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Protestos, agressões, alta demanda: a "guerra" táxi x Uber vai continuar?

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

26/12/2015 06h00

O aplicativo de caronas remuneradas Uber começou a funcionar no Brasil em maio de 2014. Em São Paulo, no entanto, o serviço foi regulamentado apenas em outubro deste ano, depois que 32 veículos foram apreendidos por transporte irregular de passageiros –a maior investida em um único mês desde que o aplicativo começou a operar. No Rio de Janeiro, o sistema funciona graças a um mandado de segurança da Justiça, embora conflitos envolvendo taxistas e operadores sejam frequentes.

Em Porto Alegre, uma lei municipal proibiu o aplicativo de funcionar em novembro, depois que um condutor do serviço foi espancado por taxistas no estacionamento de um supermercado. Braulio Pelegrini Escobar foi atraído por taxistas para uma emboscada, recebeu socos e pontapés por cerca de dez minutos e teve o carro danificado –dois dos agressores estão presos. Registros de protestos, alguns deles violentos, foram verificados igualmente no Distrito Federal e em Belo Horizonte, que também proibiu o serviço.

Mesmo assim, o aplicativo se manteve funcionando nas cinco cidades brasileiras onde já foi implantado. E, apesar da pressão contrária de autoridades públicas e motoristas de táxi, tem agradado: segundo o site Reclame Aqui, até 30 de novembro o serviço gozava de boa reputação entre seus usuários, dos quais 76% afirmaram que voltariam a utilizar o app. No centro do debate está a constitucionalidade ou não do serviço. Surgido nos Estados Unidos em 2010, o aplicativo cresceu exponencialmente e, segundo o “Wall Street Journal”, já vale US$ 51 bilhões. A empresa tem sede em San Francisco e atua em 67 países e mais de 400 cidades. O UOL ouviu representantes de todos os pontos de vista envolvidos na polêmica.

O taxista

Edgar Ferreira de Souza, presidente da Federação Nacional dos Taxistas e Transportadores de Passageiros

O dirigente criticou a forma de atuação do Uber e disse que o aplicativo ajuda a precarizar a mão de obra no país. “É claro que nunca fomos e não seremos contra a tecnologia. O que nos preocupa é a finalidade com que ela está sendo usada, para precarizar relações de trabalho”, diz.

Segundo Souza, o Uber é uma “afronta à CLT” porque a intermediação entre usuários e prestadores de serviço ameaça uma profissão já regulamentada e abre precedentes para que outros empreendedores utilizem os mesmos mecanismos de exploração. “Alguém sabe para onde vão os 20% que a empresa cobra dos motoristas cadastrados? Eu não sei”, reclama.

O motorista do Uber

Leonardo Medeiros, divide a jornada diária com a condução de uma linha de ônibus em Porto Alegre

Leonardo Medeiros não economiza elogios à empresa. “É fora de série com os parceiros. Pagam tudo direitinho, com relatório semanal. Estão de parabéns. Quando for legalizado, largo o ônibus na hora”, afirma.

Segundo o motorista, o faturamento nas cinco horas diárias que dedica ao Uber é equivalente às oito horas da jornada no ônibus, com a vantagem de o trabalho ser menos estressante. Também há promoções-relâmpago: na semana em que a reportagem ouviu Medeiros, o motorista que completasse 60 horas logado nos cinco dias úteis receberia um bônus de R$ 3.500 além do valor das corridas.

Nem a falta de vínculo trabalhista assusta o motorista. “No ônibus não tem ar condicionado e os trajetos são quase sempre perigosos. No Uber, é o usuário que me controla. Ou seja, se eu trabalhar direitinho, tá tudo certo”, completou.

O Uber

Daniel Mangabeira, diretor de Políticas Públicas do Uber no Brasil

Em um comunicado, o Uber rejeitou o rótulo de intermediador e informou que os 20% cobrados dos motoristas parceiros (25% no caso da modalidade UberX) se referem ao licenciamento do aplicativo. A empresa não fornece informações sobre o número de motoristas parceiros e muito menos sobre faturamento da operação no Brasil.

A empresa afirma ainda que o transporte individual privado está previsto na Política Nacional de Mobilidade Urbana, e que as tentativas municipais de proibir o serviço são inconstitucionais. Em Porto Alegre, desde que iniciou o serviço, a prefeitura já apreendeu dez carros do Uber. As multas de R$ 5.860 para cada apreensão foram pagas pela companhia.

“A Justiça brasileira já se manifestou oito vezes favoravelmente ao Uber, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Está claro que transporte individual privado é diferente de transporte público individual. Vamos continuar buscando a regulamentação”, disse.

O especialista

Marcelo Branco, membro do Conselho Científico do Programa Internacional de Estudos Superiores em Software Livre da Universidade Aberta da Catalunha

O analista critica as tentativas de proibição do serviço, mas adverte que o Uber, assim como outros aplicativos, deve respeitar o Marco Civil da Internet no que tange ao direito de privacidade dos usuários. “É uma experiência positiva e inevitável, mas é preciso reforçar os alertas de privacidade. As prefeituras deveriam aprovar o uso, com poder de fiscalizar e multar o Uber, ou qualquer empresa de aplicativo, caso descumpram exigências mínimas de qualidade. Além disso, é preciso exigir transparência para controle público”, destacou Branco.
Na opinião do especialista, que já coordenou o programa Software Livre Brasil e a Campus Party, as prefeituras deveriam até mesmo investir em aplicativos públicos alternativos aos serviços comerciais, como forma de garantir qualidade aos usuários. “É uma oportunidade para melhorar as concessões públicas, que prestam um péssimo serviço à população”, disse.

Os usuários

Fernanda Araújo, médica

Insatisfeita com o serviço de táxis, a médica passou a utilizar o serviço logo que foi disponibilizado em Porto Alegre, em novembro. Ela reclama que em mais de um pedido houve dificuldade de localização por parte do aplicativo, o que causou transtornos.

“Em uma dessas ocasiões o motorista parou em um número diferente de onde eu estava, na mesma rua. Fui em direção ao carro, mas ele não esperou. Além disso, não cancelou a corrida e me debitaram R$ 7 da conta. Usei muitas vezes o aplicativo e, apesar de ser a primeira vez em que ocorreu um problema, estou insatisfeita com o descaso”, relatou.

Lourenço Soares, produtor cultural

Fazendo às vezes mais de cinco deslocamentos em um único dia, Soares usufrui de descontos pela frequência e se mostra satisfeito com o serviço do Uber. Segundo ele, os carros são limpos, os motoristas, educados, e a sensação de segurança é total. “Os táxis, infelizmente, foram tomados por gangues de marginais”, lamenta.

O produtor, entretanto, acha que o tempo de espera para receber um carro poderia ser menor. “Quando chamo e me avisam que vai demorar três, quatro minutos, pode ter certeza que vai demorar o dobro. Às vezes passa mais de um táxi vazio, mas cancelar é mais complicado que esperar”, diz.