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Crise humanitária no Mediterrâneo exige ação imediata da UE

Especial para o UOL

28/04/2015 06h00

A crise humanitária do momento é a do Mediterrâneo. Diariamente, somos bombardeados com chocantes imagens de milhares de refugiados e migrantes desembarcando na Itália e na Grécia, como náufragos de uma travessia perigosa.

São sobreviventes de uma saga que não começou nas águas compartilhadas por Europa, Norte da África e Oriente Médio, mas em países engolfados por guerras, conflitos e violência, países que estão afundados em crises que comprometem o próprio desenvolvimento e a sustentabilidade de suas sociedades.

Os números são cruéis. Desde o início do ano, já foram registradas cerca de 40 mil chegadas em território europeu, via Mediterrâneo, com mais de 1.700 mortes. No ano passado, foram 219 mil chegadas, com cerca de 3.500 mortos e desaparecidos.

Para homens, mulheres e crianças que pereceram na travessia, a viagem à Europa se tornou o destino final de suas vidas, em vez de ser o início de uma esperança de reconstrução e dignidade.

Os barcos que cruzam o Mediterrâneo não são apenas um fenômeno migratório, eles também levam refugiados, forçados a deixar seus países devido a guerras e perseguições. Para essas pessoas, é necessário haver alternativas de cruzar o Mediterrâneo que não sejam as embarcações operadas por traficantes e contrabandistas, inclusive de seres humanos.

O cenário que se apresenta cobra um alto preço da comunidade internacional. As medidas anunciadas pela União Europeia ao longo da última semana são importantes para uma tomada de ação coletiva desse grupo de países.

Compartilhar responsabilidades é uma ação bem vinda, e os países que hoje mais recebem esses migrantes e refugiados (Itália, Malta e Grécia) estão salvando vidas e protegendo pessoas. Por isso, devem ser apoiados pela União Europeia, mas compromissos também devem ser traduzidos em ação imediata.

O Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), que defende uma abrangente resposta de proteção por parte da União Europeia, considera particularmente importante o anúncio sobre o aumento dos recursos destinados às operações marítimas de busca e resgate. É uma decisão muito bem vinda, pois salvar vidas deve ser o foco principal de qualquer resposta.

Essa resposta abrangente, no entanto, irá demandar uma maior elaboração das medidas já anunciadas. Elas são o marco importante de uma resposta coletiva, mas correm o risco de serem consideradas “minimalistas”.

Opinião - Acnur - Argiris Mantikos/Eurokinissi/AP - Argiris Mantikos/Eurokinissi/AP
Resgate de imigrantes que tentavam entrar ilegalmente na Europa, após naufrágio do barco que os transportava
Imagem: Argiris Mantikos/Eurokinissi/AP

É clara a necessidade de um maior compromisso com reassentamento e realocação de refugiados, ampliando as vias legais de acesso à “proteção internacional” em território europeu. Dados preliminares indicam que a União Europeia responde por aproximadamente 12% das vagas de reassentamento em todo o mundo. Para ter um impacto positivo real, a resposta europeia deve aumentar substancialmente este percentual e prover alternativas legais de acesso ao território.

Migrantes com baixa qualificação profissional e indivíduos que buscam reunificação familiar também devem ser considerados. Sem maneiras seguras de acesso à Europa, o necessário aumento da repressão aos esquemas de tráfico e contrabando de pessoas não será efetivo.

Para os refugiados vítimas dessa tragédia, sobreviventes ou não, encarar uma trajetória perigosa por meio de desertos e mares, se valendo de traficantes e contrabandistas, é muitas vezes a única alternativa existente.

Uma abordagem mais holística também deverá incluir um maior engajamento com os países que originalmente recebem esses refugiados. É preciso apoiar sistemas efetivos e funcionais de refúgio que garantam a proteção dessas pessoas e diminua a necessidade de se buscar asilo em outros países.

Para que isto aconteça, é crucial assegurar o apoio adequado (inclusive financeiro) aos programas de assistência a refugiados, priorizando atividades que gerem a sustentabilidade dessas populações e oportunidades de educação, especialmente para os jovens.

O apoio às comunidades que atualmente acolhem refugiados precisa ser priorizado. Programas de reunificação familiar devem ser fortalecidos, inclusive com apoio de fundos privados, e a emissão de vistos de entrada precisa ser flexibilizada.

Por fim, e não mesmo importante, é necessário ter uma postura firme de combate à retórica xenofóbica e racista que marginaliza e vitimiza ainda mais migrantes e refugiados.

A União Europeia foi fundada em princípios de humanidade, solidariedade e respeito aos direitos humanos. O Acnur e outras organizações humanitárias, como o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos e a Organização Internação de Migrações, espera que seus membros demonstrem sua liderança moral e política adotando uma resposta holística centrada nestes valores.

O Acnur está acelerando sua resposta à crise humanitária no Mediterrâneo e espera colaborar com a União Europeia para que as medidas anunciadas sejam traduzidas em ações efetivas.

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