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Na linha de frente do conflito sírio, há pouco espaço para escrúpulos e o vale-tudo impera

C.J. Chivers

Em Tal Rifaat (Síria)

23/08/2012 06h00

Abdul Hakim Yasin, comandante de um grupo guerrilheiro antigovernamental na Síria, parou abruptamente sua caminhonete dentro de um complexo residencial capturado que ele usa como sua base de guerrilha.

Seus guerrilheiros estavam esperando por ordens para realizar um ataque de madrugada num checkpoint do exército na entrada de Aleppo, a maior cidade da Síria. Os homens já haviam recebido munição e feito suas orações. Seu caminhão-bomba estava quase preparado.

Mas o comandante teve uma surpresa. Minutos antes, seu pai, que havia sido preso pelo exército no mesmo checkpoint em julho, havia telefonado para dizer que seus captores o haviam libertado. Ele precisava de uma carona para fora de Aleppo, rápido.

“Deus é grande!”, gritaram os homens. Eles subiram nos caminhões, carregaram as armas e aceleraram para longe, em meio à escuridão, pelas ruas quase desertas em direção à cidade sitiada, para recuperar um dos seus.

Durante cinco dias na semana passada, Yasin e seu grupo, os Leões de Tawhid, permitiram que dois jornalistas do The New York Times morassem e viajassem a seu lado enquanto eles faziam sua parte na guerra para derrubar o presidente Bashar Assad.

Este grupo está sob o comando da Brigada Al Tawhid, uma estrutura relativamente nova na Província de Aleppo, que unificou vários grupos e luta sob a bandeira do Exército de Libertação da Síria, a coalizão pouco coesa de rebeldes armados.

Yasin, 37, era um contador de barba raspada antes da guerra. Ele vivia uma vida tranquila com sua mulher e dois filhos pequenos. Agora com a barba cheia e projetando uma calma estóica sob o fogo, ele foi endurecido pela guerra de maneiras que não podia nem imaginar.

Ele passeia pela região de Aleppo com dezenas de homens armados e camuflados, planejando ataques com outros comandantes, fugindo de ataques aéreos, encontrando-se com contrabandistas e fabricantes de bombas para conseguir mais armas, e revezando-se nas funções de linha de frente numa corajosa campanha urbana de rua em rua.

Seus guerrilheiros são uma amostra de um país em guerra consigo mesmo. Esses homens lutam lado a lado com um quadro de desertores do exército, que dizem que o governo ao qual antes serviam deve cair.

Os civis começaram com pedras e armas de fogo compradas para caçar. Sua primeira arma mais poderosa foi um estilingue gigante para coquetéis molotov e pequenas bombas feitas em casa. À medida que os soldados profissionais foram se juntando a eles, começaram a adquirir rifles de assalto, metralhadoras, foguetes e granadas. Eles agora controlam um veículo armado e dois tanques que foram capturados, e estão ansiosos para lutar, para destruir, a quase qualquer custo, o governo de Assad e suas forças melhor equipadas. Sua confiança coletiva de que vencerão tanto os une quanto faz com que acreditem que este é seu momento.

No início da semana, Abdul Hakim Yasin deixou a base dos rebeldes para ir a uma reunião sobre um ataque futuro a um checkpoint. Jamal Abu Houran, um soldado que desertou e acabou se tornando um dos sargentos mais confiáveis de Yasin, distribuiu armas e munição. Os guerrilheiros rezaram.

Yasin voltou correndo, buzinando sua camionete. Ele gritou que seu pai havia telefonado e disse que havia sido libertado inesperadamente da prisão. Eles precisavam correr para buscá-lo. Os homens comemoraram, subiram em suas camionetes e foram para o sul na direção de Aleppo.

Na caminhonete principal, Yasin tentou ligar várias vezes para um amigo que ele tinha mandado na frente com roupas civis num caminhão de carga vazio. Ele estava esperando alguma trapaça, e queria que o motorista principal garantisse que seu pai de fato fosse libertado e que não houvesse nenhuma armadilha. Então os guerrilheiros poderiam dirigir para lá.

Nos arredores da cidade, ele se aproximou de outro homem, que disse que estava com Jamal Yasin, dirigindo para o norte.

Por um momento, Yasin se pareceu mais com um filho do que com um comandante de guerrilha. Ele dirigiu em silêncio, enquanto assimilava a notícia.

Na escuridão da estrada abandonada, o outro caminhão se aproximou e parou. Jamal Yasin desceu. Tratava-se de um homem forte, de coluna ereta e cabeça raspada. Ele parecia não estar ferido.

Jamal Yasin disse que não havia sido torturado. Mas que a cela de prisão era tão minúscula e lotada que ele quase não dormiu.

Abdul Hakim Yasin admitiu estar preocupado.

“Eu tinha 99% de certeza de que era uma emboscada”, disse ele.

Seu pai ouviu e repreendeu o filho com gentileza.

“Você de fato acha que se fosse uma emboscada eu telefonaria para você?”, disse. “Mesmo que eles estivessem cortando minha garganta?”

“Pai, eu juro por Deus que estou sob uma pressão muito grande”, disse Abdul Hakim.

“Fique tranquilo, filho, não há estresse”, respondeu o pai.

