Superproteção dos pais gera praticantes e vítimas de bullying
Entrou em vigor a lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015, que obriga escolas, agremiações recreativas e clubes a adotarem medidas de prevenção e combate ao bullying, que é assim definido como: “ todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas".
Em tempos de polarizações hostis fomentadas por redes sociais e disseminadas na prática do convívio diário, sem dúvida alguma, pode-se afirmar que a lei chegou em momento oportuno para que façamos uma reflexão sobre o papel da educação e dos nossos exemplos de cidadãos na formação de indivíduos autônomos, educados e, principalmente, republicanos. Sobretudo porque o bullying é, definitivamente, exemplo de incivilidade e ausência de empatia e de tolerância.
Os incisos VII e VIII do artigo 4o da referida lei propõem a educação que visa ao convívio tolerante em sociedade, e chama a atenção de educadores (nisso incluo os pais) para uma vida cívica de paz na formação dos jovens . “VII - promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua; VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil”.
A lei determina que sejam criadas, pelas instituições educadoras, práticas preventivas favoráveis às relações saudáveis entre os jovens, que identifiquem e diagnostiquem agressões sistemáticas, exigindo responsabilização na omissão em caso de bullying, o que, de fato, é justo. Solicita também que essas instituições reavaliem seus projetos pedagógicos e busquem, nessa reavaliação, contemplar medidas socioeducativas que promovam o bem-estar das crianças e dos adolescentes na sociedade.
A lei fará bem a instituições que raramente incorporam em seus planejamentos diários ou em sua “filosofia pedagógica” ações realmente civilizadoras que visem à prevenção de bullying. O que temos são medidas escolares frequentemente punitivas e/ou propostas de trabalhos e pesquisas escolares sobre bullying, pouco modificadores do comportamento social da criança e do adolescente.
Geração dos “órfãos funcionais”
No entanto, cabe uma reflexão: qual o papel dos pais nesse processo? Será que não devem também reavaliar a forma como educam seus filhos?A sociedade contemporânea é marcada pela superproteção dos pais, que formam crianças mimadas e inconsequentes que vivem desconectadas do mundo real, ainda que conectadas incessantemente ao virtual.
O psicólogo argentino Sergio Sinay caracteriza a atual geração como “órfãos funcionais”: crianças e jovens que vivem protegidos por uma bolha familiar de afeto, visando protegê-los da frustração, da perda e do trauma o que, evidentemente, imuniza-os em relação aos dramas da vida real. Esses jovens vivem, conclui o psicólogo, com escassos limites relacionais, tornando a vida cotidiana moralmente frouxa e ambígua.
Essas crianças mimadas são incapazes de ver, observar e compreender o outro. Seu mundo se restringe à própria felicidade e ao imediatismo do prazer. E pais e avós “amorosos” estão sempre a postos para satisfazer os desejos dos seus pimpolhos. Quando alguém se interpõe entre o ser mimado e o seu desejo, passa a ser rapidamente visto e classificado como um inimigo, um estraga prazeres. Daí estamos a um passo do bullying e/ou das relações hostis entre os tais “órfãos funcionais”, que esperneiam reclamando suas vontades.
Pais amorosos tendem a não reprimir seus filhos ou a premiá-los logo após um castigo porque temem, com a austeridade da educação, perder o amor deles. Assim, os educam para que se sintam o centro do mundo –nada pode contrariar seus anseios. O mais interessante é que a “educação amorosa”, que visa à superproteção e à satisfação dos desejos, é também responsável por formar jovens agressores e agredidos.
Agressores porque costumam agir com birra e violência quando não são atendidos. Aprendem na infância que precisam chorar e gritar para conseguir algo, mas não aprendem que esperar faz parte da vida, do crescimento e da maturidade. Não é muito incomum ver crianças e adolescentes “armando um escândalo” quando contrariados e serem rapidamente atendidos pelos pais amorosos e constrangidos.
Por outro lado, jovens mimados tornam-se, também, indefesos, incapazes de se defender de agressões, risos e piadas. Recolhem-se calados e afundam-se na tristeza de sua incapacidade de reação ou de jogo de cintura.
Obviamente que agressões sistemáticas que configurem bullying devem sofrer rapidamente intervenções de pais e de educadores que sejam capazes de mediar a situação com a clareza de um adulto. Seria um absurdo ensinar o agredido a revidar a agressão ou apenas punir o agressor como medida de correção –tratando-o como se fosse um potencial criminoso. Mas, infelizmente, a prática comum ainda é a proteção exagerada dos agressores por seus pais ou a omissão que os exime de educar os filhos para o convívio social.
Já a outra ponta do bullying é pouco animadora, pois pais de agredidos vitimizam seus rebentos e reforçam ainda mais sua desproteção ou os transformam, com o tempo, em potenciais agressores. Em ambos os casos ocorrem, invariavelmente, a fragilização dos filhos e uma educação desastrosa a médio e longo prazos.
Enfim, a lei deve levar a sociedade a repensar suas ações educativas. E, talvez, educadores devam compreender que superproteger as crianças e os jovens oferecendo-lhes amor e mimos incondicionais não são as medidas mais eficazes para educá-los e civilizá-los, uma vez que educar pressupõe, sobretudo, desagradar a quem deseja mimo.
Com amor se ama, mas é com princípios civilizatórios sólidos e coerentes que se educa. Às vezes, na educação, é necessário proteger os jovens de seu desejo exagerado de proteção.
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