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Rio "nunca pareceu tão seguro". Mas e depois da Olimpíada?

Policiais patrulham região do estádio olímpico durante a Olimpíada - Doug Mills/The New York Times
Policiais patrulham região do estádio olímpico durante a Olimpíada Imagem: Doug Mills/The New York Times

Simon Romero e Andrew Jacobs*

No Rio de Janeiro

16/08/2016 12h03

O ministro da Educação de Portugal foi assaltado a ponta de faca. O chefe da segurança da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos também, ao deixar o estádio. Um policial foi morto quando seu veículo recebeu uma saraivada de balas, e um ônibus olímpico que levava jornalistas foi atacado por pessoas que atiraram pedras.

Mesmo antes do assalto neste fim de semana a quatro nadadores americanos, incluindo o medalhista de ouro Ryan Lochte, uma série de crimes tinha chamado a atenção para as falhas do Brasil ao oferecer segurança nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Mas para muitos nesta cidade exausta com a criminalidade permanece uma pergunta maior: o que acontecerá depois dos Jogos?

Para conter o crime em torno da Olimpíada, o Brasil mobilizou um aparelho gigantesco de segurança no Rio, duas vezes maior que o usado nos Jogos de Londres em 2012.

Sabendo da reputação do Rio pelos crimes violentos, os brasileiros mobilizaram 85 mil seguranças, incluindo 23 mil soldados que patrulham a cidade, alguns em veículos militares, além de helicópteros e navios de guerra que vigiam as praias mais populares da cidade.

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"O Rio nunca pareceu tão seguro", disse Gilberto Dias, 50, um vendedor de cachorro-quente que descreveu como policiais a paisana entraram em ação certa manhã da semana passada quando dois bandidos atacaram um turista no bairro rico de Copacabana. "Eles simplesmente surgiram do nada, algo que eu nunca tinha visto."

Mas mesmo antes do início dos Jogos, o Rio enfrentou nos últimos meses um surto de ilegalidade que abalou os moradores e as autoridades.

Com a economia em crise, os assaltos e roubos nas ruas saltaram 42% em maio, com 10.000 roubos naquele mês. E depois de anos de queda no número de homicídios os assassinatos aumentaram mais de 7% no primeiro semestre, com mais de 1.500 pessoas mortas.

Enquanto persiste o medo da violência nas ruas e as batalhas armadas assolam as favelas do Rio, alguns brasileiros se preocupam com o que acontecerá depois dos Jogos, quando os soldados forem removidos e a cidade ficar por conta própria para enfrentar a crise financeira.

O assalto ao atleta americano é o que acontece com a população do Rio todos os dias" Marcello Brito, 51, arquiteto, referindo-se a Lochte

As finanças do Rio estavam tão ruins antes dos Jogos que a cidade declarou estado de calamidade. As verbas tinham se esgotado, enquanto policiais e bombeiros protestavam contra atrasos nos pagamentos segurando placas no aeroporto que diziam aos visitantes "Bem-vindos ao inferno".$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-foto','/2016/protesto-policiais-galeao-1471358319097.vm')

O governo federal reagiu com um pacote de ajuda de US$ 850 milhões (cerca de R$ 3 bilhões) para salvar o Estado do Rio de Janeiro, pagar salários e manter os serviços essenciais em funcionamento durante a Olimpíada.

Mas a crise financeira do Rio, que depende fortemente dos preços globais do petróleo, continua, e os lapsos de segurança ameaçam minar as ambições de uma recuperação das fortunas da cidade.

As autoridades investiram bilhões de dólares em instalações esportivas, sistemas de trânsito e os chamados projetos de pacificação nas áreas urbanas pobres, afirmando que a Olimpíada serviria de esteio para a renovação da cidade. Nas semanas que antecederam os Jogos, o prefeito Eduardo Paes chegou a afirmar que o Rio seria "a cidade mais segura do mundo".

Muitos moradores aprovaram o reforço na segurança.

"É bom ver soldados patrulhando as ruas, pelo menos onde eu moro", disse Cassius Almada, 39, um professor colegial de matemática que vive em Copacabana. "Poderia ser muito pior."

Mas os que moram além da região de bairros abastados à beira-mar dizem que o aumento do esquema de segurança teve pouco efeito nas comunidades que há muito são perturbadas pela violência.

Cariocas contam como Olimpíada mudou rotina da cidade

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Maria do Rosário Silva Santos, 54, que é de Brasília e estava em visita ao Rio, disse que ficou surpresa ao ver rapazes -- não policiais -- ostentando armas casualmente em Acari, um bairro de trabalhadores na zona norte do Rio, onde ela se hospedou durante os Jogos.

"Foi chocante de ver", disse. "Até onde posso dizer, nada mudou."

Alguns especialistas em segurança enfatizaram que persistem riscos consideráveis em toda a cidade, especialmente nas favelas, áreas pobres que geralmente surgiram como invasões e ainda são controladas por bandos de traficantes de drogas. Devido à crise financeira do Rio, os planos de estabelecer uma rede de postos de polícia na Maré, uma das grandes áreas de favelas, foram por água abaixo.

Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania da Universidade Candido Mendes, no Rio, disse que foi ingenuidade esperar uma queda drástica da criminalidade durante os Jogos Olímpicos.

O governo pensou que um estalar de dedos traria a paz a uma cidade que viveu em tanta violência nos últimos anos. Não adianta nada ter essa demonstração de milhares de policiais extras a menos que você diga a cada atleta olímpico para caminhar pela rua com um policial a seu lado." Julita Lemgruber

A Olimpíada, disse Lemgruber, na verdade aumentou o derramamento de sangue --mas só nas enormes favelas, onde a polícia vem batalhando as milícias e os bandos de traficantes. No Complexo do Alemão, um grande grupo de favelas, a intensificação das batalhas desde o início dos Jogos deixou pelo menos dois moradores mortos e dois policiais feridos.

"As forças policiais estão invadindo as favelas todos os dias e matando pessoas, o que é revoltante", disse a estudiosa. "Como é possível trazer paz disseminando a violência?"

Héder Martins de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Praças (Anaspra), disse que a morte do policial no Rio na semana passada indicou os riscos que as forças de segurança enfrentam na cidade diariamente. Referindo-se à onda de assaltos armados durante os Jogos, ele afirmou: "A situação seria ainda pior, uma desgraça internacional, se a polícia dedicada não estivesse fazendo seu trabalho nesta época".

"É claro que há mais atenção para esses episódios, porque eles estão ocorrendo quando o mundo olha para o Rio", disse Oliveira. "Mas esse é um dilema que o Rio enfrenta diariamente."

Moradores de favelas reclamam de falta de acesso à Olimpíada

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* Colaboraram Paula Moura e Vinod Sreeharsha, do Rio de Janeiro, e Tania Franco, de São Paulo.