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Que tal alugar câmeras em uma estação espacial para monitorar fronteiras?

13.mai.2013 - Astronauta canadense Chris Hadfield grava primeiro videoclipe no espaço. A música é uma versão da canção "Space Oddity", do britânico David Bowie - Chris Hadfield/Nasa/AP
13.mai.2013 - Astronauta canadense Chris Hadfield grava primeiro videoclipe no espaço. A música é uma versão da canção "Space Oddity", do britânico David Bowie Imagem: Chris Hadfield/Nasa/AP

Danny Hakim*

Em Londres (Inglaterra)

27/01/2016 06h00

As duas câmeras ficam na parte russa da Estação Espacial Internacional. Seus nomes são Theia e Iris. E elas estão disponíveis para aluguel para "vigilância por vídeo a partir do espaço".

A estação espacial costuma ser vista como um laboratório de ciência multinacional flutuante, benigno. Um astronauta canadense gravou ali, de forma memorável, "Space Oddity", de David Bowie. Mais recentemente, o astronauta norte-americano Scott Kelly ajudou a cultivar zínias durante sua estadia de um ano, além de ter participado de uma entrevista divertida com Stephen Colbert neste mês.

Mas há mais na estação espacial do que astronautas tocando violão e colhendo flores.

O tráfego de e-mails recentemente divulgado pela Comissão Europeia revelou que uma empresa canadense apresentou uma ideia à agência de fronteiras da União Europeia, em dificuldades, para o uso de Theia e Iris para vigilância das fronteiras. A empresa, chamada UrtheCast, tem um acordo com a principal prestadora de serviços russa da estação espacial e opera as duas câmeras com a ajuda da agência espacial russa.

A solicitação da UrtheCast estava entre várias propostas de negócios feitas à agência de fronteiras da União Europeia, a Frontex, desde 2013, visando ajudar a Europa a controlar suas fronteiras cada vez mais porosas. As propostas variavam de mundanas a excêntricas. As empresas ofereceram drones, zepelins, balões e um dispositivo flutuante preso a um caminhão por uma corda.

A Airbus, uma gigante do setor militar, contatou a Frontex no ano passado a respeito do que chamava de "plataforma flutuante de vigilância de fronteira", que poderia ser usada para monitorar "as vias navegáveis, estuários e lagos". Uma empresa de Massachusetts (EUA) queria vender "um sistema de análise rápida de DNA para uso em campo", para gerar perfis de DNA "em 84 minutos". Uma terceira empresa disse que podia criar "algoritmos para prever travessias de fronteira".

Mas a ideia mais 'de outro mundo' foi apresentada pela UrtheCast. Suas câmeras, uma para vídeo e outra para fotos, podiam ser usadas para "detecção de atividades nas fronteiras", disse a UrtheCast em um e-mail à Frontex. A UrtheCast disse que suas câmeras ofereciam "uma capacidade sem precedente de vigilância integrada persistente a partir do espaço", assim como o que chamou de "levantamento da situação em certas regiões, instalações ou eventos".

A estação espacial foi criada para "propósitos pacíficos" em 1998 pelos Estados Unidos, Rússia, Canadá, Japão e pela Agência Espacial Europeia. Será que existe um satélite espião escondido dentro dela? A solicitação da UrtheCast apontou que as câmeras poderiam "ajudar a fornecer evidências confiáveis de certos eventos sem a invasão" do espaço aéreo dos países vizinhos com aviões ou drones.

A UrtheCast está longe de ser a única. Mais de 30 empresas estão envolvidas em projetos comerciais com a estação, mas geralmente envolvem pesquisa. A Merck estuda anticorpos, por exemplo, e uma subsidiária da Puma testa revestimentos para tacos de golfe.

Um porta-voz da Frontex disse que a agência não aceitou a oferta da UrtheCast, que foi feita em 2013, o ano em que as câmeras foram lançadas ao espaço a partir do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. Os cosmonautas as instalaram em janeiro do ano seguinte, apesar de nenhuma ter estado plenamente operacional por algum tempo.

Apesar de ter sido divulgado que a agência espacial russa retém todas as imagens obtidas da Rússia, um executivo da UrtheCast, Jeff Rath, não confirmou nem negou isso, em uma entrevista. Nem forneceu detalhes sobre seus clientes.

"Nós não falamos sobre nossos clientes", disse Rath. "Nós vendemos para governos e vendemos para empresas", ele disse, assim como para organizações não governamentais.

A Pepsi e a Heineken usaram imagens de vídeo da UrtheCast em comerciais. E a UrtheCast assinou um contrato de cinco anos, no valor de US$ 65 milhões, com um cliente cujo nome não foi revelado, segundo documentos de valores mobiliários canadenses.

Um de seus documentos mais recentes aponta que "muitos governos clientes" precisam de imagens por satélite "para supervisão e gestão, entre outras coisas, de recursos, migrações de animais e fronteiras nacionais". Vários clientes usam os serviços da UrtheCast para "monitorar mudanças ambientais, desastres naturais e conflitos humanos", dizem os documentos.

"Nós contamos com forte apoio de nossos parceiros na EEI, a Nasa e a Roscosmos", disse Rath, referindo-se às agências espaciais norte-americana e russa, respectivamente. "Nós contamos com apoio firme de ambas".

Daniel Huot, um porta-voz da Nasa, disse por e-mail que "a Nasa não teve nenhum envolvimento com a carga paga da UrtheCast (ela foi proposta e transportada pelos nossos colegas russos), de modo que teria que encaminhá-los à UrtheCast ou à Roscosmos".

A Roscosmos não respondeu aos pedidos de comentários.

A UrtheCast conta com uma subsidiária na Rússia, e o Sberbank, o banco estatal que é o maior banco russo, é proprietário de 1% das ações da UrtheCast, segundo a Morningstar, uma empresa de pesquisa de investimento. A Fidelity, uma firma de investimento com sede em Boston (EUA), é dona de quase 15%.

O campo de imagens por satélite é competitivo, já que a venda de imagens a partir do espaço não é mais incomum. Além de satélites espiões dedicados, há um crescente número de empresas com imagens para vender ou que oferecem suas câmeras para projetos específicos.

A DigitalGlobe, com sede no Colorado (EUA), diz que seus satélites "são capazes de coletar mais de um bilhão de quilômetros quadrados de imagens de qualidade por ano". A startup Planet Labs, da Califórnia (EUA), produz um grande número de satélites minúsculos que chama de pombos. O Google pagou US$ 500 milhões em 2014 pela compra da Skybox Imaging, uma provedora de imagens por satélite.

Há cerca de 1.400 satélites ativos, segundo a Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Interessados, em tradução livre), um grupo de defesa ambiental que monitora os satélites. Eles são usados para vários propósitos, como expor os efeitos da pirataria somali ou a revelação de terraplanagem ancestral no Cazaquistão.

"Esses satélites com imagens de alta definição antes eram de domínio exclusivo das grandes potências espaciais", disse Laura Grego, uma cientista sênior da Union of Concerned Scientists. Mas agora, Theia e Iris estão se tornando apenas curiosidades espaciais. "O setor de imagens por satélite está em grande fluxo", ela disse.

(*Claire Barthelemy, em Londres, contribuiu com pesquisa.)