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5 anos após desastre nuclear, Fukushima ainda combate maré radioativa

A usina nuclear de Shimane, da Elétrica Chugoku, em Kashima (Japão) - Ko Sasaki/The New York Times
A usina nuclear de Shimane, da Elétrica Chugoku, em Kashima (Japão) Imagem: Ko Sasaki/The New York Times

Jonathan Soble

Em Tóquio (Japão)

12/03/2016 06h01

Dos milhares de pessoas que responderam a anúncios que pediam trabalhadores para Fukushima Daiichi, a usina de energia nuclear arrasada e radioativa no nordeste do Japão, o produtor de alfaces em tempo parcial e às vezes artista de quadrinhos Kazuto Tatsuta deve estar entre os menos prováveis.

"Eu precisava de um emprego", contou Tatsuta, 51, sobre a decisão que tomou em 2012 de aceitar o trabalho no local de um dos piores acidentes nucleares do mundo.

Suas tarefas incluíam soldar canos de água rompidos e inspecionar robôs com controle remoto que vigiam os pontos mais radioativos.

E seus quadrinhos, antes povoados por jogadores de beisebol e bandidos, hoje contam histórias sobre pessoas de meia idade como ele, que fazem o trabalho duro em Fukushima, alguns dos quais encontram um sentido de objetivo e de pertencimento que não tinham no mundo lá fora.

"É seguro. Você não vai ser demitido de lá", disse Tatsuta. "E também está trabalhando por um objetivo."

Cinco anos depois de um poderoso terremoto e um tsunami que causaram a fusão de três reatores em Fukushima, esse objetivo é o foco de um enorme esforço ao mesmo tempo precário e rotineiro. 

Um verniz de estabilidade na usina mascara uma batalha cotidiana e terrível para conter a radiação perigosa, que envolve um pequeno exército de trabalhadores, complexos desafios técnicos e questões de segurança problemáticas.

Fukushima tornou-se um lugar aonde os empregados chegam em ônibus da companhia e fazem compras em sua própria loja de conveniência, mas também onde lutam para controlar a água contaminada com radiação e lançá-la ao mar. Muitas das tarefas de limpeza mais difíceis e perigosas ainda estão pela frente, e decisões cruciais ainda não foram tomadas.

8.ago.2011 - Solo de pátio de escola contaminada por radiação é coberto por plástico, em Koriyama, Fukushima (Japão)  - Ko Sasaki/The New York Times  - Ko Sasaki/The New York Times
Solo de pátio de escola contaminada por radiação é coberto por plástico, em Koriyama, Fukushima
Imagem: Ko Sasaki/The New York Times

"Não há precedente ou um manual", disse Tatsujiro Suzuki, um ex-vice-presidente da Comissão de Energia Atômica do Japão que hoje é professor na Universidade de Nagasaki.

O esforço em Fukushima alcançou alguns marcos históricos. Cerca de 1.500 bastões de combustível usados foram retirados com sucesso de um tanque de armazenamento danificado no final de 2014, uma operação delicada e perigosa.

Grande parte dos detritos contaminados que restaram do tsunami e das explosões de hidrogênio foi eliminada, e os níveis gerais de radiação caíram. Os trabalhadores logo poderão entrar em algumas áreas da usina sem equipamento completo de proteção corporal.

Mas a limpeza completa do lugar --incluindo a extração de combustível de urânio fundido dos núcleos dos reatores danificados-- deverá demorar pelo menos 40 anos, segundo o organograma do governo, e um século, de acordo com outras estimativas. Enquanto isso, as autoridades reconhecem que Fukushima continua vulnerável.

"A pergunta é: existe um plano B para enfrentar outro grande terremoto ou tsunami?", disse Suzuki.

A duração da limpeza também cria o risco de falta de mão de obra, segundo ele, especialmente em tarefas que exigem habilidades especiais. A população do Japão está diminuindo e, com o futuro da energia nuclear incerto, muitos jovens não desejam apostar em carreiras nesse setor.

Por enquanto, Fukushima está fervendo com cerca de 7 mil trabalhadores, muito mais que antes do desastre e o dobro de dois anos atrás. A cidade de Iwaki, ao sul, tornou-se uma espécie de aldeia de operários.

Ao amanhecer, peruas e ônibus fazem fila para transportar os trabalhadores até a usina, passando por áreas com plataformas onde eles vestem trajes protetores brancos de Tyvek, monitores de radiação e máscaras antigás.

