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Artigo: Com doçura, mães de Santa Maria lutam para que tragédia não seja esquecida

Ana Paula Rocha

Do UOL, em Santa Maria (RS)

12/05/2013 06h00

“Imagine só essas mães”. Esta frase não tem um autor específico, mas ao mesmo tempo tem muitos. Assim que as manchetes de 27 de janeiro anunciavam os mortos após um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, o assunto se tornou frequente entre pessoas do país todo. Certamente, em muitas das conversas, frases deste tipo estavam presentes.  A cada momento o número de vítimas aumentava, dando aos poucos a dimensão do drama que as perdas representariam para cada envolvido. Como não pensar nestas mães? Como não pensar na angústia e sofrimento destes familiares? Passados pouco mais de três meses, as famílias dos 241 mortos têm neste domingo (12) o primeiro Dia das Mães sem os jovens que perderam a vida na tragédia.

Abordar estas mães não é fácil. É um tipo de entrevista que não se aprende a fazer, que não se ensina em lugar algum. Fica valendo o critério que vale para praticamente tudo na vida. Respeito e bom senso. As mães sofrem ao contar suas histórias. Todas têm lembranças maravilhosas dos filhos. A gente fica ouvindo e imaginando que na nossa família tem alguém parecido, fica pensando que poderia ser com qualquer um. Repórter e cinegrafista enchem os olhos d’água; a próxima pergunta fica perdida no silêncio ou na respiração carregada do fim da última resposta.

As mães sofrem em lembrar, mas todas dizem: “há como esquecer? Eu não vou esquecer”, elas falam. Elas sofrem, mas a cada momento lembram que há mais de 200 outras mães com a mesma dor. Lembram que esta é a dor de qualquer mãe que perdeu um filho. E acreditam que falar sobre isso, lembrar como os filhos eram especiais para elas e explicar o que estão sentindo pode ajudar outras mães que também sofrem. Das mulheres com as quais conversamos para produzir um material especial para o Dia das Mães, nenhuma expressava raiva, rancor ou revolta na fala. Mesmo assim, elas não admitem que a gravidade do que aconteceu seja esquecida. É por isso também que elas se esforçam para falar: para que ninguém esqueça.

A dor das mães é também a dos pais. Vemos o mesmo sofrimento e solidariedade nos olhos deles: seja naquele que trouxe uma garrafa de água para as mães que dariam entrevista e se fechou em um quarto na hora da gravação. O gesto e o olhar dele para a mulher antes de fechar a porta resumiam a cumplicidade: qualquer coisa, estou aqui do lado. São os mesmos sentimentos que vemos nos olhos do pai que divide o quarto com a filha para ficar na cama antes ocupada pelo irmão dela, e assim, não deixá-la sozinha. São os mesmos do pai que agora deixa a vida que tinha antes de lado para carregar o peso de presidir uma associação de familiares e tentar conciliar todas as angústias, ao mesmo tempo em que procura meios de confortar a si e a sua família.

A brutalidade do que aconteceu em Santa Maria impressiona mesmo que já se saiba de todos os detalhes possíveis da tragédia. Cada vez que se recorda o que aconteceu, a sensação é de incredulidade. Na mesma proporção, nas três vezes em que estive na cidade para a cobertura deste triste fato, me surpreendeu da mesma maneira como podem essas mães e pais serem tão carinhosos.