Topo

Brasil sintetiza desafios do catolicismo e é laboratório para reverter seu declínio

Arcebispo de São Paulo, o brasileiro Odilo Scherer, 63, é um dos nomes de peso entre os cardeais com chances de suceder Bento 16 - Lacaz Ruiz/Folhapress
Arcebispo de São Paulo, o brasileiro Odilo Scherer, 63, é um dos nomes de peso entre os cardeais com chances de suceder Bento 16 Imagem: Lacaz Ruiz/Folhapress

Taylor Barnes, Jill Langlois e Laurie Goodstein

No Rio de Janeiro, São Paulo e Nova York

01/03/2013 06h00

Em uma nova megaigreja em São Paulo, um padre católico romano que era personal trainer antes de entrar para o clero canta músicas energicamente, como um astro de rock, diante de 25.000 fiéis. Outros padres brasileiros recorrem ao uso de chapéu de caubói e a cantar músicas country na missa ou escrever livros de autoajuda decorados com fotografias românticas na capa.

Se há um lugar que captura os desafios que o catolicismo enfrenta em torno do mundo é o Brasil, país com o maior número de católicos e uma espécie de laboratório para as estratégias da Igreja visando atrair os seguidores de volta ao rebanho.

Refletindo o cenário religioso cambiante que o sucessor do papa Bento 16 vai encontrar, o Brasil disputa com os Estados Unidos o título de nação com mais pentecostais , enquanto o monólito católico cede em meio a uma onda de igrejas protestantes evangélicas.

Apesar de a estátua icônica do Cristo reinar sobre a cidade do Rio de Janeiro, há uma profunda ansiedade entre alguns católicos sobre o futuro de sua fé, dada a crescente secularização e indiferença à religião. Apenas 65% dos brasileiros hoje se dizem católicos, uma grande queda em relação aos mais de 90% nos anos 70, de acordo com o censo de 2010. O declínio foi tão profundo e contínuo, especialmente no Rio de Janeiro, que um dos mais altos líderes católicos do Brasil, o cardeal Claudio Hummes, observou: “Nos perguntamos com ansiedade: quanto tempo o Brasil vai continuar sendo um país católico?”


Antes de Bento anunciar que ia deixar o papado no final do mês, ele era esperado em uma visita ao Rio de Janeiro em julho para o Dia Mundial da Juventude, uma reunião de milhões de jovens que visa fortalecer as novas gerações de católicos. Muitos dos fiéis do Brasil estavam esperando que a viagem representasse um novo foco do Vaticano na ameaça dupla da competição evangélica e do secularismo crescente.

Alguns aqui têm a esperança que o novo papa ainda visite o Rio no início de seu papado e muitos se sentem estimulados com o fato de dois brasileiros, o cardeal Joao Braz de Aviz e Odilo Scherer, o arcebispo de São Paulo, estarem entre os mencionados como possíveis candidatos a suceder Bento. Mas outros parecem resignados com o que chamam de uma combinação de negligência e condescendência do Vaticano.

“Acho que vão manter a mesma linha de Bento”, disse Silvia Fernandes, socióloga da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro que se especializa em catolicismo.

Fernandes disse que há grandes cisões dentro da Igreja no Brasil, entre bispos na Amazônia que se concentraram em direitos humanos, desmatamento ilegal e disputas indígenas e a liderança mais conservadora e tradicional católica no relativamente próspero sudeste do Brasil.

Depois, tem uma variedade de padres cantores, que pertencem à chamada Renovação Carismática Católica, um movimento que busca revigorar as missas com o tipo de animação que os paroquianos muitas vezes encontram em outras igrejas. Esses padres foram aceitos pelo Vaticano, mas com reservas.

O mais famoso dentre eles, o padre Marcelo Rossi, ex-personal trainer de 45 anos, vendeu mais de 12 milhões de CDs e celebrou uma missa em um estádio de futebol lotado com dezenas de milhares de fieis. Ainda assim, ele reclama que se sentiu “humilhado” durante a visita de Bento ao Brasil em 2007, quando os líderes católicos o impediram até de chegar perto do papa.

Em uma extensão das práticas carismáticas, alguns padres católicos agora fazem “missas de libertação”, que lembram os exorcismos grupais e recebem os congregantes que falam em línguas estranhas. Enquanto esses aspectos podem ser mal vistos por alguns no estabelecimento católico romano, o movimento carismático claramente atraiu muitos adoradores.

