Os 25 anos do Memorial da América Latina

O sentimento de perplexidade compartilhado por todas as pessoas que nutrem simpatia pelo Memorial da América Latina está, gradativamente, dando lugar a uma benfazeja onda de solidariedade que poucas vezes vivenciei em minha vida pessoal, de cineasta e como gestor público.

Por isso, nesse primeiro contato com o grande público do UOL, peço licença para abordar a fase de transição que o Memorial experimenta neste início de ano e o que esperar do futuro próximo. Antes, quero registrar meus agradecimentos pelas centenas de mensagens de apoio que temos recebido e que nos têm revigorado as forças para, muito em breve, devolver ao povo de São Paulo o Auditório Simon Bolívar.

O Memorial da América Latina faz aniversário em 18 de março. Lá se vão 25 anos. Nessa linha de tempo, o complexo arquitetônico mudou completamente a geografia urbana e social da zona Oeste, agregou valor cultural e econômico à Barra Funda e bairros vizinhos, e estabeleceu-se como referência e destino de visitantes locais e turistas internacionais. Não é pouco.

Por aqui passaram milhões de pessoas de todas as nacionalidades e credos, artistas e celebridades, e gente do povo - afinal, razão e protagonistas dessa história. Mas, há mais a fazer, começando pela prioridade iminente que é a recuperação do auditório, um bem cultural que pertence ao povo.

Machado de Assis, nosso escritor maior, dizia que “a vida é uma lousa em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito”. Ouso acrescentar: o novo caso que o Memorial da América Latina vai escrever não renegará o passado – ao contrário, dele extrairá as lições para que não sejamos surpreendidos pelas trapaças do destino.

Vida aqui segue e vai voltando à rotina. As adaptações que se fazem necessárias com a ausência temporária do auditório estão sendo agilizadas e, já em março, teremos a programação normal de eventos, que ficará concentrada nos espaços da praça do memorial – Biblioteca, Salão dos Atos e Galeria de Artes Marta Traba. Falando da praça, este será um ano emblemático para alavancarmos o projeto – iniciado ano passado - que visa a transformar as áreas livres do Memorial em ponto de encontro para a família, o que temos chamado de Lazer Cultural, aproveitando os amplos espaços livres do memorial, cercados por inúmeras ofertas de cultura.

O conceito desse projeto tem como pano de fundo a utilização plena da Praça Cívica (onde está a escultura Mão da América, símbolo do memorial e um dos marcos de São Paulo) como epicentro de atividades e atrações de qualidade com viés nitidamente popular e sempre gratuitas. Como veem, não há nada de mirabolante nesse projeto, nem se pretende com isso mudar paradigmas, muito menos descaracterizar a fantástica arquitetura do memorial ou as diretrizes do projeto cultural muito bem desenvolvido por Darcy Ribeiro.

Trata-se, isto sim, de customizar oferta e demanda, custo e benefício: se há espaços ociosos, o poder público tem o dever de engendrar ações em benefício da população, destinar a ele o que há de melhor em nossa cultura. Afinal, o público essencial de nossos projetos são os paulistanos. Em particular a região extremamente povoada, e em forte expansão demográfica, da Barra Funda e bairros limítrofes.

No bojo, dois diferenciais: a facilidade de acesso ao memorial, já que está ao lado do terminal Barra Funda, e o quesito segurança – área totalmente cercada, com câmeras de segurança, vigilância própria e apoio do patrulhamento da Polícia Militar.

Em outras palavras, o que queremos é dar maior significado público para a função primordial do Memorial da América Latina, que é promover a integração cultural entre os povos latino-americanos, ampliando a oferta de eventos como teatro e cinema (além dos festivais que já realizamos anualmente) e outras expressões de interesse comum ao continente.

Nesse sentido, terá papel relevante o Centro Brasileiro de Estudos da América Latina, que passa a ser dirigido pela ex-professora da USP Marília Franco que, tenho certeza, saberá usar toda sua experiência para desenvolver o projeto cultural legado por Darcy Ribeiro para o memorial.