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Com medidas atropeladas, governo cria instabilidade no setor elétrico

Especial para o UOL

17/07/2015 06h00

Os contratos de concessão de 39 das 63 concessionárias de distribuição do país começaram a vencer em 7 de julho deste ano. Diante desse cenário, difícil acreditar que apenas no dia 3 de junho o governo promulgou o Decreto nº 8.461, que regulamenta a prorrogação das concessões. Tamanho improviso poderia ter sido evitado, como há anos vimos alertando.

A distribuição de eletricidade é uma atividade com características de monopólio natural, razão pela qual é explorada sob o regime de serviço público, com tarifas reguladas. A tarifa é estabelecida com base em uma equação paramétrica que incorpora, para cada concessionária, a cobertura de custos de operação e manutenção, a reposição da sua base de ativos e a remuneração do capital investido.

Nas revisões tarifárias periódicas que acontecem, em média, a cada quatro anos, a agência reguladora reavalia tecnicamente o respeito aos princípios de “custos eficientes e investimentos prudentes” e compartilha com os consumidores os ganhos de produtividade impostos às distribuidoras de energia, sejam tais ganhos alcançados ou não pelas empresas. Essa é a essência da “Regulação por Incentivos”.

Todo o esforço metodológico acima, que em alguns ciclos tarifários envolveu mais de um ano de aprimoramentos por meio de audiências públicas, é feito para definir a chamada “parcela B” da conta de luz, também chamada de “custos gerenciáveis” pelas distribuidoras. Por complemento, a “parcela A” refere-se ao custo da geração de energia, da transmissão e dos encargos setoriais que as Distribuidoras coletam dos consumidores, mas que lhes são repassados integralmente e sobre os quais as distribuidoras não podem exercer influência.

Poucos, no entanto, sabem que a parcela B, usada para cobrir os custos e remuneração da distribuição, corresponde a menos de 20% do que se paga na tarifa. Há pouco mais de dez anos esta parcela era de 36%, redução conhecida como “compressão da Parcela B” no jargão setorial.

É por isso que a contestação pública promovida por um regime de licitação no elo da distribuição não é tão relevante quanto no caso de geração de energia, uma vez que a extração de renda em favor dos consumidores tem-se dado permanentemente a cada um dos três ciclos tarifários já completos.

A Aneel se debruça, nesse momento, sobre a finalização da metodologia do 4º Ciclo de Revisão Tarifária Periódica das 63 concessionárias de distribuição de eletricidade brasileiras.

Construído esse contexto, pode-se dizer que, de um lado, o governo acertadamente reconheceu essa extração de renda permanente ao propor, via Decreto nº 8.461, a prorrogação das concessões das distribuidoras.

Mas, de outro lado, o Planalto perdeu uma oportunidade de demonstrar que aprendeu com erros do passado, como quando da promulgação da Medida Provisória nº 579 que estabeleceu regras para as concessões de geradoras e transmissoras, medida que desarranjou de forma brutal o setor elétrico em todas as suas dimensões.

Instabilidade regulatória

A maneira tardia e atropelada pela qual, novamente, o governo atua sobre processos de ampla repercussão para o setor elétrico e para toda a economia gera um custo desnecessário para a sociedade. O atropelo não se justifica, a começar pelo fato de que a data de vencimento das concessões era conhecida há décadas.

Não bastasse isso, em 2012, as concessionárias, cumprindo um dispositivo da Medida Provisória posteriormente convertida na Lei 12.783, comunicaram ao governo formalmente a sua intenção de prorrogar as concessões a partir de seus respectivos vencimentos.

Antes disso até, em 2011 (quatro anos atrás), o Instituto Acende Brasil apresentou ao governo o estudo “Concessões do Setor Elétrico: Alternativas de Políticas Públicas”. Impossível, portanto, admitir surpresa com o fato de que as primeiras concessões já deveriam ter sido renovadas desde 7 de julho. Mas o que fez o governo diante disso?

Durante muito tempo, nada. Até que publicou o Decreto nº 8.461, em 3 de junho, a menos de dois meses do início dos encerramentos de algumas concessões.  Só a partir dessa data a Aneel pôde abrir uma audiência pública para receber contribuições da sociedade, cujo prazo legal estende-se até o dia 13 de julho, sendo que a sessão presencial ocorreu no dia 1º de julho. A prática regulatória é que, ao cabo das audiências públicas, a Aneel disponha de um prazo para analisar as contribuições e então formular sua resolução final.

Portanto, não há tempo hábil para uma condução adequada das análises e contribuições porque, em 7 de julho, antes do término da audiência, 36 distribuidoras tiveram seus prazos de concessão vencidos.

Como se não bastasse tamanha dificuldade, o TCU aprovou, no dia 18 de junho, uma medida cautelar que impede o governo de prorrogar as concessões de distribuição. O ministro do TCU autor da cautelar declarou à imprensa, posteriormente, que seu objetivo foi o de evitar que o tribunal seja consultado tardiamente pelo governo.

A consequência de tudo isso é a mais absoluta instabilidade regulatória, com reflexos diretos sobre o aumento de custos e sobre o encarecimento do financiamento, quer via capital próprio quer via empréstimos. Num setor de capital intensivo como o setor elétrico, no qual credibilidade e confiança são fundamentais, nada justifica a instabilidade que o próprio governo criou.

O bom gestor sabe da importância de se antecipar aos eventos para que estes aconteçam no tempo certo.  O respeito a esse pilar é condição de sobrevivência na esfera privada. A esfera pública deveria seguir esse princípio com força ainda maior uma vez que suas decisões atingem toda a sociedade.

O improviso caracterizado pela demora na promulgação do Decreto nº 8.461 evidencia que a gestão governamental do setor elétrico precisa mudar de bases e alinhar-se aos padrões de eficiência, profissionalismo e planejamento exigidos pelo século 21.

 

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