"Você pensa nisso como um trabalho totalmente normal", disse Tatsuta, que pediu para ser identificado só por seu nome artístico para não ser censurado pela proprietária da usina, a Tokyo Electric Power Co.

A água talvez seja o maior desafio em Fukushima. Os engenheiros devem fazê-la fluir pelos núcleos dos reatores danificados para evitar que o combustível fundido se aqueça demais, e depois por quilômetros de canos plásticos para reciclá-la no interior da usina.

Mas como os prédios estão danificados a água radioativa vaza e se acumula nos porões. Quando chove, mais água se infiltra.

Para evitar que se espalhe, a empresa bombeia cerca de 720 toneladas de água para fora dos porões todos os dias, estocando-a em enormes tanques que os trabalhadores estão construindo. 

14.jan.2014 - Vacas abandonadas no Rancho da Esperança em Namie (Japão) - Ko Sasaki/The New York Times - Ko Sasaki/The New York Times
Vacas abandonadas no Rancho da Esperança em Namie
Imagem: Ko Sasaki/The New York Times

Cerca de mil tanques já estão cheios. Mas como não há tanques suficientes a usina também libera 2 mil toneladas de água no oceano por semana, depois de um processo que remove a maior parte das partículas radioativas, mas não todas.

A Tokyo Electric diz que a água não representa perigo para as pessoas ou para a vida marinha, porque os níveis de radiação estão baixos e são ainda mais diluídos no oceano. Mas os ambientalistas estão preocupados, os pesqueiros próximos continuam fechados e é um pesadelo de má publicidade para o governo.

Depois há o problema do próprio combustível nuclear fundido. A Tokyo Electric descartou enterrar os edifícios em grossas camadas de concreto, como fizeram os soviéticos em Chernobil, porque ainda há muito material radioativo que poderia explodir no processo de enterramento ou queimar através do concreto ou para o solo.

Robôs começaram recentemente a mapear as áreas ao redor dos núcleos, que ainda estão perigosos demais para que os trabalhadores se aproximem.

Engenheiros tentam determinar se as rachaduras nos recipientes de contenção podem ser reparadas, o que lhes permitiria preencher os núcleos com água para garantir que o combustível continue submerso quando for extraído, reduzindo o risco de liberar radiação. O processo deverá levar décadas e custar bilhões de dólares.

Para os trabalhadores no local, a radiação é um inimigo constante --embora muitos a vejam mais como uma ameaça a seu sustento que a suas vidas. A regulamentação do governo proíbe que trabalhadores da limpeza se exponham demais à radiação, e quando eles atingem o limite correm o risco de ser demitidos ou remanejados para empregos que pagam menos.

"Se você passar dos limites de radiação, não poderá trabalhar", explicou Tatsuta. "Você está sempre calculando para manter uma dose baixa."

9.mar.2016 - Minoru Ikeda, que publicou um livro de memórias sobre o trabalho na usina de Fukushima Daiichi, exibe documento que monitora sua exposição à radiação, em Tóquio (Japão) - Ko Sasaki/The New York Times - Ko Sasaki/The New York Times
Minoru Ikeda, que publicou um livro de memórias sobre o trabalho na usina de Fukushima Daiichi, exibe documento que monitora sua exposição à radiação, em Tóquio
Imagem: Ko Sasaki/The New York Times

A tentação de mentir pode ser forte, para os trabalhadores e para seus gerentes. Um exame feito pelo governo das práticas de segurança da Tokyo Electric em 2013 descobriu que ela havia relatado exposição à radiação a menos para um terço dos funcionários cujos registros foram analisados. A companhia disse que desde então endureceu os procedimentos de controle.

Minoru Ikeda, 63, um trabalhador dos correios aposentado, disse que entrou na limpeza em 2013, apesar das objeções de sua mulher, por causa de um sentido de obrigação social e por curiosidade.

Ikeda ainda carrega um pequeno "livro de radiação", semelhante a uma caderneta de banco. Em 15 meses, segundo ele, foi exposto a 7,25 milisieverts, bem abaixo do limite regulatório, mas ainda alto o suficiente para que, se ele contrair câncer durante sua vida, tenha direito à indenização.

O último emprego de Ikeda em Fukushima envolveu a destruição de capas protetoras usadas. Dezenas de milhares delas foram compactadas em cubos para incineração, que ficaram grandes demais para o incinerador. Ikeda e sua equipe dividiram os cubos e reembalaram os trajes em pacotes menores.

"O trabalho não é difícil", disse ele, "se você não pensar na radiação."