageadas por homens que pedem dinheiro em troca das imagens. Eles ameaçam mandá-las para familiares dela, isso sem contar que podem ser vendidas para sites pornôs locais.

c) Não viajar sozinha para o Oriente Médio para fins de relacionamento com um sujeito que conheceu online. De maneira alguma. Se ele oferecer pagar a passagem, não aceite, não venha. Você pode estar sendo vítima de aliciamento para o tráfico humano.

d) Jamais envolva seus filhos em seus "namoros" virtuais. Não exponha as crianças em câmera. Por mais que você ache o contrário, ele NÃO é seu namorado.

e) Não envie dinheiro para o "namorado" online sob hipótese nenhuma.

Notícias Como você já disse, o turco é um muçulmano mais arejado do que os dos países árabes do Oriente Médio. Qual a diferença?

Daniele A Turquia é um país secular, onde o Estado e a religião são devidamente separados. Aqui existe uma constituição civil, um poder judiciário independente da religião e, diferentemente dos países árabes, não se aplica a lei Sharia. Quem rouba, não tem os dedos cortados — vai preso. Por lei, a mulher pode pedir o divórcio, abrir sozinha os trâmites legais e o casal se separa em um tribunal de família, como no Brasil e em outros países ocidentais. Guarda de filhos e pensão são regulamentados à maneira ocidental também.

Notícias — Você ficou casada por dez anos com um turco. Chegou cair em alguma cilada (fora o casamento em si)?

Daniele (Risos!) Pra falar a verdade, ele me avisou que não seria fácil. Na época, usou uma metáfora que eu não esqueço: "Será que eu tenho o direito de arrancar uma rosa do solo dela e plantá-la aqui, só para vê-la murchar... morrer?". E foi além: me desencorajou a vir. Ele sabia, melhor que eu, que o relacionamento do ocidente com o oriente seria difícil para ambos.

Aqui eu perderia a voz e o direito de ir e vir como eu conhecia na minha vida anterior. Acima de nós dois, como indivíduos, como um casal, existem milênios de exigências culturais. Na minha opinião, baseada não somente na minha experiência, mas também em observações ao meu redor, é um relacionamento desinteressante para ambos. Eles, muitas vezes, sofrem também. Existem valores inegociáveis para um homem (ou mulher) muçulmanos, como por exemplo, a religião dos filhos. O filho (ou filha) de um muçulmano será muçulmano/a. Se for menino, será circuncidado entre os 5 a 7 anos.

Não significa que seja algo ruim, mas a candidata tem de estar ciente disso antes de se casar. E não, ela não vai dar um jeitinho de fazê-lo mudar. Ela não estará em seu parquinho, onde isso existe. É um pensamento (dela) presunçoso (burro mesmo) e perigoso. Eu mesma pensei assim (risos!). O desentendimento cultural nesse relacionamento é bem comum e ambos acabam se machucando muito, mesmo quando existe amor de verdade.

Notícias Você se casaria de novo com um turco?

Daniele Não, e nem eles se casariam comigo. Sou muito moderna para eles. Não dão conta de mim, nem eu deles. (Risos!)

Notícias Você já apresentou alguma amiga brasileira para um turco?

Daniele De maneira nenhuma! (risos)

A verdade é que meus melhores amigos são turcos, a Turquia é minha casa, onde construí minha vida e minha família. Um país que amo e devo respeito. Porém, eu nunca apresentaria nenhum dos meus queridos amigos, por melhor que sejam, para nenhuma das minhas amigas, e vice-versa. Como disse acima, não é interessante para nenhum dos lados.

Notícias O Brasil também tem uma cultura machista.

Daniele — Sim, mas nem se compara. A mulher terá saudades do que chamava de "machismo" em casa. O islã não é só uma religião, mas um modo de vida.

Notícias E o contrário? Você conhece homens brasileiros que se atraíram por muçulmanas? Algum conselho para os que têm fantasias com véus, burcas?

Daniele — Pode ser que exista brasileiro com esse fetiche, eu não conheço nenhum. Em se tratando das mulheres religiosas mais radicais, ele vai ficar só imaginação. Elas não saem de casa sem a companhia de um homem da família. Para se aproximar, ele teria de se converter. Na Turquia, que é mais moderninha, o véu é opcional. Há mulheres que saem na rua exatamente como eu apareço nos vídeos - com roupas ocidentais, cabelo feito e maquiagem. Porém, com ou sem véu, são muçulmanas. Lindíssimas por sinal - não somente as turcas, mas as médio orientais no geral. Enfim, se quiser tentar, boa sorte...