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Carregando o que podem, colombianos fogem da repressão aos imigrantes na Venezuela

Soldados colombianos ajudam cidadão expulso a cruzar a fronteira com a venezuela - GEORGE CASTELLANOS/AFP
Soldados colombianos ajudam cidadão expulso a cruzar a fronteira com a venezuela Imagem: GEORGE CASTELLANOS/AFP

William Neuman

Em San Antonio Del Táchira (Venezuela)

29/08/2015 06h00

À noite e durante a madrugada, eles atravessam um rio com água até as coxas na Colômbia, com televisores, refrigeradores e outros pertences domésticos em suas costas. De dia, vigiados por soldados empunhando armas, eles fazem fila para cruzar uma antes movimentada ponte internacional agora sob bloqueio militar, puxando malas enquanto seus filhos carregam mochilas escolares.

Centenas de colombianos estão cruzando a fronteira, fugindo de uma repressão aos imigrantes iniciada pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

"É de cortar o coração", disse Handerles Suárez, um operário de construção de 25 anos, enquanto aguardava com sua esposa e filha recém-nascida ao entardecer para cruzar a Ponte Simón Bólivar para a Colômbia, seu país de origem. Ele disse que morou na Venezuela por 10 anos, mas agora, ao ver seus conterrâneos serem detidos e deportados, suas casas marcadas para demolição pelo governo, ele decidiu partir voluntariamente, em vez de correr o risco da incerteza de uma partida forçada.

"A Venezuela nos deu tudo", ele disse, com olhos cheios de lágrimas. "Foi como uma segunda mãe para nós."

Na última sexta-feira, Maduro ordenou que tropas fechassem a fronteira aqui, bloqueando pontes para quase todo o tráfego e comércio com a Colômbia. E declarou estado de emergência no trecho do território ao longo da fronteira, autorizando buscas sem mandado e impondo restrições a reuniões públicas ou protestos.

Ao mesmo tempo, os soldados nesta cidade de fronteira venezuelana deram início a buscas de casa em casa em uma vasta favela, checando documentos de identidade e detendo centenas de cidadãos colombianos, muitos deles vivendo na Venezuela há anos. Eles foram obrigados a ficar sentados em um campo de futebol de terra sob forte sol por horas, até serem enviados para a ponte e expulsos do país.

As autoridades disseram que mais de 1.000 pessoas foram deportadas.

Ao fechar a fronteira, Maduro disse estar respondendo a um episódio em que três soldados venezuelanos foram feridos a bala. Os detalhes permanecem nebulosos, mas Maduro disse que foi um ataque por um grupo paramilitar colombiano obedecendo a ordens de um ex-presidente colombiano, Álvaro Uribe, a quem ele descreve com frequência como sendo um inimigo que busca derrubar seu governo esquerdista.

Maduro disse que o fechamento da fronteira será por tempo indeterminado e planeja expandir o estado de emergência para outras partes do país.

Mas para analistas e aqueles pegos na repressão, o estado de emergência está ligado à crise política e econômica que toma a Venezuela, com políticos à procura de alguém para culpar.

Maduro diz que entre os imigrantes colombianos há contrabandistas que retiram do país bens muito necessários, agravando a escassez crônica; comerciantes do mercado negro, que provocam alta dos preços dos produtos na Venezuela, onde a inflação é elevada; e grupos paramilitares de direita, que Maduro acusa de buscarem atacar seu governo, sob ordens de seus inimigos em casa e no exterior.

Por ora, Maduro e os centenas de soldados que enviou estão se concentrando em uma grande favela que abraça o rio Táchira, que separa os dois países, uma área que ele diz ser um ninho de grupos paramilitares, bordéis, criminosos e contrabandistas.

Durante uma coletiva de imprensa televisionada nesta semana, ele prometeu demolir a favela.

"Nós vamos derrubar todas as casas ali, para que vocês saibam", disse Maduro. "Nenhuma casa permanecerá."

Os alertas provocaram desespero e revolta aqui no bairro, onde uma retroescavadora já começou a derrubar casas. Muitas pessoas disseram ser cidadãos trabalhadores venezuelanos ou colombianos com residência legal e perguntavam por que suas casas seriam demolidas.

"Eu não vejo nenhuma justificativa", disse Jairo Gómez, um venezuelano que é dono de um pequeno negócio de venda de empanados. Ele construiu uma casa aqui há 13 anos e agora teme que a perderá.

