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Descaso com saneamento deixa rios em estado de alerta

Especial para o UOL

23/04/2016 06h00

A crise hídrica transformou a paisagem urbana de muitas cidades paulistas. Casas passaram a contar com cisternas, e caixas-d'água azuis se multiplicaram por telhados, lajes e até em garagens. Em regiões mais nobres, jardins e portarias de prédios ganharam placas que alertam sobre a utilização de água de reúso. As pessoas mudaram seu comportamento, economizaram e cobraram soluções.

As discussões sobre a gestão da água, nos mais diversos aspectos, saíram dos setores tradicionais e técnicos e ganharam espaço no cotidiano. Porém, vieram as chuvas, as enchentes e os rios urbanos voltaram a ficar tomados por lixo, mascarando, de certa forma, o enorme volume de esgoto que muitos desses corpos de água recebem diariamente.

É como se não precisássemos de cada gota de água desses rios urbanos e como se a água limpa que consumimos em nossas casas, em um passe de mágica, voltasse a existir em tamanha abundância, nos proporcionando o luxo de continuar a poluir centenas de córregos e milhares de riachos nas nossas cidades. Para completar, todo esse descaso decorrente da falta de saneamento se reverte em contaminação e em graves doenças de veiculação hídrica.

Dados do monitoramento da qualidade da água –que realizamos em 183 rios, córregos e lagos de 11 Estados brasileiros e do Distrito Federal– revelaram que 36,3% dos pontos de coleta analisados apresentam qualidade ruim ou péssima. Apenas 13 pontos foram avaliados com qualidade de água boa (4,5%) e os outros 59,2% estão em situação regular, o que significa um estado de alerta. Nenhum dos pontos analisados foi avaliado como ótimo.

Divulgamos esse grave retrato no Dia Mundial da Água (22 de março), com base nas análises realizadas entre março de 2015 e fevereiro de 2016, em 289 pontos de coleta distribuídos em 76 municípios.

No Estado de São Paulo, de um total de 212 pontos de coleta analisados em 124 rios, 41,5% estão sem condições de usos múltiplos –abastecimento humano, lazer, pesca, produção de alimentos, manutenção ecossistêmica, entre outros– por apresentarem qualidade de água ruim ou péssima. Apenas 6,1% têm qualidade de água boa e 52,4% têm índices regulares.

A cidade de São Paulo perdeu dois pontos que, até 2015, apresentavam qualidade de água boa, localizados em áreas de manancial no Parque dos Búfalos (represa Billings) e em Parelheiros (represas Billings/Guarapiranga) e, infelizmente, a queda nos indicadores está relacionada à pressão por novas ocupações e às mudanças nos usos do solo das áreas de mananciais.

Essa realidade evidencia a urgente necessidade de uma ação forte e integrada entre os governos estaduais e municipais junto com organizações civis. Sobretudo se São Paulo realmente estiver comprometido com a meta de universalizar o saneamento básico até 2020, como anunciado.

Porém, para que essa meta não se perca –como ocorreu com o Plano Nacional de Saneamento Básico, que postergou para 2033 a tão almejada universalização do saneamento no país–,uma iniciativa essencial é que o governo de São Paulo indique, por meio de decreto ou de resolução, que os Comitês de Bacias Hidrográficas não enquadrem rios em classe 4, assim como fez o governo do Paraná no ano passado.

Ao recomendar o reenquadramento dos corpos de água em classes 1, 2 e 3, extinguindo a classe 4, o governo de São Paulo estaria consolidando as ações de saneamento em políticas públicas voltadas para a ampliação dos usos múltiplos da água e da capacidade de resiliência dos municípios paulistas, com metas efetivas de planejamento estratégico a fim de não permitir mais rios “mortos” no Estado.

A classificação do corpo de água não pode espelhar a condição ambiental e de qualidade em que o rio está, e sim o rio que almejamos no futuro. Queremos o Tietê e os rios paulistas vivos. Por isso, a SOS Mata Atlântica abriu recentemente, com o apoio de diversos parceiros, a campanha Saneamento Já!. Todos podem participar assinando a petição pela internet, divulgando em suas redes sociais ou organizando ações presenciais para a coleta de assinaturas. Vamos valorizar diariamente cada gota de água limpa.

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