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Lei antiterrorista não criminaliza movimentos sociais

Especial para o UOL

05/11/2015 06h00

Designado para relatar o projeto de lei antiterrorismo, de autoria da presidente Dilma, assumi o encargo consciente do dever que a Constituição atribui ao Legislativo: definir esse crime para responsabilizar os seus autores e preservar os direitos da cidadania. Apresentei substitutivo aprovado depois de dura batalha parlamentar. Há quem questione a necessidade da lei: não concordo.

O Brasil comprometeu-se, em inúmeros atos internacionais, a reprimir o terrorismo. Na discussão do projeto, citei duas dezenas desses atos. As Forças Armadas, nos termos da Política Nacional de Defesa, atuam na prevenção ao terrorismo.

Igualmente o fazem a Polícia Federal e as polícias civis, sem lei que discipline claramente sua ação, de modo, inclusive, a coibir abusos contra direitos individuais. Há inúmeras leis que não tipificam o terrorismo do ponto de vista do direito penal. A mais recente é de outubro de 2015, que trata da indisponibilidade de bens provenientes de atividades terroristas.

Na ausência desse tipo penal no direito brasileiro, terroristas condenados em seus países não podem ser extraditados por conta da exigência da dupla tipificação. O constituinte consagrou o “repúdio ao terrorismo” como princípio que rege nossas relações internacionais e equiparou esse crime a delitos hediondos –e, como tais, não suscetíveis a fiança, graça ou anistia.

Deve a Constituição permanecer letra morta? Ou nos contentaremos com o artigo 20 da Lei de Segurança Nacional, que criminaliza genericamente “atos de terrorismo”, incompatível com a Constituição de 1988? Ou a bizarra lei 10.744, de 2003, aplicável à responsabilidade civil da União por danos causados por ataques a aeronaves, que entende por “ato terrorista qualquer ato de uma ou mais pessoas com fins políticos ou terroristas”?

Isto é, terrorismo é ato terrorista com finalidade terrorista! É esse o arsenal legislativo à disposição do Estado brasileiro para combater esse crime transnacional cada vez mais frequente nesse mundo perigoso em que o Brasil está inserido.

O projeto aprovado assim define o terrorismo: “Atentar contra pessoa mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico ou xenófobo com o objetivo de provocar pânico generalizado”.

São quatro os seus elementos. Ação humana: atentar contra pessoa; finalidade: provocar pânico generalizado; motivação: extremismo político, intolerância ou preconceito; circunstância do ato: violência ou grave ameaça.

O ataque contra a coisa somente pode ser considerado terrorista se envolver atentado contra pessoa, objeto da proteção da lei. Está excluída do crime a tensão decorrente de manifestação pública, protesto, reivindicação ou defesa de direitos.

Alguns senadores pretenderam excluir o “extremismo político”. Ora, essa é uma das motivações mais frequentes dessa modalidade criminosa. O que moveu os fanáticos de extrema direita que assassinaram dona Lyda Monteiro na sede da OAB-RJ, senão o extremismo com que rechaçavam a redemocratização?

Preferi acatar a emenda do senador Valadares (PSB-SE) que define ato terrorista por extremismo político aquele que “atenta gravemente contra a estabilidade do Estado democrático com o fim de subverter o funcionamento das instituições”.

Posta a questão nesses termos, não há como aceitar o argumento de que o projeto criminaliza movimentos sociais. Nem adotar as ressalvas com que eles pretenderam que a lei não fosse aplicada a atos praticados em manifestações com propósito de protesto.

Pretendiam um texto que abrigasse do alcance da lei, diante da qual todos são iguais, aqueles que, tendo praticado delito que se enquadre no tipo penal, aleguem ter agido por motivos altruístas. Como se pudesse existir um “terrorismo do bem”.

No Senado, o debate mais aceso foi, de um lado, entre aqueles que consideram que esse crime, que agride a sacralidade da pessoa humana, merece repúdio absoluto e, de outro, os que julgam que o terrorismo merece um repúdio apenas relativo. Venceram os primeiros por ampla maioria.

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