A popularidade de Maduro é extremamente baixa devido às dificuldades econômicas do país, que está se aproximando de uma eleição legislativa crucial em dezembro, na qual a oposição poderá obter a maioria pela primeira vez em anos.

Apesar do fechamento da fronteira e a expulsão dos imigrantes poder provocar algum sentimento nacionalista, ele pode sair pela culatra em um país onde muitos venezuelanos naturalizados votam e muitos outros eleitores possuem parentes na Colômbia.

"Éramos chavistas, mas nunca mais", disse Wilson Velazco, 32, coberto de pó devido à demolição e usando o termo para os seguidores do antecessor de Maduro, Hugo Chávez.

"Maduro é um palhaço, para não usar uma palavra mais ofensiva", ele disse. "Se Chávez estivesse vivo, ele nunca permitiria isso."

As ações aqui também provocaram forte condenação das autoridades colombianas. Na terça-feira, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, condenou o que chamou de maus-tratos aos colombianos deportados.

"Invadir casas, remover os habitantes à força, separar famílias, não permitir que levem seus poucos pertences e marcar suas casas para demolição, são ações totalmente inaceitáveis que lembram episódios amargos da humanidade que não deveriam se repetir", disse Santos.

Cada país há muito aponta para o outro em momentos de tensão interna. As relações chegaram a um ponto baixo quando o conservador Uribe e o esquerdista Chávez foram presidentes e travavam uma luta ideológica acalorada.

Uribe acusava Chávez de apoiar grupos guerrilheiros que lutavam contra o governo colombiano. As tensões diminuíram depois que Santos se tornou presidente em 2010 e a Venezuela ajudou a mediar negociações de paz entre a Colômbia e seu maior grupo rebelde.

Mas nesta semana o amargor voltou, e na quinta-feira ambos os países anunciaram que estavam chamando de volta seus embaixadores.

"Os problemas da Venezuela são causados na Venezuela, não na Colômbia", disse Santos.

Maduro, por sua vez, chamou Santos de mentiroso e o acusou de  negligente. "A Colômbia se transformou em uma exportadora de pobres, fugindo da miséria e da guerra", disse Maduro na quinta-feira.

O presidente venezuelano defendeu sua política na fronteira. "Não sou anticolombiano", ele disse nesta semana, acrescentando que 5,6 milhões de colombianos vivem na Venezuela, que tem uma população total de cerca de 30 milhões. "Nós amamos o povo colombiano."

Ele disse que se as casas de quaisquer pessoas inocentes forem destruídas, o governo lhes forneceria novos apartamentos, apesar de não ter oferecido detalhes específicos sobre como o governo determinaria quem era inocente ou quando receberiam um novo lar.

Maduro também rejeitou as comparações que seus críticos têm feito entre ele e Donald Trump, o candidato presidencial republicano americano cuja campanha está apoiada em parte na incitação do sentimento contra os imigrantes mexicanos nos Estados Unidos.

"Não tenho o penteado de Donald Trump, muito menos sua conta bancária e ainda menos sua ideologia", disse Maduro.

Mas desde o ano passado, Maduro e outras autoridades do governo têm cada vez mais investido contra os imigrantes colombianos, dizendo que devido ao contrabando e o mercado negro eles são responsáveis pelo aumento dos preços e da escassez de produtos aqui.

A Venezuela mergulhou em desordem econômica desde que Maduro foi eleito em 2013, após a morte de Chávez.

O governo parou de divulgar dados econômicos básicos, mas a maioria dos economistas estima que a inflação esteja acima de 100% ao ano e que a economia se encontra em profunda recessão, tudo agravado pela alta queda dos preços do petróleo, a única exportação importante do país. Muitos itens básicos estão em falta e longas filas nas lojas são comuns.

Do outro lado da fronteira, na cidade colombiana de Cúcuta, centenas de deportados foram amontoados em abrigos, e há longas filas nos postos de gasolina, causadas pela repentina ausência da gasolina contrabandeada.

Alguns deportados cruzaram furtivamente o rio de volta à noite, fazendo viagens de ida e volta para levar seus pertences. Alguns, incluindo aqueles que partiram voluntariamente, continuaram transportando seus pertences ao amanhecer, com policiais colombianos entrando na água cinzenta para ajudar.

Patricia Helves, 19, estava sentada na margem do rio cuidando de seu bebê de 11 meses.

Helvez, uma colombiana casada com um motorista de ônibus venezuelano, disse que cruzou o rio por temer que seria deportada se permanecesse. O marido dela trouxe os pertences da família.

"Eu não vou voltar", ela disse.