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Cubanos contestam versão de pré-candidato nos EUA sobre luta de pai a favor de Castro

Histórico escolar de Rafael Cruz do ano de 1954, quando tinha cerca de 15 anos, em Matanzas (Cuba) - Lisette Poole/The New York Times
Histórico escolar de Rafael Cruz do ano de 1954, quando tinha cerca de 15 anos, em Matanzas (Cuba) Imagem: Lisette Poole/The New York Times

Jason Horowitz

Em Matanzas (Cuba)

11/11/2015 06h00

Desde que era menino, diz o senador americano Ted Cruz, tudo o que queria era “lutar pela liberdade” –um anseio que ele diz ter nascido enquanto ouvia as histórias de seu pai de luta como líder rebelde em Cuba, nos anos 50, atirando bombas incendiárias, contrabandeando armas e sobrevivendo a tortura.

Essas histórias, recontadas por Cruz e por seu pai, Rafael, cativam as plateias republicanas e dão poder emocional à mensagem que o senador pelo Texas transmite como candidato à indicação do partido à presidência.

Na narrativa deles, a experiência do pai em Cuba –quando o país foi conquistado pelo jovem e carismático Fidel Castro, apenas para vê-lo se transformar em um ditador comunista– se torna uma parábola para a visão de pesadelo do filho de excessos cometidos pelo governo sob o presidente Barack Obama.

Mas a narrativa da família que anima os discursos de Cruz, o desempenho nos debates e um autobiografia recentemente publicada, é cheia de detalhes fictícios, dizem cubanos contemporâneos de seu pai.

Rafael Cruz, 76 anos, lembra vividamente de um momento divisor de águas na batalha de 1956 em Santiago de Cuba, quando estava com um herói da revolução, Frank País, poucas horas antes de ser morto em combate.

Na verdade, País foi morto sete meses depois, em um local e modo diferentes.

Em entrevistas, os ex-companheiros e amigos de Rafael Cruz contestam a descrição deste de seu papel na resistência cubana. Ele foi um adolescente que escrevia nos muros e marchava nas ruas –não um líder rebelde que contrabandeava armas ou explodia prédios.



Leonor Arestuche, 79 anos, uma líder estudantil nos anos 50 que o governo Castro posteriormente contratou para verificar as supostas façanhas dos revolucionários veteranos, disse que existia um termo para pessoas como Cruz –“ojalateros” (algo como torcedores), ou “pessoas que desejavam e rezavam pela queda de Batista, mas que não agiam”.

Não há dúvida de que Rafael Cruz, que agora é um pastor e o representante de campanha mais popular e eficaz de seu filho, foi espancado em 1957 pelos agentes de Fulgencio Batista, o ditador cubano.

Um velho vizinho se lembra de soldados levando o jovem Rafael Cruz de 18 anos com o rosto ensanguentado em meados daquele ano. Rafael narra de forma pungente os soldados lhe espancando por três ou quatro dias, pisando na parte posterior de sua cabeça e quebrando seus dentes.

Uma foto no livro de seu filho o mostra com o nariz ferido e um artigo de 1959 no “The Daily Texan”, o jornal estudantil da Universidade do Texas, em Austin, que ele frequentou após fugir para os Estados Unidos, relatou que ele tinha perdido “metade dos dentes da arcada superior” nos espancamentos.

O motivo para Rafael Cruz ter sido preso, entretanto, é menos claro, e ele já deu explicações diferentes.

Em uma entrevista ao lado de seu filho em março, Rafael disse que tentou recrutar para a causa revolucionária alguém que revelou ser um informante que trabalhava para o regime de Batista.

O relato de 1959, entretanto, não mencionava nenhum informante; Rafael disse na época que as autoridades foram alertadas sobre seu envolvimento na resistência por outro homem, que só revelou o nome dele depois de ser espancado pelas forças de Batista e que o deixaram sangrando na mesma cela de Rafael.

Mario Martínez, que Rafael Cruz confirmou fazer parte de sua pequena célula revolucionária, disse não se recordar de Rafael ter sido preso por tentar recrutar alguém, mas sim que a causa da detenção de seu velho companheiro foi a posse de um revólver –um que Rafael nunca usou.

Martínez se recusou a ser entrevistado diretamente e respondeu às perguntas feitas pelo “The New York Times” sobre Cruz por meio de Arestuche. Segundo o relato de Martínez, ele e Cruz pertenciam à brigada jovem do Movimento 26 de Julho de Castro na cidade natal deles, Matanzas, mas fizeram pouco fora participar das marchas de protesto. Eles nunca fizeram uso de violência, ele disse.

A névoa de quase 60 anos pode turvar até mesmo as memórias mais claras e é possível que existam testemunhas que possam apoiar o relato de Rafael Cruz. Mas nenhum dos historiadores cubanos, ex-companheiros de Rafael em sua cidade natal ou veteranos da batalha de Santiago contatados pelo “Times” corroborou sua história.

Abordado em Marietta, Ohio, em 13 de outubro, entre o cortejo a doadores de campanha e um jantar republicano, Rafael não conseguiu apresentar o nome de nenhum participante na batalha de Santiago.

“Quero dizer, estávamos dispersos”, ele disse, acrescentando, “eu estava com outro sujeito em um pequeno café ou algo assim, e não me recordo do nome dele”.

Diferente de alguns outros candidatos presidenciais americanos, Ted Cruz permanece em grande parte desconhecido em Cuba e a maioria das pessoas entrevistadas para este artigo nunca ouviu falar dele. Mas a campanha de Cruz rejeitou aqueles que contestam a versão de Rafael Cruz dos eventos como sendo politicamente motivadas.

“Repetir as declarações de autoridades comunistas na Cuba de Castro, em relação a eventos de quase 60 anos atrás como sendo verdade, é jornalismo irresponsável e simplesmente sem base na verdade”, disse Catherine Frazier, uma porta-voz de campanha, em uma declaração. “Para os soldados de Batista que torturaram e prenderam o pastor Rafael Cruz, não havia dúvida.”