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Crise na Ucrânia alerta para cuidado com invasão de ''homenzinhos verdes'' russos

Steve Pifer*

08/07/2014 06h00

Quando tropas apoiadas por Moscou apareceram na Crimeia em fevereiro, a mídia as apelidou de "homenzinhos verdes". Agora os membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) devem se perguntar como responderão caso os soldados também comecem a aparecer na Estônia e Letônia

A crise na Ucrânia exibiu um fenômeno interessante: o surgimento na Crimeia e no leste da Ucrânia de soldados aparentemente profissionais, em uniformes de combate ao estilo russo e armas russas, mas sem insígnias de identificação. Os ucranianos os apelidaram de "homenzinhos verdes" quando esses soldados primeiro montaram barreiras em estradas e tomaram pontos estratégicos na península da Crimeia.

A Otan deveria pensar no que isso representaria para a segurança da Aliança, especificamente como reagir se homenzinhos verdes aparecessem na Estônia e Letônia.

Os homenzinhos verdes apareceram na Crimeia no fim de fevereiro. Quando perguntado em uma coletiva de imprensa de 4 de março sobre os soldados e seus uniformes de combate de estilo russo, o presidente Vladimir Putin negou que eram russos, os chamando de "unidades de autodefesa locais".

A verdade logo veio à tona. Em 28 de março, Putin parabenizou oficiais russos no Kremlin pela forma como conduziram a operação na Crimeia. O Ministério da Defesa russo produziu uma medalha de vitória pelo "retorno da Crimeia". Em um teleton em 18 de maio, Putin reconheceu que as tropas na Crimeia eram russas.

No mesmo teleton, o presidente russo negou que os soldados que, em abril, começaram a tomar prédios no leste da Ucrânia eram russos. Apesar de muitos dos separatistas armados em Donetsk e Luhansk sem dúvida serem locais, alguns se pareciam e se comportavam de forma muito parecida com os homenzinhos verdes/soldados russos que assumiram tão eficientemente o controle da Crimeia. Será que Putin confirmará futuramente que soldados russos de fato estiveram envolvidos no leste da Ucrânia?

Será que Putin desafiaria a segurança e solidariedade da Otan?

Independente de fazê-lo ou não, a Otan deveria pensar nas implicações do fenômeno dos homenzinhos verdes, em particular para os Estados bálticos da Estônia e Letônia. Cidadãos de etnia russa em cada um desses países representam cerca de um quarto da população. Apesar de a maioria parecer satisfeita –relativamente poucas pessoas de etnia russa optaram nos últimos 20 anos por partir desses países e voltar à Rússia –muitos não possuem cidadania.

Esse não seria um evento muito provável, mas certamente a possibilidade não é zero. Moscou se queixa regularmente sobre o tratamento dado aos russos nos países bálticos e Putin afirmou ter o direito de intervir em outros Estados para defender russos e cidadãos de língua russa, independente de sua nacionalidade.

Além disso, Putin exibe abertamente um forte senso de ofensa em relação à Otan. Ele poderia achar atraente a ideia de uma operação que possa negar de forma plausível e que desafie a segurança de um país membro da Otan, minando assim a solidariedade e credibilidade da Aliança. O investimento relativamente limitado feito por Moscou para alimentar o separatismo armado certamente semeou o caos no leste da Ucrânia.

Os membros da Otan devem discutir agora como a Aliança responderia se, digamos, soldados sem insígnia auxiliados por cidadãos locais tomassem um prédio público local no leste da Estônia, ao lado da fronteira russa. A primeira pergunta é se a OTAN consideraria isso um problema interno para a Estônia resolver sozinha, ou tratá-lo como uma contingência do Artigo 5º, exigindo que os aliados o considerem um ataque contra todos.

Impedindo o Contágio

Os membros da Aliança provavelmente não chegariam a uma decisão firme sobre como responder na falta de uma situação real. Mesmo assim, uma discussão preliminar das considerações que guiariam uma decisão seria importante para conter (e por fim) rapidamente a uma ocupação, antes que as coisas degenerem e as ocupações se espalhem para outros locais, como ocorreu no leste da Ucrânia.

Essa não será uma discussão fácil. Alguns aliados poderiam muito bem assumir a posição de que foram uma evidência clara de envolvimento russo. Uma crise dessas seria uma questão de segurança interna, a ser tratada pela própria polícia e forças de segurança da Estônia. Isso poderia desapontar o governo estoniano, mas seria útil o governo em Tallinn saber.

Se, por outro lado, os aliados da Otan estiverem inclinados a considerar um caso desses como tendo implicações do Artigo 5º, a Aliança deveria discutir que resposta faria sentido e planejar de acordo. Isso incluiria como a Otan poderia auxiliar as forças de segurança estonianas.

Uma opção que as forças de segurança ucranianas aparentemente careciam de capacidade, particularmente após o colapso das estruturas da força policial local, seria uma operação policial apoiada por forças especiais. A ideia seria isolar o prédio ocupado; afastar possíveis manifestantes da área; cortar as ligações de eletricidade, gás, água e esgoto; e então aguardar a saída dos ocupantes.

As forças locais na Estônia (ou Letônia) poderiam ser capazes de realizar uma operação dessas por conta própria. Mas um planejamento prévio e envolvimento da Otan aumentaria a capacidade delas. Também enviaria sinais políticos importantes: primeiro, uma mensagem de apoio aos governos que possam ser vítimas de um ataque por homenzinhos verdes, e, segundo, uma mensagem ao Kremlin de que a tática não funcionaria contra um país membro da Otan.

(Steven Pifer, um membro sênior da Instituição Brookings, é um ex-embaixador americano na Ucrânia.)