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Do colo de uma escrava à escolha do presidente dos EUA: a história de uma eleitora de 93 anos

Hazel Ingram trabalha limpando escritórios em Manhattan, Nova York - Alex Wroblewski/The New York Times
Hazel Ingram trabalha limpando escritórios em Manhattan, Nova York Imagem: Alex Wroblewski/The New York Times

Jim Dwyer

Em Nova York (EUA)

18/09/2016 06h00

Hazel Ingram já viu muitas vezes Donald Trump, pois limpa os mesmos escritórios à noite no centro de Manhattan há 61 anos, a metade desse tempo no mesmo quarteirão de um dos edifícios que Trump batizou com seu nome. Ingram, 93, ainda trabalha 40 horas por semana. Na quinta-feira (15), enquanto Trump, o candidato republicano a presidente, fazia um discurso sobre desenvolvimento econômico, Ingram estava sentada em um pátio público ao lado da Trump Tower, falando sobre sua vida.

Nascida em 1923, ela cresceu em uma fazenda na Geórgia, e quando menina vivia no colo de sua avó, que nasceu na escravidão e viveu 108 anos. Neste ano, Ingram foi escolhida pelo Partido das Famílias Trabalhadoras para ser uma eleitora que dará um dos 29 votos do Estado de Nova York no Colégio Eleitoral. A Constituição exige que o presidente seja escolhido por um Colégio Eleitoral de 538 membros; quem obtiver 270 votos vence.

Ela está decidida a dar seus votos, em uma cabine de votação no Brooklyn e como membro do Colégio Eleitoral, à candidata democrata, Hillary Clinton. "Primeira-dama, senadora, secretária de Estado --eu diria que ela está preparada", disse Ingram. Ela já trabalhava fazendo faxinas na Madison Avenue e na 56th Street há três décadas, quando Trump construiu uma torre de vidro a um quarteirão. Não se comoveu com ela ou com ele.

"O que ele sabe sobre ser presidente?", indagou Ingram. "Ele bagunçou a cabeça de todo mundo. Como você pode falar sobre seres humanos do jeito que ele fala e depois pedir que votem em você?"

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AFP

Em 1940, 75 anos depois do fim da Guerra Civil, apenas 3% dos eleitores afro-americanos no sul estavam registrados para votar. A cidadania plena era um fantasma. Ingram não votou na Geórgia, e até onde se lembra nem sua mãe, seu pai ou sua avó. "Eles não podiam", disse ela. A maior preocupação de seu pai era plantar algodão e amendoim suficientes para pagar o aluguel.

Aos 20 anos ela se mudou para Nova York e morou com uma família amiga da Geórgia. Conseguiu seu primeiro emprego em uma ou duas semanas. Durante 50 anos, trabalhou de dia em uma fábrica de calçados para mulheres em Greenpoint, no Brooklyn, e ao mesmo tempo fez faxinas à noite em Manhattan, enquanto pegava bicos no fim de semana com pessoas que lhe pediam. Ela se casou e teve seis filhos, que lhe deram 19 netos, seguidos por "mais de 40 bisnetos" e alguns trinetos --6 ou 7, acredita.

"Não fui ao médico durante 37 anos, até que caí no Caldor's", contou Ingram. "Alguém tinha derramado água. Eu realmente não precisava, mas eles me levaram."

Indagada sobre o segredo de uma vida longa e plena, ela riu, depois explicou sua dieta. "Eu comia legumes frescos na fazenda e ainda como --couve e feijão-de-vaca, pão de milho, frango assado", disse ela. "E costeletas de porco. Porco de manhã, ao meio-dia e à noite."

Ingram entrou para um sindicato que representava faxineiros de escritório nos anos 1950. "Eu seguia o sindicato na política", disse. Levando seus filhos, ela bateu nas portas pedindo votos para John F. Kennedy e depois para Shirley Chisholm, a primeira mulher afro-americana eleita para o Congresso. Mais tarde, ela viajou por outros Estados para promover as causas de Bill Clinton e Barack Obama. Hoje seu sindicato, o Local 32BJ do Sindicato Internacional de Empregados de Serviços, tem fortes laços com o Partido das Famílias Trabalhadoras, que inicialmente apoiou Bernie Sanders antes de apoiar Hillary. Mas não Ingram. "Sempre fui Hillary."

Em Nova York, e na maioria dos outros Estados, os eleitores podem escolher candidatos nas chapas dos dois grandes partidos ou nas de partidos menores, como as Famílias Trabalhadoras ou os Conservadores. Os votos populares são então canalizados para eleitores comissionados do Colégio Eleitoral como Ingram. (Sim, há exceções.)

Ela não tem totalmente certeza de como funciona o colégio, mas vai descobrir quando tiver um minuto ou dois. O que é raro, diante de sua agenda. Ela sai de sua casa no Brooklyn, no leste de Nova York, para Manhattan bem antes do horário porque passa muito tempo no transporte.

"Desde que eu esteja no nível térreo, parece que tenho 16 anos", disse ela. "Mas se você me vir subindo as escadas do metrô pensaria que sou uma mulher de 93."

Assim, ela costuma matar o tempo no pátio antes de começar seu turno de faxinas. Por volta do meio-dia na quinta-feira, a carreata de Trump passou diante da parede de vidro na 56th Street. Ingram não lhe deu um olhar.

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