Topo

CNV apropriou-se de trabalhos de movimentos contra a tortura

Especial para o UOL

18/12/2014 16h29

Desde a Anistia de 1979 até os dias de hoje, acordos foram feitos entre as forças político-econômicas que financiaram a tortura e respaldaram a ditadura civil-militar e os diferentes governos civis que se sucederam após 1985.

Estes acordos — entre forças civis e militares — continuam dos mais diversos modos presentes na história do Brasil. Impõem, com isto, uma certa visão da história, mantendo e fortalecendo aquilo que nos é permitido conhecer: a história narrada em função dos acordos e concessões mútuas que retira de cena, em muitos momentos,  o terrorismo de Estado, então implantado.

Atravessada por todas essas tensões, a CNV (Comissão Nacional da Verdade) foi votada, em novembro de 2011, como “aquilo que é o possível hoje”. É importante ressaltar que, em dezembro de 2010, a CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) da OEA condenou o Estado brasileiro a investigar, esclarecer e responsabilizar seus agentes que participaram do desaparecimento de cerca de 70 opositores na repressão à Guerrilha do Araguaia.

Esta sentença foi ampliada para os cerca de 500 mortos e desaparecidos políticos, afirmando que a interpretação oficial da Lei da Anistia não é empecilho para tais atos reparatórios. No bojo de tais questões, foi votada a toque de caixa a Comissão do Possível,como forma de visibilizar para a OEA alguma ação reparatória. Entretanto, em novembro de 2014, a CIDH emitiu nova resolução, informando que o Estado brasileiro não cumpriu até hoje a sentença condenatória de 2010.

Opinião - Tortura nunca mais

  • Não podemos entrar na chantagem do 'possível' em nome de uma dita governabilidade

    Cecilia Coimbra e Victória Grabois, sobre as conclusões tímidas da CNV

A CNV manteve muitos de seus trabalhos em sigilo, especialmente a tomada de depoimentos de alguns membros da repressão. A grande maioria dos casos tornados oficiais já haviam sido levantados há anos, sem qualquer apoio governamental, por movimentos como os Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, totalmente ignorados no relatório final. Trabalhos e pesquisas de quase 30 anos mantiveram-se neste relatório como realizações da CNV. Seus autores foram retirados de nossa história.

Contudo, pequenas brechas, mesmo que consentidas, se abrem. Por pressão de alguns movimentos de grupos de familiares, as Comissões Estaduais da Verdade de São Paulo e Rio de Janeiro tornaram públicas suas audiências. Especialmente na de São Paulo realizou um importante trabalho. Os temas relacionados à ditadura tornaram-se, sem dúvida, conhecidos por muitos segmentos sociais, especialmente os mais jovens.

Apesar disto o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ entende que falar dos crimes cometidos pela ditadura civil-militar é afirmar que a tortura foi instrumento oficial do Estado brasileiro, e não que ocorreram “graves violações de direitos humanos”.

É, além de responsabilizar os torturadores, responder onde, quando e como aconteceram tais crimes, especialmente no que se refere aos desaparecidos. É apontar para a continuidade nos dias de hoje da tortura, dos sequestros, das prisões arbitrárias, das mortes e desaparecimentos.

“É preciso não ter medo; é preciso ter a coragem de dizer”, nos alertava Carlos Marighella. Há muito ainda para dizer, há muito ainda para contar. Há que não entrar na chantagem do “possível” em nome de uma dita governabilidade.

Pela Vida

Pela Paz

Tortura Nunca Mais

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br