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Detenção violenta chama a atenção para a ação de policiais em escolas dos EUA

Richard Pérez Peña, Christine Hauser e Sheryl Gay Stolberg

30/10/2015 06h00

A violenta atuação de um policial contra uma garota rebelde de 16 anos em uma classe de colégio incendeia o debate sobre a proliferação dos policiais nas escolas e seu papel apropriado. Os policiais muitas vezes são solicitados a lidar com o mau comportamento de estudantes, função que costumava ser da responsabilidade de professores e administradores de escolas.

O confronto na segunda-feira (26) perto de Columbia, na Carolina do Sul, registrado em vídeos que logo foram vistos por milhões de pessoas, foi assustador. Mas hoje os choques físicos entre policiais e estudantes nas escolas não são mais tão raros. Apenas neste mês, as ações de policiais em campus geraram protestos em Round Rock, Texas, onde um policial colocou um estudante em uma chave de braço para conter uma briga, e em Pawtucket, Rhode Island, onde um policial derrubou um estudante no chão. Em agosto, um distrito escolar em Kentucky foi processado depois que um policial algemou crianças de 8 e 9 anos.

Desde o início dos anos 1990, milhares de sistemas escolares em todos os EUA colocaram policiais nas escolas, muitas vezes armados e de uniforme, quando muitas escolas adotaram políticas de "tolerância zero" ao mau comportamento. Isto produziu um aumento acentuado das detenções, especialmente por crimes menores, dando fichas criminais a estudantes que antes poderiam ter enfrentado uma simples retenção após as aulas.

No Texas, policiais muitas vezes emitem multas por mau comportamento que não é criminoso --para ofensores de até 4 anos, segundo o grupo sem fins lucrativos Texas Appleseed--, e os estudantes que deixam de comparecer ao tribunal juvenil ou pagar multas mais tarde descobrem que estão com mandados de prisão.

Mas apesar de os policiais e as detenções terem se tornado comuns, não há padrões geralmente aceitos de como eles devem ser treinados, usados, armados ou organizados. Ninguém sabe ao certo quantos são --a maioria dos especialistas estima entre 10 mil e 15 mil em todo o país.

Especialistas em segurança escolar dizem que o limite entre a segurança, a principal responsabilidade dos policiais, e disciplina, que os administradores e professores são responsáveis, tornou-se confuso. No caso da Carolina do Sul, uma aluna do Colégio Spring Valley desafiou o pedido de um professor para que parasse de usar o telefone na classe e recusou as ordens --primeiro do professor, depois de um administrador e finalmente de um vice-delegado de plantão na escola-- para que se levantasse e saísse da classe.

Na quarta-feira, o delegado Leon Lott, do condado de Richland, demitiu o vice, Ben Fields, dizendo que sua reação violou a política do departamento. A Divisão de Direitos Civis do Departamento de Justiça e o FBI (polícia federal dos EUA) o estão investigando. Nos vídeos, Fields, que é branco, é visto agarrando a garota, que é negra, e levantando-a parcialmente de sua cadeira. Ele a inclina para trás até que a carteira se vira sobre ela, derrubando-a ao chão, e então a arrasta até a frente da classe, tudo em poucos segundos.

Como Fields deveria ter agido é discutível, mas os especialistas em segurança escolar dizem que a melhor pergunta é se ele deveria ter-se envolvido.

Com frequência, os policiais escolares estão "usando ações repressivas para lidar com crianças, e isso não é muito bonito", disse Lisa Thurau, fundadora e diretora-executiva da Strategies for Youth (Estratégias para a juventude), uma organização de Cambridge, Massachusetts, que treina policiais escolares em todo o país. Chamar a polícia diminui a autoridade dos educadores, disse ela, e os policiais "não deveriam estar lidando com questões de telefone celular".

O delegado Lott parece concordar. As autoridades escolares "precisam compreender que, quando nos chamam, vamos tomar uma medida repressiva", disse ele em uma entrevista coletiva.

"Ele deveria ter sido chamado?", perguntou o delegado. "É algo que vamos ter de conversar com o distrito escolar. Talvez seja uma coisa que deveria ter sido resolvida pelo professor e o administrador da escola, sem chamar o policial."

Mas ele insistiu que a garota que se recusou a sair da sala, e outra que foi detida depois por tentar ajudar a primeira, mereciam ser presas. "Elas ainda precisam ser responsabilizadas por seus atos", disse ele.

Os policiais afirmaram na terça-feira que a primeira garota não se feriu seriamente. Mas na quarta-feira seu advogado declarou que ela estava com o braço engessado e que havia sofrido ferimentos no pescoço e nas costas.

A disciplina escolar já estava em um ponto difícil e delicado no Distrito Escolar 2 de Richland, que inclui Spring Valley. Alguns pais afirmaram que um grande número de estudantes são suspensos e que os estudantes negros são punidos de maneira desproporcional. No nível nacional, os estudantes negros e os deficientes têm muito maior probabilidade que seus pares de ser suspensos ou levados ao sistema legal por infrações nas escolas.

Especialistas dizem que os policiais que ajudam nas escolas muitas vezes têm um treinamento inadequado para lidar com adolescentes, reduzir tensões e manter um senso de proporção quando lidam com menores na ausência de um perigo imediato. Alguns advogados locais levantaram tais preocupações sobre o Distrito Escolar 2 de Richland e pediram que o grupo de Thurau interferisse. Mas ela disse que o Departamento de Polícia não respondeu a sua oferta na última primavera para treinar os policiais escolares.

A Associação Nacional de Policiais de Ajuda Escolar recomenda 40 horas de educação sobre como trabalhar nas escolas, e treinamento adicional para lidar com estudantes com necessidades especiais. Mo Canady, o diretor-executivo do grupo, disse que a Carolina do Sul foi um dos poucos Estados que não aceitou enviar seus policiais para os cursos da associação.

Não está claro quantas organizações seguem as diretrizes da associação. Alguns policiais de campus não recebem treinamento específico para trabalhar em escolas, enquanto em Boston eles devem fazer um curso de cem horas na Academia William Cloran, um centro de treinamento para profissionais de segurança, e depois passar em um exame especial administrado pelo Departamento de Polícia de Boston.

Canady disse que seu grupo treina policiais para primeiro "remover o público". "Eu pediria aos administradores da escola para por favor pedir desculpas aos outros estudantes e fazê-los sair para o corredor", disse ele, e então conversaria calmamente com a que restou. "Simplesmente perguntar à estudante o que há de errado, o que está acontecendo, como posso ajudá-la? Isso faz diferença. Muitas vezes eles apenas precisam de alguém que os escute."