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Empreendedorismo e farsa sobre origem sueca marcaram imigração dos Trump nos EUA

Donald Trump e seu pai, Fred, em Nova York em janeiro de 1973 - Barton Silverman/The New York Times
Donald Trump e seu pai, Fred, em Nova York em janeiro de 1973 Imagem: Barton Silverman/The New York Times

Jason Horowitz

23/08/2016 06h00

No meio da noite, Friedrich Trump deixou sua casa em Kallstadt, uma cidadezinha bávara repleta de vinhedos e uma igreja luterana, rumo a uma cidade portuária no norte que servia como entrada da Alemanha para os Estados Unidos.

Alguns dias depois, no dia 7 de outubro de 1885, Friedrich, então com 16 anos, comprou uma passagem no setor mais barato do S.S. Eider, que seria o começo de uma vida aventureira como barbeiro, dono de restaurante, dono de bar, hoteleiro, empresário, garimpeiro da corrida do ouro, sobrevivente de acidente de navio e investidor imobiliário de Nova York.

Era uma história de imigrante que deixaria qualquer família orgulhosa. Mas, por décadas, os Trumps quase nunca falaram sobre isso.

O filho de Friedrich Trump, Fred, cresceu entre as duas guerras mundiais, um período marcado por ressentimento e até mesmo discriminação contra os alemães nos Estados Unidos.

Mais importante ainda era o fato de que ele estava vendendo suas propriedades para a crescente classe média judaica que começava a encher as antigas fazendas do centro do Brooklyn e do Queens.

Durante sua campanha presidencial, o filho de Fred, Donald, desdenhou dos sentimentos dos judeus, sobretudo com uma postagem no Twitter que trazia uma estrela de Davi e uma pilha de dinheiro. Mas por muitos anos, os Trumps fizeram o possível para evitar perturbar seus amigos e clientes judeus, enterrando sua identidade alemã.

A quem perguntasse, eles diziam que eram suecos.

"Ele pensava: 'Caramba, não vou conseguir vender essas casas se tiver todos esses judeu'", disse o primo de Donald Trump, John Walter, o historiador da família Trump, que trabalhou de perto com Fred e Donald.

E uma vez que começaram a se apresentar como suecos, eles não conseguiram mais parar.

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“Depois da guerra, ele ainda era sueco”, disse Walter. “Continuou falando isso direto.”

Até mesmo Trump, que não é conhecido por se acanhar em exagerar a realidade, questionava a necessidade de se fazer isso. De acordo com Walter, quando Trump estava trabalhando em seu best-seller “A Arte da Negociação” em meados dos anos 1980, ele perguntou a seu pai: “Preciso mesmo continuar com essa história de sueco?”

No livro, publicado em 1987, ele escreveu que a história de seu pai parecia “uma história de Horatio Alger”, e que seu avó “veio da Suécia para cá quando criança.”

Trump já teve de justificar a discrepância no passado, às vezes admitindo, às vezes não. Em uma entrevista dada a partir de seu escritório na Trump Tower, ele primeiramente alegou não saber que seu pai fingia ser sueco, dizendo: “Verdade? Não sei.” Mais tarde ele reconheceu que eles dois de vez em quando discutiam sobre o encobrimento de suas raízes, explicando que seu pai “não queria colocar pressão” sobre seus amigos judeus. 

“Foram tempos muito difíceis”, ele disse. “Nós temos uma guerra, estamos lutando uma guerra contra a Alemanha”, dizia Trump, que nasceu um ano depois do fim da Segunda Guerra Mundial. 

20.ago.2016 - O candidato republicano Donald Trump durante campanha em Fredericksburg, Virginia, EUA - Carlo Allegri/ Reuters - Carlo Allegri/ Reuters
Donald Trump durante campanha em Fredericksburg, Virginia
Imagem: Carlo Allegri/ Reuters

A história da família de Trump foi narrada por Walter em uma entrevista e também foi tema de “Os Trumps: Três Gerações de Construtores e um Candidato à Presidência”, uma biografia da família escrita por Gwenda Blair. É o tipo de história que ecoa a esperança e as agruras de muitos imigrantes até hoje, e uma que muitos políticos já apregoaram para melhorar sua imagem.

Embora um pilar da campanha de Trump seja conter o fluxo de imigrantes que entram ilegalmente em um país e deportá-los em massa, ele muitas vezes mostra seu apoio à imigração legal. E sua vida pessoal foi repleta de imigrantes.

Sua mãe, Mary Anne Trump (nome de solteira: Macleod), emigrou da ilha escocesa de Lewis aos 18 anos de idade, e duas das três mulheres de Trump nasceram no exterior. Na entrevista, ele até disse por engano que seu pai era um imigrante que “veio para cá aos 5 anos de idade.”

