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Jihadistas e neonazistas têm mais em comum do que imaginamos

Robert Orell, um ex-neonazista, que se desradicalizou e agora participa da Exit, instituição que oferece ajuda a radicais que deixam o movimento, em Estocolmo - Pieter Ten Hoopen/The New York Times
Robert Orell, um ex-neonazista, que se desradicalizou e agora participa da Exit, instituição que oferece ajuda a radicais que deixam o movimento, em Estocolmo Imagem: Pieter Ten Hoopen/The New York Times

Katrin Bennhold

Em Londres (Inglaterra)

06/03/2015 06h00

Nascido e criado no arborizado oeste de Londres, Ibrahim Ahmed sempre torceu para o time de futebol local e ouvia o que chamava de "música branca". Mas na escola, ele era um "muçulmano" e foi ficando cada vez mais descontente com a sociedade britânica. Quando recrutadores o abordaram em uma mesquita 18 anos atrás e lhe disseram que poderia travar uma guerra santa "bem aqui em casa", ele prontamente concordou.

Na Suécia, Robert Orell estava lendo "Mein Kampf" (manifesto autobiográfico do líder nazista Adolf Hitler) e se preparando para sua própria guerra. Os imigrantes que praticavam bullying contra ele na escola agora estavam, na visão dele, praticando bullying contra sua cultura enquanto os políticos liberais apenas observavam. Ele fantasiava em invadir o Parlamento com uma das armas que seus amigos neonazistas escondiam na mata.

As ideologias que antes motivavam Ahmed e Orell dificilmente poderiam ser mais diferentes. Mas ao remover a ideologia, o que surge são duas histórias notavelmente semelhantes de radicalização, militância e, no caso desses dois homens, desradicalização.

Ambos tinham queixas que minavam sua autoestima e os deixavam furiosos. Ambos foram seduzidos por uma narrativa que os colocava no centro de uma causa maior e lhes oferecia o que mais desejavam: um senso de pertencer e um plano para agir em relação ao seu ressentimento.

Ambos posteriormente rejeitaram a violência, dissuadidos não pelas autoridades ou por parentes, mas por ex-extremistas como eles.

Os paralelos são instrutivos à medida que a Europa tenta se recuperar de dois ataques mortais em dois meses, ambos cometidos em nome do Islã. A ideologia religiosa exerce um papel central na radicalização de jovens europeus muçulmanos sendo atraídos para se juntar ao Estado Islâmico ou matar em nome do grupo em casa. Mas o processo psicológico por trás da radicalização é notavelmente universal, dizem especialistas em terrorismo.

"Nós somos tão seduzidos pela ideologia que deixamos de notar o fato de que os jihadistas e neonazistas têm muito em comum", disse John Horgan, autor de "The Psychology of Terrorism" e diretor do Centro para Estudos de Terrorismo e Segurança da Universidade de Massachusetts, em Lowell. "As semelhanças sobre como se engajam, se envolvem e desengajam no terrorismo superam em muito as diferenças."

Ibrahim Ahmed - Tom Jamieson/The New York Times - Tom Jamieson/The New York Times
Ibrahim Ahmed, que disse que se juntou a uma gangue muçulmana para defender-se, e também para fazer vingança por ter sido atacado por jovens brancos na escola, em Londres
Imagem: Tom Jamieson/The New York Times

A história longa e diversa da Europa de extremismo de direita e outras variedades de militância, do marxismo violento ao Exército Republicano Irlandês, torna o continente um rico laboratório para contraterrorismo e desradicalização.

Hoje, o sucesso no recrutamento por grupos como o Estado Islâmico é considerado a maior ameaça. Mas décadas de pesquisa, infiltração e reação a outros movimentos oferecem algumas lições em um momento em que os governos estão buscando por formas de combater a ameaça além do endurecimento da segurança, disseram analistas.

Uma lição, eles disseram, é que ex-extremistas têm um papel central a exercer na argumentação contra as tentações radicais. Eles têm uma credibilidade que os governos carecem.

"Nós precisamos substituir a fantasia pela realidade", disse Amy Thornton, do Departamento de Ciência Criminal e de Segurança da University College London. "Ex-extremistas têm um papel muito importante. Apenas eles podem dizer com credibilidade: a Síria não é um videogame, você pode acabar limpando latrinas, sendo babá na linha de frente; não é o que estão lhe prometendo."

Outra lição, dizem os especialistas, é que apenas refutar a propaganda extremista não basta. Esforços para estender a mão são mais eficazes, eles disseram, quando oferecem uma contranarrativa e alternativas palpáveis para a violência.

Um programa pioneiro na Dinamarca trata ex-combatentes não como terroristas potenciais, mas como jovens rebeldes. Observado atentamente pelas autoridades de toda a Europa, o programa envolve aconselhamento, ajuda na readmissão na escola e reuniões com os pais. Apesar de agora estar sendo aplicado a radicais islâmicos que voltam do Oriente Médio, ele foi inicialmente desenvolvido em 2007 para extremistas de direita.

Há limites para a disposição dos governos em empregar esses programas. Mas especialistas em radicalização dizem que o entendimento do processo pelo qual às pessoas se deixam seduzir pela brutalidade medieval de uma ideologia religiosa é vital para combatê-lo.

"Nós não conseguiremos nenhum progresso se continuarmos obcecados pela questão do 'por que' alguém se torna extremista", disse Horgan. "Um melhor ponto de partida é perguntar 'como'."

Orell, que estava tentando viver à altura dos ideais arianos ao abandonar o álcool e as drogas e malhar diariamente, se tornou desencantado por companheiros menos disciplinados. Quando um grupo de neonazistas foi preso por ligação com o assassinato de dois policiais suecos, Orell ficou atônito. Foi por volta dessa época que ele começou a conversar com um ex-militante, que se mudou para o interior com sua família.

"Foi bom conversar com alguém sem ser julgado", disse Orell. "Eu ainda era radical, mas estava ficando desiludido com o grupo."

O amigo o apresentou ao Exit, uma caridade que oferecia apoio a extremistas de direita que deixavam o movimento. Muitos assistentes sociais no Exit também são ex-extremistas. Eles escutavam, jogavam futebol com ele e, gradualmente, "acabaram com a visão radical".

No Reino Unido, Ahmed planejava lutar na Bósnia. Ele nunca prestou atenção quando sua família dizia que o Islã e a violência eram incompatíveis. Mas quando um pregador salafista que já tinha estado envolvido em violência de gangue lhe disse o mesmo em 1999, ele deu ouvidos.

"Ele disse que compartilhava minhas queixas, mas que a violência não era a forma de resolvê-las", disse Ahmed. "Ele disse: 'Eu entendo, eu já passei por isso'."

Essa é a mensagem que ele tenta passar aos adolescentes que aconselha, como um garoto de 16 anos que está tentado a ir para a Síria.

"Eu não o julgo", disse Ahmed. Se tivesse 16 anos hoje, ele acrescentou, ele próprio poderia estar tentado a ir para a Síria.