Abdul Hakim Yasin deixou seu pai na casa de seu irmão em Tal Rifaat. Os guerrilheiros ficaram do lado de fora, felizes com o reencontro, gritando graças a Deus. Yasin sacou seu revólver e o esvaziou no céu noturno. Ele sorria.

“Vamos”, disse.

Houve um ataque planejado, um assalto que havia sido bastante discutido contra um checkpoint militar que permitiria que os rebeldes tivessem acesso fácil a Tal Rifaat.

O ataque começaria em breve, disse Yasin. Ele estava planejado para começar uma hora antes do amanhecer, quando ele esperava que a maior parte dos soldados do governo estivesse dormindo. Os guerrilheiros voltaram às orações, ou cochilaram um pouco.

Abu Hilal, prisioneiro do exército sírio que ficou sabendo que estava sendo usado como barganha, encostou-se na parede, observando.

Pouco antes de ir embora, ele foi deixado do lado de fora, vendado, e colocado no assento de trás de uma das caminhonetes.

Ele rapidamente passou por um buraco no muro de trás do complexo e se aproximou de um caminhão. Na caçamba, havia uma pilha de canos grossos embrulhados com explosivos caseiros. Fios elétricos saíam da parte de trás dos tubos, todos eles amarrados por um fio. Tratava-se de um caminhão-bomba, preparado para detonar por controle remoto.

Yasin revelou mais do seu plano. As garantias de que Hilal seria solto eram mentira. Os guerrilheiros queriam colocá-lo atrás do volante do caminhão-bomba perto do checkpoint e dizer para ele seguir em frente, para a troca de prisioneiros, e depois detonar a bomba e sinalizar o ataque.

Mas logo depois do sol nascer, os guerrilheiros voltaram. Eles chegaram lentamente, limpos e sem manchas de sangue.

Eles haviam chegado perto do checkpoint, disse. Tudo parecia perfeito para o ataque.

“Dissemos a Abu Hilal: 'vá, dirija naquela direção, seu pai está esperando por você lá, não faça nada ruim no futuro'”, disse Hakim. “E ele estava tão feliz, foi dirigindo.”

Abu Hilal parou o caminhão no checkpoint. Abdul Hakim Yasin apertou o botão do detonador remoto, pronto para o estrondo de mais de 295 quilos de explosivos. Seria o sinal para que seus guerrilheiros fossem adiante e conquistassem a área.

Nada aconteceu.

Ele apertou o botão novamente.

O caminhão não explodiu.

Yasin suspeitou que o checkpoint estivesse equipado com um aparelho que bloqueava o sinal.

Sentado em seu escritório, desapontado com o fracasso, surpreso de que sua própria família estava intacta. Ele estava exausto. Todos os que ele imaginava que morreriam – seu pai, seu prisioneiro, os soldados do checkpoint – estavam vivos.

“É o jogo do destino”, disse ele.

Poucas horas mais tarde, camuflados, Abdul Hakim Yasin liderou seus guerrilheiros até Aleppo. Sua missão no checkpoint havia acabado; eles estavam de volta às linhas de frente.

O comandante passou longe do checkpoint. Ele escolheu outra rota, mais longa, e foram com as caminhonetes espalhadas e em alta velocidade, para limitar a exposição aos ataques de jatos e helicópteros.

Uma vez dentro da cidade, as caminhonetes costuraram pelos bairros até chegar a uma série de prédios sob controle rebelde.

Lá, disseram, outra unidade rebelde havia feito uma emboscada contra um comboio do governo, parando veículos e prendendo vários soldados. Os guerrilheiros de Yasin estavam lá para ajudar os outros rebeldes e cortar uma das possíveis rotas de fuga dos soldados.

À medida que se aproximaram, tiros passaram por perto. O comboio retornou a um complexo industrial, e os guerrilheiros desceram das caminhonetes, estacionando-as perto dos depósitos, e saíram.

Yasin observava, sua silhueta formada em contraste com o brilho laranja do fogo. Seus inimigos, presos ali perto, lançaram bombas no complexo. Cada uma explodiu com um ruído destruidor. Ele não se sobressaltou.

Outro jato apareceu e circulou a área. Ele estava invisível no céu noturno praticamente seu lua; só o motor podia ser ouvido. Logo ele atacou, também, mergulhando na direção do complexo e atirando foguetes aos pares.

Ele se retirou, circulou, retornou, mergulhou e soltou mais foguetes. Eles atingiram o solo no final do complexo.

No clima de muitos conflitos, este pode ser visto como um encontro desproporcional e desfortunado. Os rebeldes não podiam ver o avião. Mesmo que pudessem, não tinham nada para lutar contra ele com eficácia. O piloto os atacou à vontade, auxiliado pelo brilho do incêndio do outro lado da rua, que iluminava os contornos do complexo onde os guerrilheiros estavam escondidos.

Mas enquanto os foguetes atacavam, os guerrilheiros Tawhid estavam distraídos. Eles esperavam que os soldados do governo que estavam perto aparecessem, certos de que seus inimigos estavam enfraquecendo uma noite após a outra, e sua revolta estava ganhando força.

Depois de cada explosão, Yasin, um contador que está levando uma vida e um papel designados a ele pela guerra, acionou seu rádio comunicador, e verificava o posicionamento de seus homens. Por toda a sua volta, eles se encolhiam na escuridão esfumaçada, com as armas prontas, esperando ordens ou mais ação contra um governo que eles já consideram morto.