“Com este movimento, muitas pessoas estão voltando às igrejas”, disse Almir Belarmino, 53, técnico de uma companhia de esgoto e um dos 1.200 participantes em um retiro de Carnaval do movimento carismático.

“Por que não dançar no local onde a presença de Deus é tão grande?”, perguntou Berlamino. “A alegria e o entusiasmo fazem parte da adoração que fazemos”.

A mistura de práticas que os padres católicos estão fazendo em seus serviços não é uma novidade no Brasil. Muitas pessoas, por exemplo, dizem que são católicas quando praticam religiões derivadas da África, como o Candomblé, que funde as identidades dos santos católicos romanos com as deidades africanas. “A prática religiosa no Brasil muitas vezes é híbrida”, diz Stephen Selka, especialista nas religiões da diáspora africana da Universidade de Indiana.

Como será a escolha do novo papa

  • Veja todos os passos do conclave

  • Os diferentes tipos de vestimenta

  • Número de católicos no mundo


Ao mesmo tempo, igrejas evangélicas excepcionalmente bem sucedidas no Brasil estão exercendo mais influência. Com um influente bloco no Congresso, elas estão expandindo as operações para outras partes da América Latina e África e seus mais altos pregadores até recebem passaportes diplomáticos do Brasil, o que dá a eles um status similar a enviados do Vaticano.

Competindo com os padres carismáticos, os evangélicos estão construindo suas próprias megaigrejas. Em São Paulo, a Igreja Universal do Reino de Deus, uma organização pentecostal multinacional fundada no Brasil em 1977, está gastando US$ 200 milhões (em torno de R$ 400 milhões) para construir uma réplica do templo de Salomão para 10.000 pessoas.

Os cantores evangélicos também têm uma base gigantesca de fãs, como Aline Barros, cantora de gospel vencedora do Grammy que tem quase 1 milhão de seguidores no Twitter. Pregadores na televisão como Silas Malafaia, um líder pentecostal do Rio de Janeiro, tornaram-se proeminentes depois de criticarem com veemência defensores do aborto legalizado e dos direitos de homossexuais.

Contudo, apesar dos evangélicos terem se tornado mais poderosos no Brasil, uma nova mudança ameaça as igrejas de todos os matizes: o crescimento do secularismo. Andrew Chesnut, especialista em religiões latino-americanas da Universidade Commonwealth de Virgínia, disse que o segmento que mais cresce no cenário religioso do Brasil hoje é o das pessoas sem afiliação a qualquer igreja, compreendendo quase 15% da população.
 
Para um país que até recentemente, em 1980, tinha níveis baixíssimos de indivíduos se dizendo ateus, esse desdobramento aponta para grandes mudanças na sociedade. Agravando o problema para o Vaticano, muitas pessoas no Brasil que dizem ser católicas raramente vão à missa, e muitos católicos praticantes se dizem frustrados com as políticas do Vaticano.

Pela América Latina, números crescentes de pessoas dizem não ter afiliação religiosa, um fenômeno similar ao que aconteceu na Europa e nos EUA, mas um pouco menos pronunciado, diz Philip Jenkins, professor de história do Instituto de Estudos da Religião da Universidade Baylor. Um sinal disso, segundo os especialistas, é a queda drástica nos índices de fertilidade, que para a Igreja significa menos crianças para serem batizadas e crismadas, menos jovens candidatos para se tornarem padres e freiras e menos laços dos pais católicos com a Igreja.

O índice de fertilidade do Brasil, um dos mais baixos da América Latina, com cerca de 1,83 filhos por mulher, está abaixo do nível necessário para manter a população estável.

“Se eu fosse um cardeal brasileiro, estaria mais preocupado com o tamanho das famílias e com as taxas de natalidade, que são um presságio muito bom da secularização, do que com o pentecostalismo”, diz Jenkins.

Um folião no carnaval do Rio, Thiago Assis, 30, analista de sistemas que é católico, disse que ficou desapontado com as opiniões conservadoras de Bento e esperava que sua substituição pudesse levá-lo a se aproximar da Igreja, assim como outros brasileiros. “Há grandes expectativas que o próximo tenha posições mais liberais”, disse Assis enquanto descansava com um grupo de amigos na calçada em meio ao barulho da música de uma festa de rua. Ele acrescentou que era particularmente contra a postura da Igreja no uso de preservativos, que ele chamou de “uma questão de saúde”.