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Governo cria dança para promover valores socialistas entre chineses

Pessoas dançam em parque de Chengdu, China - Lam Yik Fei/The New York Times
Pessoas dançam em parque de Chengdu, China Imagem: Lam Yik Fei/The New York Times

Kiki Zhao

Em Pequim

05/09/2016 06h01

Os 12 "valores fundamentais do socialismo" são memorizados por alunos de primeiro grau, aparecem em exames de admissão de faculdade, estão estampados em selos e lanternas e espalhados por muros de toda a China. Agora eles entraram em 20 coreografias de dança que as autoridades da província de Hunan pretendem promover para os milhões de "dançarinos de praça" do país, em sua maior parte mulheres de meia idade e idosas que se reúnem em praças públicas para dançarem juntas.

Em uma entrevista para a imprensa que lançou a campanha na terça-feira (30), uma dezena de mulheres vestidas de calça branca e túnica amarela pulavam e rodopiavam ao som de uma das músicas: "Liberdade, igualdade, ajudar um ao outro! Patriotismo, dedicação, todos adoram!"

Liberdade, igualdade, patriotismo e dedicação são quatro dos valores consagrados em 2012, no 18º Congresso do Partido Comunista. Os outros valores do conjunto de 12, que são escritos usando 24 caracteres chineses, são prosperidade, democracia, civilidade, harmonia, justiça e estado de direito, integridade e amizade.

"Isso é para disseminar nossos valores socialistas fundamentais de uma forma que o público adora ver e ouvir", diz Li Hui, diretor do Departamento de Cultura de Hunan, de acordo com a televisão local. "Com essa alegre melodia, os 24 caracteres são memorizados."

O departamento treinou 15 mil professores que instruirão as pessoas nas escolas, nas fábricas, nas empresas e em comunidades urbanas e rurais a executar as coreografias, intituladas de forma coletiva como "Let’s All Dance" ("vamos todos dançar"). As autoridades de Hunan também pretendem convidar professores de outras províncias para aprender as danças.

Tang Zuobin, um oficial do Departamento de Cultura de Hunan, disse em uma entrevista por telefone na quinta-feira (1º) que a província estava preparando 10 mil manuais acompanhados de vídeos das danças para serem distribuídos por toda a China. Ele diz que o departamento havia assumido o projeto sob direção do Ministério da Cultura.

Tang diz que a popularidade das danças coreografadas as torna um veículo ideal para a propagação dos valores fundamentais do socialismo.

30.jun.2016 - Grupo dança em parque em Chengdu, China - Lam Yik Fei/The New York Times - Lam Yik Fei/The New York Times
"Vamos cantar. Vamos pular", diz a letra de uma das músicas
Imagem: Lam Yik Fei/The New York Times

Em Hunan, ele disse: "Enquanto houver uma praça, haverá danças na praça. Muita gente participa de danças de praça e queremos lhes dar mais oportunidades para dançar."

Lei Tao, gerente do Hunan Dama Club ("dama" significa algo como "tiazinhas"), diz que seu grupo, que tem cerca de 20 mil membros, em sua esmagadora maioria mulheres com idades entre 45 e 70 anos, ouviu falar sobre o projeto e pretende começar a praticar as coreografias em breve.

Mas nem todos na China abraçaram a ideia, seja da dança na praça, seja dos valores fundamentais do socialismo.

Há muito tempo que se têm ouvido reclamações na China sobre o barulho da música dessas danças perto da casa das pessoas. Em 2014, residentes de Wenzhou, na província de Zhejiang, trouxeram seu próprio sistema de som para alertar os dançarinos sobre a violação às leis da poluição sonora.

"É tão cansativo ser chinês, quando uma dança precisa demonstrar os valores fundamentais do socialismo", escreveu uma pessoa identificada como Shanapu no Weibo. "Será que precisamos demonstrá-los quando vamos ao banheiro também?"

Muitos outros comentaristas de internet zombaram das coreografias dizendo que elas eram uma espécie de "dança da lealdade", apresentada durante a Revolução Cultural para demonstrar fidelidade a Mao Tsé-tung.

Em um encontro de alto nível no começo de 2014, o presidente Xi Jinping pediu para que os oficiais aproveitassem cada oportunidade de propagar os valores fundamentais socialistas na cultura, na educação e em outros aspectos da sociedade. "Torná-los onipresentes como o ar", disse Xi.

Alguns críticos veem uma contradição em promover valores tais como a democracia e o estado de direito em um momento em que jornalistas, ativistas de direitos e advogados estão sendo presos e, em alguns casos, forçados a fazer confissões televisionadas sem um julgamento.

Mas tais preocupações não parecem ter entrado na campanha da dança na praça.

"Vamos cantar. Vamos pular", diz a letra de uma das músicas. "Todos nós gostamos de prosperidade e de democracia! Esta é uma diversão com justiça e estado de direito!"

Relembre: 2011 - nostalgia das músicas da era Mao Tsé-tung

New York Times