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Mesmo em crise, USP se empenha para restaurar Museu do Ipiranga

Especial para o UOL

14/01/2015 06h00

Em anos recentes, os museus históricos do país têm mostrado que o patrimônio edificado é tão relevante para nossa identidade cultural quanto os itens que ele abriga e expõe aos visitantes.

Museus são símbolos de períodos de nossa história e, graças aos esforços de vários profissionais, têm sido mostrados num processo de aprendizado que cria laços afetivos com aqueles que os visitam. Afinal, são patrimônios edificados com 100 ou mais anos de vida útil, e que fascinam visitantes e pesquisadores.

Também sofrem, assim como qualquer outro edifício, com o desgaste do tempo, que é associado a questões complexas como restauros e reformas parciais de sistemas construtivos (ainda hoje conhecidos por poucos especialistas); eventuais e acidentais submissões a sobrecargas estruturais, decorrentes de sua própria finalidade (aquisições e doações de acervos); e, por fim, transformações urbanas intensas ao seu redor.

É possível sugerir que apenas uma solução arquitetônica e investimentos para colocá-la em prática sejam suficientes para salvaguardar esses patrimônios culturais edificados, que consistem em nosso acervo “número 1”.

Em países onde a cultura é fator econômico prioritário, o restauro e a ampliação de museus é tema que ultrapassa, e muito, a exequibilidade de projetos de arquitetura e de urbanismo. Isso ocorre não só por conta do turismo urbano, mas ainda por conta de sua associação umbilical com a educação.

São casos recentes o Museu Nacional da Holanda, um edifício do século dezenove fechado por 12 anos para restauro e reaberto em 2013, e o Museu Picasso, em Paris, situado num conjunto edificado do século dezoito e fechado por cinco anos pelas mesmas razões.

Ações como essas exigem, sem dúvida, trabalhos relevantes de arquitetos e urbanistas, atores essenciais nesse processo, mas também esforços conjuntos de poderes públicos de várias instâncias, além de especialistas em múltiplas áreas do conhecimento nas tomadas de decisão.

Os atores privados também podem e devem contribuir nessas ações integradas. Tudo isso envolto por um monitoramento da população, que deseja voltar a usufruir e aprender com esses verdadeiros monumentos históricos.

Opinião - Sheila Walbe Ornstein - Hélio Nobre/Acervo do Museu Paulista da USP - Hélio Nobre/Acervo do Museu Paulista da USP
Salão Nobre do Museu Paulista da Universidade de São Paulo
Imagem: Hélio Nobre/Acervo do Museu Paulista da USP

É evidente que no país há várias exceções e exemplos bem sucedidos, mas os museus históricos universitários estão em condições que merecem atenção redobrada. É nesse contexto que o Museu Paulista da Universidade de São Paulo se insere. Abrigado num edifício neoclássico do século 19, o museu contempla cerca de 120 mil itens de acervo.

Em agosto de 2013, ocorreu seu fechamento a visitantes, que chegavam a cerca de 300 mil por ano. Além de proteger seus usuários de problemas construtivos específicos, que os colocavam em risco, a medida deu início ao mais completo projeto de restauro, modernização e ampliação já colocado em prática até então.

No ano seguinte, a USP (Universidade de São Paulo), em que pese as suas condições financeiras limitadas, deu um passo importante com o início dos aluguéis e das adequações físicas de imóveis que irão receber a maior parte dos acervos do Museu do Ipiranga. Isso permitiu a desocupação do edifício, essencial para a finalização dos diagnósticos, projetos e restauro.

A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) também concedeu, a partir de um projeto de infraestrutura, mobiliário de alto nível para abrigo dos itens de acervo e seus laboratórios nestes novos imóveis.

Ao mesmo tempo, os atuais gestores reitorais da USP e a equipe do Museu Paulista têm se empenhado na busca de soluções arquitetônicas e construtivas não só para a modernização e o atendimento aos quesitos de acessibilidade, mas também para sua ampliação.  São tarefas igualmente portentosas, inclusive do ponto de vista financeiro, que devem necessariamente incluir um edifício anexo para as reservas técnicas, acervos não expostos, laboratórios, salas de aulas, administração, áreas de descanso, refeições, loja e livraria.

Edifícios anexos a museus são essenciais para o atendimento às funcionalidades que tenham numerosas coleções, centros de pesquisa, laboratórios de restauro e milhares de visitantes. No entanto, do ponto de vista formal e estético, é melhor que se mantenham discretamente como coadjuvantes.

Entraves burocráticos

A implantação do edifício anexo (considerando que o Museu Paulista será reaberto apenas com exposições) exigirá esforços nos campos político, técnico, financeiro e jurídico, pois o Parque da Independência é administrado pela prefeitura e o museu, por sua vez, é administrado pela USP desde 1963.

Todo o conjunto, parque e sua vegetação, mobiliário, equipamentos e museu são tombados nas três esferas: Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) e Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Ou seja, estudos e aprovações deverão também ser submetidos aos três órgãos de preservação. Isso sem contar a necessidade de aprovação da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, da Comissão Permanente de Acessibilidade, do Corpo de Bombeiros e de outras instâncias.

Em suma, quaisquer partidos arquitetônicos e urbanísticos exigirão o mesmo percurso complexo de análises e aprovações técnicas que devem garantir o atendimento aos quesitos de desempenho de edifícios com essas características.

A localização do edifício anexo e suas conexões físicas com o museu; obras de restauro e ampliação; procedimentos rigorosos para uso, operação e manutenção integram decisões que podem necessitar do crivo das gestões política, cultural e financeira, e que ultrapassam o atendimento exclusivo aos cânones das esperadas boas práticas em arquitetura e em engenharia, ou até mesmo do desenho do plano de exposições que norteará a sua reabertura no Bicentenário da Independência, já em desenvolvimento pela equipe do Museu Paulista.

Este caminho, iniciado pela USP, deverá ser absorvido por ações macro de gestão político-cultural e de apoios financeiros. Somente assim é que gerações de visitantes, estudantes e pesquisadores ficarão felizes em poder usufruir novamente do nosso Museu do Ipiranga, o nº 1.

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