Topo

Novo presidente da Argentina age rapidamente para reanimar a economia

Mauricio Macri durante cerimônia de posse na Presidência da Argentina, na Casa Rosada - Juan Mabromata - 10.dez.2015/AFP
Mauricio Macri durante cerimônia de posse na Presidência da Argentina, na Casa Rosada Imagem: Juan Mabromata - 10.dez.2015/AFP

Jonathan Gilbert

Em Buenos Aires

29/12/2015 00h01

Mauricio Macri arrebatou a Presidência da Argentina no mês passado aproveitando-se do cansaço dos eleitores com o movimento político de esquerda que havia governado por mais de 12 anos. Em campanha com uma promessa de mudanças e prometendo unir facções antagônicas, enquanto de modo geral evitava as propostas políticas específicas, Macri conseguiu 51% dos votos.

Mas agora, com três semanas de seu mandato de quatro anos, as amplas reformas econômicas de Macri incomodam a Argentina, acentuando a divisão que ele queria superar e levando alguns argentinos a duvidar de se ele será uma mudança para melhor.

"Votaram nele para tirar o governo, mas não pensaram no que viria", disse Damián Raspa, 36, trabalhador em uma fábrica de eletrônicos em La Matanza, um bairro operário na grande Buenos Aires onde Macri perdeu para seu principal adversário na eleição, Daniel Scioli.

Raspa, que tem dois filhos e ganha cerca de US$ 615 por mês, disse que agora terá de esticar seu salário, porque o governo Macri desvalorizou o peso em quase 30% em meados de dezembro, de 9,8 pesos por dólar para mais de 13; depois a moeda se valorizou ligeiramente.

A desvalorização e o corte das taxas de exportação beneficiaram fazendeiros influentes nos pampas argentinos que especularam sobre essas medidas acumulando suas colheitas de grãos. Eles fecharam um acordo com o governo Macri de imediatamente vender bilhões de dólares em estoques de grãos, como soja, para reduzir a escassez de fundos no Banco Central.

Mas enquanto essas exportações agrícolas hoje são mais rentáveis para os fazendeiros, para pessoas como Raspa a desvalorização está desgastando os salários e alimentando aumentos de preços conforme as importações se tornam mais caras.

Reformas voltadas para o mercado

Em seus primeiros dias no cargo, Macri fez reformas rápidas, voltadas para o mercado, destinadas a revigorar a economia depois dos últimos anos de investimento e crescimento lentos.

Em contraste, sua antecessora, Cristina Kirchner, que teve duros choques com os agricultores, preferiu conduzir a demanda por meio de políticas como subsídios à energia para os consumidores.

Abrindo caminho para a desvalorização, Macri aboliu a maior parte dos controles de câmbio de Kirchner, uma medida impopular que havia impedido os investimentos estrangeiros porque as empresas não podiam repatriar seus lucros. Ele também deverá pôr fim a procedimentos burocráticos que impediam os industriais de importar equipamentos e peças necessários. Enquanto o governo tenta reduzir o maior deficit orçamentário em três décadas, Juan José Aranguren, o ministro da Energia, disse que os dispendiosos subsídios à energia serão revistos.

Muitos argentinos aprovam as mudanças. Daniel Álvarez, 57, que trabalha em uma loja de ferragens em La Matanza, disse que com Kirchner as precárias reservas estrangeiras do Banco Central sofreram uma hemorragia para sustentar o peso. "Eles não deixaram um centavo", disse Álvarez. "Tanto Macri quanto Scioli iam desvalorizar. Não havia outra opção para atrair dólares. Sim, beneficia diretamente os agricultores, mas a ideia é que indiretamente favoreça a nós."

Ao cortar as taxas de exportação para os fazendeiros --e industriais--, Macri quer aumentar os lucros das empresas; reduzir as restrições às importações fornecerá maior âmbito para reinvestir esses lucros, impelindo a produção e, posteriormente, o crescimento econômico, dizem seus assessores. Mario Blejer, um ex-presidente do Banco Central que foi assessor de Scioli, disse que Macri está no caminho certo. "Sem crescimento, a redistribuição de renda é impossível", disse Blejer. "E para crescer você precisa de investimentos."

