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Cidade onde nasceu o Boko Haram tem cenas de esperança registradas por nigeriana

Fati Abubaka, nigeriana que tira fotos do dia a dia de Maiduguri - Jane Hahn/The New York Times
Fati Abubaka, nigeriana que tira fotos do dia a dia de Maiduguri Imagem: Jane Hahn/The New York Times

Dionne Searcey

Em Maiduguri (Nigéria)

03/07/2016 06h00

Sua cidade natal, local de nascimento do grupo extremista islâmico Boko Haram, está repleta de histórias tristes, mas Fati Abubakar perambula pelas ruas para encontrar as felizes. 

Nem sempre é fácil. 

Com uma câmera pendurada em seu ombro, Abubakar, 30 anos, documenta as pessoas de Maiduguri, uma agitada capital no nordeste da Nigéria, determinada a mostrar ao mundo que a vida continua, apesar dos anos de violência que mataram milhares de pessoas, muitas dentro dos limites da cidade. 

Inspirada por relatos no Instagram como @humansofny, que registra as vidas dos nova-iorquinos "uma história de cada vez", Abubakar tira retratos de vendedores, refugiados e estudantes, os postando no Instagram em @bitofborno, com citações ou legendas que as descrevem. 

O Boko Haram afetou de alguma forma quase todas as pessoas registradas por ela. 

"Quando dizem que há uma insurreição aqui, as pessoas presumem que não há nada além de morte e desespero", disse Abubakar. "Quero mudar essa imagem. Como você pode ver, a vida cotidiana prossegue." 

Em Maiduguri, ela se transformou em uma espécie de celebridade. Os membros da milícia de vigilância civil posicionada na cidade para protegê-la do Boko Haram cuidam dela, afastando as crianças que a cercam quando ela sai para realizar seu trabalho. 

17.jun.2016 - Fati Abubaka, nigeriana que tira fotos do dia a dia de sua cidade natal, Maiduguri, onde o Boko Haram iniciou seu domínio - Jane Hahn/The New York Times - Jane Hahn/The New York Times
Imagem: Jane Hahn/The New York Times

"Bits of Borno! Bits of Borno!" (pedaços de Borno) gritavam para ela neste mês um grupo de meninos que acompanham a conta dela no Instagram, enquanto ela passava por uma mesa de bilhar onde estavam reunidos. Fãs de terem suas fotos tiradas, eles ficaram felizes em atender a ela. 

Abubakar circula graciosamente pela lotada e caótica Feira de Segunda-Feira no meio da cidade, como se tivesse rodas em vez de pés sob seu longo vestido laranja e amarelo. Ali, carroças estão lotadas de cebolas, melancias, amendoins, barras de sabão e pipoca. 

Ela parou para tirar uma foto de um homem vendendo farinha em um carrinho de mão, com listras brancas em seu rosto e mãos. "Não recebemos nada do governo", ele se queixou. "Nada de água e nem eletricidade." O vento ganhou força e soprou parte de sua farinha. Abubakar seguiu em frente. 

Uma das pessoas fotografadas, Rhoda Yusuf, uma mulher de expressão impassível com brincos de argola de ouro, disse a Abubakar que se mudou para a cidade após fugir dos combatentes do Boko Haram que se aproximavam de sua aldeia. Ela trabalha de vez em quando como empregada, mas não ganha o suficiente para sobreviver. 

Abubakar conversou com a mulher e partiu. "Perguntei a ela se tinha algo mais a dizer fora seus problemas. Ela disse que não, nada mais." 

Ela fotografou dois meninos, ambos chamados Abba, usando enormes chapéus de palha. Então se agachou para conversar com um pedinte, um homem velho em uma túnica branca, sentado em uma ponte sobre um leito seco de rio coberto de lixo. 

Todas as histórias deles são anotadas por ela em letra cursiva em seu caderno, após fazer a mesma pergunta simples: como é a vida em Maiduguri? 

"Tudo é caro", disse Zanab Abubakar (sem parentesco com Fati), uma freguesa da feira que veio comprar comida para revender em outros lugares. 

Fati Abubakar tirou sua foto e suspirou, abaixando seu caderno. "Esse é o tema geral que você ouve", ela disse. "Mesmo quando está à procura de histórias felizes." 

 

Uma foto publicada por Yerwa (@bitsofborno) em

Geralmente, as histórias mais felizes são contadas pelas crianças. Assim @bitsofborno, nome que se deve a Maiduguri ser a capital do Estado de Borno, é repleto de fotos de crianças brincando em um balança, radiantes devido às roupas recém-doadas e abraçadas com amigos. 

Abubakar, uma mulher esguia com voz suave e pontos de vista aguçados, lembra da Maiduguri de sua infância como um lugar feliz, onde ela ia à escola, casamentos e festas com os vizinhos. "Era uma pequena cidade pitoresca e pacífica", ela disse. 

