Topo

Sentindo-se 'confinados', desabrigados querem casa, mas em outro lugar

À esq., Roberto dos Reis, 33, e José da Paixão do Carmo, 40, que estão vivendo em hotéis de Mariana (MG) - Rayder Bragon/UOL
À esq., Roberto dos Reis, 33, e José da Paixão do Carmo, 40, que estão vivendo em hotéis de Mariana (MG) Imagem: Rayder Bragon/UOL

Rayder Bragon

Colaboração para o UOL, em Mariana (MG)

12/11/2015 06h00

Gente da roça, acostumada à vida do campo, os desabrigados de subdistrito Bento Rodrigues, em Mariana (MG), reclamam de terem tido o cotidiano alterado de maneira brusca e serem obrigados a conviver com uma rotina de “confinamento” nos hotéis da cidade.

Apesar de quererem morar novamente em sítios e casas, eles não pretendem voltar para o subdistrito, temerosos com um novo rompimento. 

“Não pretendo morar mais perto de barragem. Ninguém confia mais em ficar lá, não. Pode romper novamente”, disse o montador de andaimes Carlos Roberto dos Reis, 33.

O coordenador da Defesa Civil de Minas, coronel Helberth Figueiró de Lourdes, já havia afirmado que iria recomendar para ninguém voltar ao subdistrito.

Sobre a indenização do desastre, Reis afirma que espera uma solução rápida. “Eu espero que Deus ilumine e a gente não precise brigar com eles [a empresa Samarco]. Eles sabem que a culpa é deles.”

Da roça para o quarto de hotel

Mais de 600 desabrigados estão vivendo precariamente desde o rompimento das barragens de Fundão e de Santarém, da empresa Samarco, na quinta-feira (5). A empresa tem custeado a hospedagem e a alimentação das vítimas.

“O bom é estar na casa da gente. Não há lar melhor. Tenho que ficar 24 horas olhando a minha filha porque ela não tem noção de onde estamos. Toda hora tem gente desconhecida aqui, isso é perigoso. Ela tinha costume de brincar na rua, com as casas de portas abertas”, afirmou Reis, que divide um quarto com a mulher e a filha.

Os moradores afirmaram que, se antes tinham suas casas com bastante espaço verde em volta, agora lidam com quartos de hotéis e pousadas, muitos deles localizados na região central da cidade histórica, com movimento grande de carros no seu entorno.

O lavador José da Paixão do Carmo, 40, disse que, apesar de ter recebido alimentação desde que chegou ao hotel, na sexta-feira passada (6), a rotina em um quarto está sendo uma experiência ruim.

“Não tem como explicar o que está acontecendo com a gente. Para a gente melhorar, precisamos ir para uma casa que seja nossa”, afirmou.

Carmo disse ter perdido a residência onde morava com a mulher e três filhos, além de um carro.

“Eu espero que a gente volte a ter uma casa, para colocar a nossa família dentro e continuar com a nossa vida. Espero que eles não separem a comunidade, porque a gente era muito unido lá”, relatou.

Carmo disse que sente muita falta do local onde morava, por causa de plantação que tinha. Ele ainda lamenta pela filha, que não pode mais sair para brincar, pois ele afirmou ter medo de ela ser atropelada.

“Eu sou um cara de roça. Tinha um lote grande, com uma horta grande, com árvores e passarinho cantando. Eu vou ter isso mais? Não vou. Agora estou aqui, com a minha mulher e minha filha em apenas um quarto. A gente está sofrendo com isso”, contou.

Já em um hotel mais afastado do centro, o ajudante de pedreiro Francislei Jordane do Carmo, 21, disse que passa os dias “olhando os carros passarem na rua”. Ele está no local com a mulher.

“Não está bom, não, mas é melhor que ficar na rua. Lá em Bento a gente ficava pelo mato afora, lá era o melhor lugar do mundo. Não temos isso mais. Agora a gente fica olhando os carros passarem na rua. No quarto não dá para ficar muito tempo porque é calor demais. Agora é só almoçar, jantar e dormir”, disse.

O primo Maurício Geraldo Inácio, 20, disse que a rotina em um hotel, para quem não está acostumado, é “difícil”.

“Difícil mesmo é acostumar com o lugar. Estou acostumado com a tranquilidade de lá (Bento Rodrigues). Aqui é muito apertado e não temos nada para fazer. Lá, nós podíamos jogar bola, nadar. Aqui é ficar dentro dos quartos ou na rua. A gente vem aqui fora, fica um tempo, depois volta para dentro”, enfatizou.

Assédio

Os moradores de Bento Rodrigues têm sido procurados por advogados para fazerem ações individuais contra a Samarco.

O promotor Guilherme Meneghin, que está recolhendo informações para uma ação coletiva, disse que ações individuais podem ser feitas, mas acredita que uma ação coletiva seria mais rápida. “E, se a pessoa não concordar com os valores da indenização, pode recorrer individualmente”.