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Após 2 anos, vibração da maratona de Boston fica sobrecarregada pela memória das vítimas

Katharine Q. Seelye

Em Boston (EUA)

15/04/2015 17h46

Esta cidade, por muito tempo encolhida em si mesma, parece estar lentamente saindo de sua concha.

Depois do inverno mais nevoso já registrado, os últimos dos montes escuros de gelo estão finalmente recuando. O Jardim Público ainda está envolto em tons terrosos, mas brotos minúsculos já são visíveis nos galhos dos salgueiros. O gelo no rio Charles deu lugar às velas brancas.

Na Boylston Street, em um dos prenúncios mais certos da primavera, as estruturas de metal e arquibancadas estão sendo montadas para a linha de chegada da 119ª Maratona de Boston na segunda-feira (20), a mais antiga prova de rua anual do mundo. Assim como o primeiro jogo da temporada de beisebol em Fenway Park, que foi uma ensolarada ode à alegria nesta semana, a maratona é um rito de primavera. E neste ano, após um inverno horrível, os moradores de Boston estão mais desesperados que nunca para celebrar sua chegada.

Mas desde o atentado em 15 de abril de 2013, que matou três espectadores e feriu outras 264 pessoas, algumas delas gravemente, a maratona agora é um evento de duas camadas. É um momento para Boston desfrutar de uma prova com 1 milhão de espectadores na segunda-feira, mas nesta quarta ela homenageia as vítimas e sobreviventes do atentado, assim como os muitos médicos e enfermeiros que correram em ajuda a eles e salvaram inúmeras vidas.

"O 15 de abril passou a ser uma data que representa os valores mais profundos de nossa cidade", disse o prefeito Martin J. Walsh, enquanto anunciava uma nova tradição de encorajar as pessoas a realizarem atos aleatórios de gentileza e retribuir às suas comunidades nessa data. Ele pediu para que pessoas de todo o mundo se juntassem a Boston em um minuto de silêncio às 14h49 (horário local), quando a primeira bomba explodiu. Os sinos das igrejas soariam em seguida.

Os sobreviventes falam em seguir em frente, mas a maratona é cíclica, voltando a cada ano, as levando de volta de modo público a eventos que mudaram suas vidas para sempre e que algumas estão tentando esquecer.

Bill Richard, cujo filho de 8 anos, Martin, morreu no atentado, disse que preferia que seu filho tivesse morrido em um acidente de carro em uma noite qualquer, para que sua morte não tivesse sido tão pública.

"Martin morreu na maratona de Boston", ele disse ao "Boston Globe" no ano passado. "A maratona ocorrerá todo ano e será pública, quer gostemos ou não."

Neste ano, no segundo aniversário, a lembrança vem com uma camada adicional de complexidade. A maratona está ocorrendo em meio à realização do julgamento de Dzhokhar Tsarnaev, 21, um estudante universitário e imigrante russo deslocado, que foi condenado na semana passada por todos os 30 crimes de que foi acusado ligados ao atentado.

Para muitos moradores de Boston, o julgamento não apenas traz à tona o trauma daquele dia, como também arrasta a região para um debate sobre raiva, vingança e misericórdia –e sobre se Tsarnaev deve ser condenado à morte.

Da linha de chegada aos programas de rádio, das redes sociais às conversas em bares e escritórios, Boston está repleta de opiniões sobre a punição. As escolas daqui estão usando a ocasião como uma oportunidade de ensino.

A maioria das pessoas parece querer a opção que mais doeria a Tsarnaev, mas não conseguem decidir se isso seria prisão perpétua ou morte.

"Cortem a cabeça dele e acabem com isso", disse recentemente um ouvinte em um programa de rádio. Outro perguntou: "Matá-lo não o tornaria um mártir? Por que atender seu desejo?"

Outros se perguntam se a prisão seria uma "existência em clube de campo", enquanto uma emissora de TV local levou os telespectadores a uma visita à prisão de segurança supermáxima em Florence, Colorado, para onde Tsarnaev provavelmente iria em caso de pena de prisão perpétua. Também seria ali onde aguardaria pelas apelações em caso de pena de morte.

O julgamento está no momento em pausa, entre a fase de argumentação e a de decisão da sentença, dando à região o que alguns descrevem como uma "pausa para saúde mental" necessária. Ele será retomado na terça-feira (21), um dia após a maratona. E enquanto o inverno recua e partidas voltam a ser jogadas em Fenway, o alívio pleno poderá só vir quando o destino de Tsarnaev for decidido.

Em uma tentativa aberta de inflamar as paixões do júri, a promotoria, que está pedindo a pena de morte, exibiu os detalhes horríveis da morte de Martin Richard. Ela trouxe Bill Richard para contar aos jurados que, no caos da explosão, enquanto via a vida de seu filho escoando dele, percebeu que se não cuidasse rapidamente de sua filha Jane, na época com 7 anos, ela também poderia morrer.

A promotoria também fez o legista narrar em detalhes minuciosos o que a explosão fez ao corpo de Martin, centímetro por centímetro. Alguns jurados baixaram a cabeça e outros choraram abertamente.

A família Richard, como a de muitos sobreviventes, não disse publicamente qual resultado gostaria de ver. No tribunal, Bill Richard se concentrou no positivo. Apesar de ter perdido grande parte de sua audição na explosão, ele disse que ainda pode ouvir música e "ainda posso ouvir as belas vozes da milha família".

Ele teve essa chance na segunda-feira, quando o coral infantil da Paróquia de Santa Ana cantou o hino nacional na abertura da temporada em Fenway. À frente e no centro, usando sua camisa dos Red Sox, estava uma radiante Jane Richard, em pé em suas próteses, com a mão no coração.