Mas entre meados e fim dos anos 2000, quando ela já tinha mais de 20 anos, a insurreição tomou Maiduguri. Um agitador chamado Mohammed Yusuf pregava em um dos bairros, com seus discursos condenando a educação ocidental se tornando cada vez mais radicais. Abubakar lembrou das mulheres começarem a se vestir de forma mais conservadora, com vestidos que iam até o chão. Os ensinamentos de Yusuf como os de um culto foram a gênese do Boko Haram. 

Vizinhos começaram a matar vizinhos. Filhos fugiam para se juntar aos militantes, enquanto outros filhos eram mortos pelo grupo. Tiros e explosões eram comuns por toda a cidade. 

Os soldados nigerianos responderam com força pesada, bombardeando o grupo e posteriormente expulsando grande parte do movimento em 2009. Yusuf, o fundador do grupo, foi morto sob custódia da polícia. Parecia que o Boko Haram tinha sido derrotado. 

Mas a insurreição estava longe de terminar. Os membros do Boko Haram fugiram para o interior de Maiduguri, que na época tinha cerca de 2 milhões de habitantes. Aldeões à procura de um lugar seguro devido ao grupo começaram a chegar, segundo algumas estimativas dobrando a população da cidade. Os recém-chegados desesperados acamparam em grandes grupos em hospitais e campi universitários, onde permanecem, vivendo na miséria. A cidade nunca mais seria a mesma. 

Agora, triciclos motorizados amarelos cruzam as faixas de trânsito; motos foram proibidas aqui após serem usadas em numerosos atentados suicidas. Rachas surgiram naquela que antes era uma comunidade tolerante. Um homem bebendo cerveja em uma noite quente recente, no Lake Chad Club, um bar privado e clube de tênis, declarou que todos os muçulmanos eram membros do Boko Haram. Moradores e até mesmo alguns trabalhadores de ajuda humanitária denunciam os reféns levados pelo Boko Haram como participantes voluntários da insurreição. 

E a ameaça de violência está por toda parte. Na segunda-feira, dois homens detonaram a si mesmos após lhes ser negada a entrada em uma mesquita, que aparentemente queriam atacar. No início de junho, dois homens usando coletes suicidas foram mortos a tiros antes que pudessem detonar suas bombas do lado de fora do banco central da cidade. E há não muito tempo, um homem-bomba foi bem-sucedido, em uma explosão mortífera em frente a um prédio do governo. 

Durante os momentos mais violentos da insurreição em Maiduguri, os pais de Abubakar (sua mãe é uma funcionária pública, seu pai um empresário), a enviaram para estudar em Londres. Enquanto estava lá, ela procurava obsessivamente por notícias. Ouvir o que as pessoas diziam sobre sua cidade natal a deixava deprimida. 

"Todo mundo se concentrava no trauma", ela disse. "Eles nos rotulavam como civis em estresse pós-traumático. Mas quando voltei para casa, vi que as pessoas estavam se recuperando." 

Abubakar queria mostrar a humanidade em Maiduguri quando voltou. Suas fotos contam histórias das difíceis jornadas de seus moradores, que saíram de suas aldeias à procura de segurança, e as dificuldades de viver na lotada Maiduguri, onde há poucos empregos. 

Mas muitas postagens são esperançosas. 

"Vivo em Maiduguri há 30 anos. Eu amo a cidade porque era pacífica antes da insurreição. Mas devido aos ataques, ela perdeu parte de sua natureza pacífica. Muitas pessoas foram mortas", diz uma longa legenda sob uma foto de uma mulher listada apenas como sra. Chidinma, retratada em seu vestido brilhante. "Mesmo assim, deixando a questão da insurreição por um minuto, nós amamos este lugar. Nós amamos as pessoas." 

Alguns moradores ficam confusos diante de Abubakar. Para começar, ela não é casada. em uma região onde as meninas casam na adolescência. E ela costuma caminhar pela cidade sozinha, um risco em uma área onde mulheres que parecem fora de lugar são suspeitas de ser mulheres-bomba. 

As mulheres mais velhas que a veem perambulando pela cidade com frequência a olham com reprovação, pensando que ela não tem emprego e nem ambição. 

"Elas acham que eu deveria estar casada e com filhos, que estou perambulando a esmo", disse Abubakar, que trabalha em um grupo de ajuda humanitária. Ela é formada em enfermagem e tem um diploma de saúde pública pela Universidade South Bank de Londres. 

Mas acima de tudo, as pessoas ficam desconcertadas diante da filha jovem muçulmana de Maiduguri que tira fotos. Jornalistas locais disseram que não lembram de nenhuma outra fotógrafa nigeriana no Estado de Borno, e de poucas em todo o país. 

Ao ganhar um público, o trabalho de Abubakar está começando a gerar ajuda às pessoas que ela fotografa. Alguns de seus seguidores nas últimas semanas enviaram doações em dinheiro e roupas para as pessoas cujas histórias ela conta. "Dá para ver algo de bom vindo disto", ela disse.

Nigéria vive entre o radicalismo do Boko Haram e o boom econômico

AFP