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Avó avisou rede de proteção à infância que Bernardo corria perigo

Do UOL, em Porto Alegre

18/04/2014 14h05

Em dezembro do ano passado, a rede de proteção à criança de Três Passos (472 km de Porto Alegre) já havia sido informada sobre os problemas que o menino Bernardo Uglione Boldrini, 11, enfrentava em casa. O conselho tutelar da cidade e a Promotoria da Infância e Juventude estavam cientes, inclusive, de uma denúncia de tentativa de asfixia por parte da madrasta, Graciele Ugulini, 32. Mesmo assim, uma testemunha chave não foi ouvida e o garoto permaneceu na casa da madrasta, que agora é a principal suspeita de ter assassinado o menino.

O UOL teve acesso a uma série de e-mails trocados entre o advogado Marlon Balbon Taborda, representante da avó materna do menino, Jussara Uglione, 73, e a rede de proteção à criança. No primeiro, datado de 22 de novembro de 2013, Taborda comunica o conselho tutelar de Santa Maria, cidade em que Jussara vive, sobre denúncias de maus tratos feitas por uma ex-babá de Bernardo. As mesmas informações foram remetidas à promotora da Infância e da Juventude de Três Passos, Dinamárcia Maciel de Oliveira, em 6 de dezembro.

"[Bernardo] não mais estaria sob os cuidados do pai, eis que estaria com uma pessoa conhecida como Jú, da Jú Moda Íntima. É fato sabido na comunidade local que a mãe do Bernardo faleceu já faz alguns anos em grave situação. Ela [Jussara Uglione, avó do menino] me passou o telefone de quem disse esta informação para ela, e eu contatei com tal pessoa. A Elaine [ex-babá] me expôs de forma categórica no telefone que o menino Bernardo, neto da Jussara Marlene Uglione, estava andando pela rua, abandonado, que foi tentado ser asfixiado em uma noite quando estava em casa, fato confirmado pelo menino", escreveu o advogado no email.

Testemunha fundamental no caso da suposta agressão, a ex-babá jamais foi chamada para ser ouvida. Em resposta aos e-mails do advogado, apenas foi requerido que a avó do menino fosse até Três Passos para uma audiência na promotoria.

"Avisamos os órgãos da rede de proteção da criança para averiguar os acontecimentos. Demos nomes de testemunhas a serem averiguadas, mas nunca recebemos qualquer retorno", comentou o advogado Marlon Taborda.

Naquele dezembro, a promotora Dinamárcia de Oliveira recebeu o representante do Conselho Tutelar, que indicava que o menino precisava de ajuda, já que havia fortes indícios de ser vítima de negligência familiar. A escola em que Bernardo estudava, por exemplo, afirmou que o garoto apresentava dificuldades de aprendizado, que poderiam ser explicadas por problemas afetivos. Já a família não respondia aos chamados dos professores para debater a situação do aluno. Aos conselheiros tutelares, o médico Leandro Boldrini, teria dito para que cuidassem "das crianças maltratadas", mostrando desinteresse pelo caso do filho.  

Uma assistente social da prefeitura encaminhou um relatório à promotora Dinamárcia, no qual detalhava a rotina de Bernardo, sem a participação do pai. No documento, a assistente comentou a dificuldade de relacionamento do menino com a madrasta e o explícito desinteresse de Leandro Boldrini. Ela disse, por exemplo, que Bernardo procurava refúgio na casa de amigos, onde comia e até dormia, sem o pai aparecer para procurá-lo. Ao mesmo tempo, o médico não comparecia às reuniões marcadas pelo Conselho Tutelar.  

No fim de janeiro desse ano, Bernardo procurou sozinho o Cededica, no fórum da cidade de Passo Fundo. Ele disse que queria sair de casa e morar com outra família. Os motivos seriam as constantes brigas com a madrasta e o fato de o pai não tomar providências em relação a isso. O garoto foi encaminhado à promotora Dinamárcia de Oliveira, a quem confirmou os problemas em casa, como os xingamentos por parte da madrasta Graciele Ugulini e o desinteresse do pai. A família apontada por Bernardo como de seu interesse foi, então, procurada. O casal disse que não poderia cuidar do garoto, pois não queria problemas com seu pai --Leandro Boldrini é o único cirurgião da cidade, condição que lhe dá grande influência no município.  

Era o último dia de janeiro, quando o Ministério Público ajuizou uma medida protetiva, solicitando à Justiça que passasse a guarda do menino à avó materna. Na ocasião, foi marcada uma audiência entre Leandro Boldrini e o juiz da Infância e da Juventude, Fernando Vieira dos Santos. Dez dias depois, diante o juiz, o pai de Bernardo afirmou que não queria entregá-lo, e pediu uma chance de reaproximação com o filho. O juiz aceitou, e marcou uma nova reunião para 13 de maio, com a presença dos dois. Enquanto isso, a rede de proteção infantil deveria observar a família e reportar à promotoria, o que não aconteceu. Ao menos, até o menino ser encontrado morto no dia 14 de abril, nenhum relatório chegou à mesa de Dinamárcia de Oliveira.  

O MP, quando soube do desaparecimento de Bernardo, já no dia 7 de abril (três dias após seu sumiço), pediu à Justiça que o menino fosse imediatamente levado à avó, em Santa Maria. O juiz, por sua vez, alegando que não tinha elementos que comprovassem que a avó poderia dar abrigo ao garoto, determinou que, assim que ele reaparecesse, fosse levado a um abrigo. Uma semana depois, o corpo de Bernardo era encontrado em uma cova, às margens de um rio, na cidade vizinha de Frederico Westphalen.    

"Nesse caso, como não houve violência, por tratar-se de questão afetiva, nós apostamos na preservação dos laços familiares. Chamamos o pai e suspendemos o processo por 60 dias, esperando que houvesse reconciliação. Infelizmente, aconteceu o pior", lamentou o juiz da Infância e da Juventude, Fernando Vieira dos Santos.

"Na Polícia Civil nunca chegou nada. Só sabíamos que o Conselho Tutelar estava tomando algumas providências. E isso não me leva a agir", afirmou a delegada Caroline Bamberg, que preside o inquérito sobre o assassinato do menino.