Embora o avó alemão de Trump tivesse vindo e ficado legalmente nos Estados Unidos, ele não tinha muita escolha senão permanecer: os alemães se recusavam a restituir sua cidadania quando ele tentou voltar para sua cidade natal.

“Bem, ele queria vir para este país”, disse Trump com irritação. “E, no final, ele adorava este país.”

Ao chegar a Nova York em 1885, Friedrich Trump foi morar com sua irmã mais velha, que havia deixado Kallstadt alguns anos antes, e seu marido na Rua Forsyth número 76, no que é hoje o Lower East Side de Manhattan. Ele trabalhou como barbeiro, uma profissão que aprendeu na Alemanha depois que seu pai, um viticultor, morreu deixando a família em apuros financeiros.

Trump e a família de sua irmã logo se mudaram mais para o norte da cidade na Rua 17, e então para a Rua 104 no East Side, uma região repleta do dialeto e do vinho de sua cidade natal.

Mas Friedrich queria mais. Aos 22 anos de idade, ele se mudou para Seattle, abriu e depois vendeu um restaurante e então, com um pouco mais de dinheiro que recebeu de sua mãe, comprou a primeira propriedade dos Trumps: um imóvel perto de Monte Cristo, uma cidade que crescia por causa da mineração. Ele se apropriou de mais terras para prospectar ouro e construir hotéis para garimpeiros.

“Ele era uma pessoa muito empreendedora”, disse Trump. 

Quando chegou o final de 1896, aos 27 anos de idade, ele havia se tornado juiz de paz e abriu novos restaurantes que prosperavam à medida que choviam garimpeiros de Seattle para o Klondike e para o Alasca.

A febre do ouro também pegou Friedrich Trump, mas a caminho para o Yukon ele abriu o popular New Arctic Restaurant and Hotel e o White Horse, que de acordo com o livro de Blair tinha prostitutas além de comida e bebida.

(“Tudo mentira”, disse Trump, que não gostou do livro. “Tem tantas histórias mentirosas.”)

Em 1898, ele e outros prospectores compraram uma escuna e velejaram na direção do Rio Yukon, mas encalharam na Ilha Chirikof no Golfo do Alasca. Por mais de um mês, o grupo viveu das provisões que havia no barco, e Friedrich começou a escrever uma carta de despedida em alemão para sua família. Ela terminava abruptamente: “Temos esperanças de que o governo dos Estados Unidos agora...”

Ele e os outros passageiros foram resgatados por um bergantim a vapor que passava.

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Quatro anos depois, ele voltou para a Alemanha e se casou com uma ex-vizinha, Elizabeth Christ, filha de um funileiro, “em uma adorável igreja luterana em Kallstadt”, de acordo com Karen T. Ingraham, uma das netas. Ele convenceu Elizabeth a se mudar para os Estados Unidos, vendeu suas propriedades no Oeste e investiu em terrenos vazios no Queens.

Em 1904, ele voltou para Kallstadt com sua mulher que sentia saudades de casa, mas as autoridades alemãs barraram sua entrada, por entenderem sua ausência como uma tentativa deliberada de escapar do serviço militar. Ele protestou, declarando que “Era minha intenção permanecer nos Estados Unidos para sempre”, de acordo com o livro de Blair.

“Somos alemães leais e apoiamos o grande Kaiser e o poderoso Reich alemão”, ele insistiu.

Mas o poderoso Reich alemão se recusou a lhe restituir a cidadania.

Infeliz, Friedrich e sua mulher, grávida de cinco meses de Frederick Christ Trump, pai de Donald Trump, voltaram para Nova York em 1905. Friedrich alugou um espaço para uma barbearia em Wall Street, tentou novamente voltar para a Alemanha, mas no final se estabeleceu em Woodhaven, um bairro alemão do Queens.

Em maio de 1918, Friedrich, com seu grande bigode e sobrancelhas espessas, juntamente com Fred, com seu cabelo loiro engomadinho, estavam andando junto às lojas alemãs da Avenida Jamaica quando Friedrich disse que não estava se sentindo bem.

“Então ele morreu”, contou Fred Trump em uma entrevista para o livro de Blair. “Assim, simplesmente.”

Fred Trump cresceu em um país que desconfiava de alemães, especialmente jovens homens alemães, temendo uma sabotagem que levasse a leis que os barrassem de embarcar em navios e até mesmo de entrar em determinadas cidades. Alguns vendedores de chucrute tentaram rebatizar o produto de “repolho da liberdade”.

E foi assim que os Trumps se tornaram, discretamente, suecos.