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Preso morre em delegacia no MA após ficar 18h em "jaula" a céu aberto

Jaula a céu aberto em delegacia de Barra do Corda (MA), onde preso morreu - Defensoria Pública do Maranhão/Divulgação
Jaula a céu aberto em delegacia de Barra do Corda (MA), onde preso morreu Imagem: Defensoria Pública do Maranhão/Divulgação

Aliny Gama

Em Maceió

14/10/2017 07h51

Detido por embriaguez ao volante, o comerciante Francisco Edinei Lima Silva, 40, morreu depois de ficar por 18 horas preso dentro de uma jaula a céu aberto, na última segunda-feira (9), na delegacia do município de Barra do Corda (MA). A "cela" fica nos fundos do estabelecimento e não tem teto, água e banheiro.

Segundo a Defensoria Pública do Maranhão, o local que o comerciante ficou detido "se trata de uma jaula, sem paredes ou teto, onde o preso fica sujeito às intempéries, normalmente ao sol escaldante."

Silva era hipertenso e, segundo a família, durante o tempo que ficou detido não teve acesso à medicação que usava diariamente para controlar a pressão arterial. Mesmo tendo informado que estava com fortes dores de cabeça e se sentindo mal, o comerciante só teria sido socorrido no dia seguinte. Outros dois detentos estavam com ele dentro da jaula sob o sol escaldante.

O comerciante foi preso no domingo (8) acusado de embriaguez ao volante, depois que se envolveu em um acidente com uma motocicleta na BR-226. Silva chegou à delegacia por volta das 14h do domingo e foi levado para a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) por volta das 8h da segunda-feira. Às 14h da segunda-feira, ele morreu. 

O corpo de Silva foi transferido para o Instituto Médico Legal de Imperatriz (MA), na segunda-feira, onde se submeteu à necropsia, e liberado para sepultamento. O enterro do comerciante ocorreu na terça-feira no cemitério de Barra do Corda.

Familiares e moradores de Barra do Corda estão revoltados com o tratamento que o comerciante recebeu no tempo em que esteve detido na delegacia. Centenas de pessoas realizaram um protesto em frente à delegacia, na última quarta-feira, e pediram que os responsáveis sejam punidos.

A família de Silva afirma ter levado os medicamentos do comerciante à delegacia, mas informou que os policiais se recusaram a entregá-los para ele. Também disseram que o sol escaldante a que Silva foi exposto comprometeu o estado de saúde dele.

"Ainda não saiu o resultado da necropsia do corpo dele, mas o médico nos contou que a causa da morte foi pressão alta e falta de atendimento médico, como já era de se esperar. O IML disse que esse resultado só poderá ser repassado para a polícia daqui a dez dias. Esperamos que o delegado vá lá buscar e que os responsáveis sejam punidos. Mas isso tudo não trará a vida do meu primo de volta", criticou Nielma Rodrigues, prima de Francisco Edinei Lima Silva.

"Gaiolões" são proibidos 

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional Maranhão, Rafael Silva, ressalta que a existência de detentos em "gaiolões" nas delegacias do Maranhão fere a Constituição Federal, a LEP (Lei de Execução Penal) e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário. Ele critica a cultura de encarceramento para solucionar problemas, pois não há uma reestruturação social.

"Há uma cultura de encarceramento muito forte no Judiciário, entender a prisão como solução para os problemas. Infelizmente, lidamos com discurso que são de extermínio da população carcerária. Esse gaiolão existe porque existe um clamor social que quer que as prisões sejam locais de tortura. Se não existisse esse clamor social, as prisões não seriam tão graves como forma de tratar as pessoas encarceradas como são atualmente", afirma Rafael Silva.

A superlotação e a falta de estrutura em manter presos encarcerados na delegacia de Barra do Corda levaram o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública do Estado a ingressar com uma ACP (Ação Civil Pública) contra o governo do Estado, em maio, pedindo que o prédio seja interditado por manter presos indevidamente sob custódia no local. A ação ainda não foi julgada.

A defensoria pública informou que acionou o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Maranhão e levou a ocorrência do fato ao conhecimento do Ministério Público, que abriu procedimento investigatório. Além disso, foi feito contato com o Secretário de Estado de Administração Penitenciária,  Murilo Andrade, para cobrar um posicionamento sobre a existência do espaço na delegacia de Barra do Corda.

Em nota, o governo do Maranhão informou que a estrutura existente na delegacia "tem por finalidade garantir o banho de sol de presos provisórios", de acordo com a LEP (Lei de Execução Penal), e que a Polícia Civil instaurou inquérito para apurar se houve "uso indevido do local".

O governo do Maranhão afirmou que desde o início de 2015 trabalha para extinguir a presença de presos provisórios em delegacias. Em janeiro de 2015, existiam 1.600 presos provisórios em delegacias. Atualmente, o número foi reduzido para menos de 800 detentos. A diminuição de presos em delegacias deve-se à transferência de detentos para o sistema prisional. Nos últimos dois anos, o sistema prisional abriu 1.562 novas vagas.