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Em parte de Aleppo, apesar da paisagem desolada da guerra, há uma cidade que funciona

Anne Barnard/The New York Times
Imagem: Anne Barnard/The New York Times

Anne Barnard

13/11/2016 06h00

A área pela qual passamos no oeste de Aleppo está toda sob poder do governo, mas é intensamente disputada e já mudou de mãos várias vezes. O caminho que tomamos liga a cidade a uma rota de abastecimento crucial --quem controlar a estrada determina se a parte leste da cidade, dominada pelos rebeldes, está sitiada ou não.

Os prédios destruídos estão em uma área que ficou muito tempo em poder dos rebeldes. Os piores danos parecem resultado de ataques aéreos. Só o governo e, no ano passado, seu aliado, a Rússia, tinham aviões no combate aqui. Mas parte da destruição também pode ser de artilharia, que os dois lados possuem.

Você passa dessa paisagem lunar de prédios destruídos para uma rua com ônibus, lojas abertas e apartamentos com roupa lavada pendurada nos terraços. São as áreas que o governo não perdeu, por isso nunca foram atingidas com o poder de fogo mais pesado. Mas os grupos rebeldes disparam morteiros; um ataque individual não faz um edifício cair, mas isso não quer dizer que não mate alguém.

Quando se entra na zona oeste de Aleppo, tudo parece muito normal.

Parece uma cidade qualquer. Crianças voltam da escola para casa. As pessoas retornam do trabalho. Há carros e táxis.

À distância você ouve tiros de artilharia, mas a maioria está bem longe. E quase qualquer área é às vezes atingida por bombas. Mas, após quatro anos desta rotina, as pessoas continuam levando sua vida cotidiana.

Tirei fotos e vídeos na semana passada em uma excursão de ônibus pelo oeste de Aleppo que fazia parte de uma ofensiva de relações públicas do governo. Havia 12 jornalistas, três intermediários do Ministério da Informação (funcionários do governo designados para manter o controle do que fazemos e com quem falamos) e talvez uma dúzia de soldados.

Essa viagem em particular foi ainda mais controlada pelo governo do que os repórteres geralmente são aqui. Fomos conduzidos rapidamente, com escalas planejadas. Isso quase não permitiu conversas aleatórias com a população.

Uma das coisas marcantes sobre a vida em cidades destroçadas pela guerra é que você vê os ritmos da vida normal. Vi crianças que ainda vão para a escola em seus uniformes e penteados, ainda correndo e rindo.

As escolas foram bombardeadas no conflito e crianças morreram, 14 delas em ataques aéreos do governo recentemente na província de Idlib, controlada por rebeldes, e três outras vítimas de tiros rebeldes alguns dias depois em Aleppo. Ninguém sabe quanto tempo a guerra vai durar, e as famílias decidiram que vale a pena enviar seus filhos à escola.

No oeste de Aleppo, cada vez que você sai à rua é exposto à possibilidade de um petardo perdido; no leste, pode ser um ataque aéreo, e grupos de direita dizem que hospitais e escolas foram atingidos sistematicamente. Mas as pessoas continuam enviando as crianças à escola. O que mais deveriam fazer? A vida continua.

Tirei fotos de placas de sinalização que indicam lugares aonde não se pode mais chegar. Não posso ir a Azaz a partir de Aleppo, controlada pelo governo, porque é território rebelde. Seria quase impossível, e extremamente perigoso, chegar lá cruzando várias linhas de frente.

Uma coisa nova para mim foram os pequenos quiosques que ocupam as calçadas, vendendo cigarros ou salgados. Alguns estavam pintados com uma bandeira síria ou tinham sobre eles uma lona da ONU. Para conseguir a autorização para ter um quiosque, você precisa ter sido deslocado dos antigos bazares da cidade.

lona - Anne Barnard/The New York Times - Anne Barnard/The New York Times
Lona da ONU sobre quiosque fechado nas ruas de Aleppo
Imagem: Anne Barnard/The New York Times

Os quiosques mostram como a guerra está mudando a paisagem urbana, mesmo no lado do governo em Aleppo. Apesar de o nível de destruição aqui não ser comparável ao do lado rebelde, pode-se ver como a cidade inteira está mudando nos aspectos físicos, econômicos e sociais.

Quando nosso grupo chegou ao hotel, o Sahba, a maioria das pessoas pediu quartos de frente para o oeste --lado oposto ao dos tiros. Essa é uma das coisas que os correspondentes de guerra experientes lhe ensinam quando você começa: consiga um quarto em um andar baixo no lado do hotel menos provável de ser atingido por um ônibus ou um carro-bomba. No oeste de Aleppo, os tiros vêm principalmente das partes sitiadas no leste da cidade.

Deram-me um quarto alto, mas pelo menos virado para oeste. Na manhã seguinte outro jornalista abrigado no lado leste me olhou e disse: "Oh, meu Deus". O hotel havia recebido tantos tiros que muitas janelas estavam fechadas com tábuas.

janela - Anne Barnard/The New York Times - Anne Barnard/The New York Times
Janelas do hotel em Aleppo coberta com madeira e tijolos para evitar os tiros dos combates
Imagem: Anne Barnard/The New York Times

No meu quarto, encontrei um belo conjunto de móveis sírios clássicos, feitos a mão, um estilo chamado marchetaria, de madeira incrustada com desenhos em madrepérola. A cabeceira da cama era esculpida. Havia até uma pequena bandeja de doces na mesa de centro.

Entrei no quarto, abri as cortinas e vi a linda Aleppo, e na distância uma coluna de fumaça. Era a frente de batalha onde os rebeldes fora da cidade tentavam romper o sítio de Aleppo oriental.

vista - Anne Barnard/The New York Times - Anne Barnard/The New York Times
A vista de Aleppo, com a coluna de fumaça na parte leste, na janela do hotel
Imagem: Anne Barnard/The New York Times

Foi uma estranha combinação de elegância e guerra.

Era uma noite relativamente calma --houvera uma rara pausa nos ataques aéreos com um cessar-fogo unilateral anunciado pela Rússia. Mas todo mundo diz que agora está chegando ao fim. Folhetos despejados no lado leste advertiam que era a última chance de as pessoas saírem e se renderem, para não morrer.

Eu não me sentia nervoso. Estávamos muito longe para sermos atingidos por alguma coisa vinda daquele lado. Mas foi triste ir dormir sabendo que tão perto havia pessoas que poderiam ser feridas, fosse no lado rebelde ou no do governo.