Inflação é risco

Mas em curto prazo há o perigo de alimentar a inflação, que já está em cerca de 25%, segundo estimativas não oficiais frequentemente usadas porque os números do Instituto Nacional de Estatísticas não são confiáveis. Por outro lado, se os salários reais não se mantiverem, poderá haver batalhas entre o governo e poderosos líderes sindicais. Organizações políticas e sociais já estão em pânico com as medidas de Macri.

"Estamos muito irritados e preocupados", disse Juan Grabois, um advogado da Confederação de Trabalhadores da Economia Popular, que representa os trabalhadores da economia paralela da Argentina, como recicladores e camelôs. "Esta é a falsa teoria da economia que repercute nas camadas inferiores e só resultará na destruição do tecido social da Argentina."

Eduardo Levy Yeyati, professor de economia na Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires, e professor-visitante de políticas públicas na Escola de Governo Kennedy em Harvard, disse que Macri, que foi discreto sobre seus planos durante a campanha, agora enfrenta a dura tarefa política de implementá-los com ajustes, apesar de a economia, reforçada pelos gastos pré-eleitorais do governo, ter melhorado este ano.

"Há uma desconexão entre as percepções e a realidade econômica", disse Levy Yeyati, enfatizando a insustentabilidade de um grande deficit orçamentário e uma moeda supervalorizada. "É impossível explicar essas coisas ao público quando eles acham que estão se saindo bem."

Macri também deve seguir com cuidado, dizem analistas, por causa de sua pequena margem de vitória na eleição. Uma decisão de nomear temporariamente por decreto juízes da Suprema Corte, contornando o Congresso durante seu recesso de verão, foi criticada como um exagero do poder Executivo. Isto, juntamente com medidas para desmontar uma lei de mídia que é fortemente endossada pelos apoiadores de Kirchner, o deixou com menos espaço para medidas impopulares.

Macri agiu para esfriar as tensões econômicas ferventes, mantendo os programas de controle de preços de Kirchner por enquanto e oferecendo um pequeno pagamento único para cerca de 8 milhões de beneficiários de pensões estatais ou benefícios para crianças.

As repercussões já se fazem sentir. "São os trabalhadores que sempre pagam por essas crises", disse Raúl Lemos, 54, gerente de uma loja de tintas no centro da cidade, enquanto clicava por uma lista de preços online mostrando que o preço de alguns produtos subiu 25% do dia para a noite. "As vendas vão cair." Sergio Camerucci, 52, que fabrica e vende troféus para campeonatos esportivos, disse que o preço do plástico que usa para a base dos troféus aumentou 20% depois da desvalorização.

A maioria dos economistas espera que a desvalorização --e o aumento das taxas de juros para ancorar o peso-- resulte em um crescimento anêmico ou uma recessão em 2016, antes de uma recuperação em 2017, com possível crescimento de 3,5%, segundo Sebastián Vargas e Pilar Tavella, economistas do banco Barclays em Nova York. Este ano, o crescimento será de 0,4%, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional); outros economistas preveem que será maior.

Defensores de Macri parecem compreender essa progressão. "Os últimos 12 anos foram terríveis", disse Camerucci sobre o movimento político de Kirchner, apontando a queda de suas vendas nos últimos três anos e as restrições à importação, que dificultaram a compra das máquinas de que ele precisava. "Temos de ser pacientes, mas estamos no bom caminho."

Daniel Scatilazzi, 44, que vende tortas e sanduíches caseiros em uma barraca, disse que vai sofrer com as oscilações de preços, mas compreende os motivos de Macri. "Eu vou aguentar", disse o ex-eleitor de Kirchner que votou em Macri porque queria mudança. "Precisamos lhe dar tempo para trabalhar. Vamos ver em seis meses se dá algum fruto."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves