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Clubes brasileiros são sugados pelas federações de futebol

Especial para o UOL

19/04/2015 06h00

Em um de seus magistrais livros, “A Marcha da Insensatez”, Barbara Tuckman relata como a humanidade, no ápice de suas realizações, é levada a atos contrários ao seu próprio interesse. Essas decisões acontecem pela incapacidade do ser humano, iludido pela certeza de sucesso eterno, entender e se adaptar às mudanças em sua volta. Tal incapacidade pode ser observada no futebol brasileiro há vários anos.

A insensatez graça na gestão do futebol. A leitura dos resultados de vários clubes em 2014 mostra um quadro alarmante não só em termos de suas dívidas, mas também porque vários mostram prejuízos, sem uma clara tendência de reversão.

Nesses últimos meses, em inúmeros artigos, entrevistas, programas de televisão e rádio, a situação do futebol brasileiro é escancarada como falimentar como, por exemplo, em “O Seu Time Vai Acabar”, publicado pela revista Placar.

Diante dessa conjuntura, as entidades organizadoras do futebol brasileiro deveriam estar preocupadas com a saúde de seus federados. Paradoxalmente, as demonstrações financeiras (os balanços) da CBF e de das demais federações de futebol não mostram nenhum tipo de alerta a respeito do que se passa.

Para não aborrecer demais o leitor com a descrição de uma dezena de balanços, ofereço reflexões sobre apenas dois: o da Federação Paulista (FPF) e o da Confederação Brasileira (CBF). Opto por não analisar o da Federação Carioca porque o balanço dessa entidade foi publicado com ressalvas pelos auditores.

Dos R$ 34 milhões de receitas operacionais da FPF, mais de R$ 20 milhões são classificados como receitas comerciais. Mas qual é exatamente o produto comercial vendido pela FPF? Posso estar enganado, mas o produto futebol é desenvolvido e sustentado pelos clubes. Não deveriam eles gerir e auferir essas receitas? Porque eles as deixam nas mãos da FPF? Falta de capacidade comercial?

Em 2013, as receitas da CBF foram R$ 436 milhões, dos quais R$ 113 milhões vieram de direitos de transmissão e comerciais – com jogadores pagos pelos clubes que os desfalcam nos secundários campeonatos locais, sem ressarcimento – e R$ 278 milhões em receitas de patrocínios. A CBF, com certeza, vai muito bem, com R$ 70 milhões investidos em aeronaves e outros R$ 70 milhões usados em 2012 para a aquisição de um terreno na Barra da Tijuca.

De acordo com a CBF, “esse imóvel destina-se a acolher sua sede, imóvel que apresenta condições à altura da grandeza de suas tradições e da extraordinária fase de expansão, tanto do esporte futebol no Brasil, quanto da própria CBF, motor desse desenvolvimento, a exigir instalações materiais condignas de modo a atender aos requisitos específicos de funcionalidade da CBF”. Em resumo, a CBF se enxerga como o motor do desenvolvimento do futebol brasileiro.

Parodiando Niklas Luhmann, notável sociólogo alemão, será que quando os clubes convidaram as federações para sentar à mesa, eles imaginariam que iriam trabalhar para elas “engordarem”?

É lógico que as federações não são as únicas culpadas pela atual condição dos clubes, mas, nessa relação, aparentemente, os clubes são apenas sugados. Está mais do que na hora de os clubes assumirem o seu próprio destino e atuarem com vistas ao seu crescimento e à altura de sua grandeza e do futebol brasileiro.

“O poder de comandar frequentemente afeta a capacidade para pensar”                                                                                                                              Barbara Tuckman

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