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Opinião: E se Donald Trump mudasse de gênero e fosse mulher?

Donald Trump, empresário e pré-candidato republicano à Presidência dos EUA - Chris Keane/Reuters
Donald Trump, empresário e pré-candidato republicano à Presidência dos EUA Imagem: Chris Keane/Reuters

Frank Bruni

02/03/2016 06h00

Imagine, por um instante, a candidatura presidencial de uma rica e arrogante magnata dos imóveis e estrela da TV-realidade chamada Donna Trump.
Penteada de modo extravagante e com um bronzeado persistente, ela está no terceiro casamento. Há claras evidências de que a infidelidade foi um fator para o fim do primeiro, e um de seus filhos foi concebido quando Donna não era casada com o pai da criança.

Seus apetites sexuais são pródigos, pelo menos segundo suas frequentes afirmações e sua litania vulgar. E ela tem a tendência --perturbadora por si só, ainda mais em alguém que aspira à liderança cívica-- de falar sobre os homens como filés e costelas incrivelmente suculentos. Ela difama os que a desagradam sobre bases cosméticas.

"Fulano costumava ser nota 9, mas com aquela calvície precoce e penteado desesperado para ocultá-la, caiu para 6. Sicrano pensa que está escondendo aquela barriga com ternos largos, mas nós sabemos a verdade."

Como você acha que Donna se sairia nas pesquisas? Até onde ela sobreviveria na disputa?

A corrida pela Casa Branca em 2016 incluiu amplas análises críticas sobre gêneros e muita conversa sobre duplos critérios, mas a maioria, senão todas, coube a Hillary Clinton. Uma voz elevada e enfática é ouvida como algo mais áspero quando emana de uma mulher? A firmeza é percebida como mais perigosa quando o tom é feminino?

Mas, para um exemplo ainda mais óbvio e indiscutível de tratamento desigual, veja Donald Trump. Uma mulher que tivesse sua vida pessoal, seu comportamento em público e sua boca suja não duraria um nanossegundo em uma campanha política ou mesmo em uma sala de diretoria. Seu nome em uma linha de echarpes não teria o mesmo apelo comercial que o dele em uma linha de gravatas.

As opiniões morais, em particular as sexuais, que temos sobre homens e mulheres são totalmente injustas e desiguais. Esta temporada de primárias e as histórias de fundo que giram ao seu redor ilustraram isso novamente.

O comportamento sexual de Bill Clinton antes e durante sua Presidência voltou a surgir em conversas, e eu fui novamente atingido pela verdade de que uma mulher que recebesse tantas acusações de mau comportamento quanto ele recebeu jamais ganharia a Casa Branca.

E uma mulher que se comportasse como ele na Casa Branca não seria considerada capaz de dar um empurrão positivo na campanha presidencial de seu marido com aparições frequentes nos comícios. Ela teria sido escondida em algum porão, como um produto danificado, para sempre.

Não estou defendendo uma maior castidade para os homens. Defendo uma atitude mais justa e leniente para com as mulheres.

Estou comentando, como já fiz antes, o que a jornalista Peggy Orenstein explora profundamente e explica muito bem em seu novo livro, muito oportuno, "Girls and Sex" (Meninas e sexo), a ser publicado no próximo mês.

"Uma garota sexualmente atraente é uma 'piranha', enquanto um rapaz semelhante é um 'jogador'", escreve Orenstein, reconhecendo nisto uma dicotomia atemporal. "Hoje, porém, as garotas que se abstêm de sexo, que já foram vistas como 'boas meninas', também são humilhadas, rotuladas de 'virgens' (o que não é uma boa coisa) ou 'pudicas'."

Uma jovem deve ser uma Cachinhos Dourados sexual, encontrando um "ponto certo" entre animada e frígida. Um rapaz simplesmente se diverte.

O sucesso da campanha de Trump não diz nada de bom sobre nosso progresso na direção da igualdade de gêneros, não só porque ele se safa com coisas que uma mulher jamais conseguiria, mas porque ele prospera apesar da linguagem abertamente sexista e dos comentários que costumam objetificar as mulheres.

Estes foram devidamente anotados em vários compêndios, incluindo um especialmente inteligente de Andrew Kaczynski e Nathan McDermott em BuzzFeed, na semana passada. Eles escutaram horas de áudio das participações de Trump no programa de rádio de Howard Stern, ao longo dos anos, e desenterraram preciosidades, como sua bravata meses após a morte da princesa Diana de que provavelmente teria dormido com ela; sua nota de atratividade para o elenco de "Donas de Casa Desesperadas" ("Desperate Housewives", no original) em escala de 1 a 10; sua afirmação de que provavelmente não conseguiria ter uma ereção com Madonna; e sua declaração, depois de comprar o concurso Miss USA, de que queria "maiôs menores e saltos mais altos".

Exames mais sombrios de Trump e do sexismo, porém, foram superados por reflexões sobre suas diatribes contra, por exemplo, mexicanos e muçulmanos. Os comentaristas retorceram as mãos sobre como uma Presidência Trump poderia inflamar as tensões nas frentes racial e religiosa e que retrato intolerante dos EUA ela projetaria para o mundo.

Mas como uma Presidência Trump faria as mulheres deste país se sentirem? Ou como as bravatas sexuais de Trump diminuiriam a dignidade do cargo e do país?

As eleitoras mulheres não correram para ele na mesma porcentagem que os homens, segundo pesquisas de boca de urna das prévias e primárias até agora. E pesquisas nacionais sugerem que o Partido Republicano poderá ver uma ruinosa divisão de gêneros se Trump for nomeado seu candidato.

Em uma disputa hipotética entre Trump e Hillary, ela teria 54% do voto das mulheres contra 35% para ele, com o resto indo para outros ou ficando em cima do muro, segundo uma pesquisa da Fox News há menos de duas semanas. Essa vantagem de 19 pontos para a democrata seria maior que a que Barack Obama obteve em sua corrida em 2012 contra Mitt Romney (11 pontos) ou em sua disputa em 2008 contra John McCain (13).

E podemos supor que a lacuna não se relacione somente à atratividade de Hillary. Afinal, ela perdeu o voto feminino para Bernie Sanders em New Hampshire por 11 pontos.

Fazendo justiça a Trump, há momentos em que ele demonstrou algo mais que um mero interesse babão pelo sexo oposto. No debate republicano da semana passada, ele defendeu (um pouco) a Planned Parenthood [entidade de planejamento familiar] contra a vituperação geral de sua adversária, notando que "milhões e milhões de mulheres, com câncer cervical, câncer de seio, são ajudadas pela Planned Parenthood". (Não obstante, ele disse que cortaria qualquer verba federal para a entidade.)

Mas esses laivos de sensibilidade são eclipsados por coisas terríveis, como suas constantes referências à sua filha Ivanka como alguém que, em uma situação diferente, ele poderia namorar.

"Que beleza, aquela lá", disse ele a Paul Solotaroff, que fez um perfil de Trump para a revista "Rolling Stone" no ano passado. "Se eu não fosse feliz no casamento e, você sabe, pai dela..."

Agora coloque essas palavras na boca de uma Donna. "Que pedaço, aquele lá...", diz ela sobre um de seus filhos. "Se eu não fosse bem casada e, você sabe, mãe dele..."

Não ouviríamos o fim da história. No entanto, ainda não vimos o fim de Trump.