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Documentos "preciosos" de ex-chefe do Doi-Codi serão entregues à Comissão Nacional da Verdade

O ex-deputado Rubens Paiva foi cassado logo após o golpe de 1964 e foi visto pela última vez ao ser preso em janeiro de 1971 no Rio de Janeiro. Documentos encontrados em Porto Alegre podem ajudar a elucidar seu deaparecimento - Arquivo Pessoal
O ex-deputado Rubens Paiva foi cassado logo após o golpe de 1964 e foi visto pela última vez ao ser preso em janeiro de 1971 no Rio de Janeiro. Documentos encontrados em Porto Alegre podem ajudar a elucidar seu deaparecimento Imagem: Arquivo Pessoal

Flávio Ilha

Do UOL, em Porto Alegre

22/11/2012 18h30

Um lote com mais de cem documentos confidenciais e inéditos sobre a atuação do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) no Rio de Janeiro serão entregues na próxima terça-feira (27) às 14h às comissões estadual e nacional da Verdade pelo governo gaúcho. O arquivo foi encontrado na casa do coronel reformado Julio Miguel Molina Dias, 78, morto no dia 1º de novembro em uma tentativa de assalto em Porto Alegre.

Os documentos, considerados uma “preciosidade” pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (MJDH), Jair Krischke, relatam com pormenores vários episódios protagonizados pelo órgão, que centralizava as ações de repressão aos opositores do regime militar (1964-1985). Molina chefiou o departamento a partir de 1980.

Os integrantes da Comissão da Verdade esperam elucidar pelo menos dois casos a partir dos documentos: o atentado no Rio Centro em 1981, que matou o sargento Guilherme do Rosário e feriu o capitão Wilson Dias Machado, e o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva no Rio de Janeiro, em 1971. Os arquivos de Molina têm farta documentação sobre os dois casos.

A reportagem do UOL teve acesso a parte dos arquivos, que estão sob a guarda da Polícia Civil gaúcha. Em um dos ofícios, por exemplo, o Doi-Codi registra a saída de material bélico, como espoletas e explosivo plástico, dois dias antes do atentado do Rio Centro. No dia seguinte à explosão, parte que sobrou do material requisitado foi devolvida ao paiol do órgão.

Além desse registro, os arquivos de Molina continham um “minutário” minucioso dos momentos posteriores ao atentado, escritos pelo próprio coronel, à mão, em três folhas de ofício. O coronel registra a tensão provocada pela ação desastrada do órgão minuto a minuto, a partir da explosão, e confirma que o diretor do órgão foi informado constantemente sobre as repercussões do caso.

Deputado desaparecido

Além de documentos sobre o Rio Centro, a Polícia Civil gaúcha informou também ter encontrado um documento que confirma oficialmente o envolvimento do Doi-Codi no sequestro e posterior desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, em 1971. O ofício relata a entrada de Paiva no órgão no dia 20 de janeiro de 1971, listando pertences pessoais como numa detenção comum.

Paiva, que era deputado pelo PTB e foi cassado em 1964, nunca mais foi encontrado. Segundo o ofício, o ex-parlamentar foi encaminhado pela equipe do CISA (Centro de Informações de Segurança) da Aeronáutica ao QG-3, no Rio de Janeiro. Dias depois, o mesmo órgão preparou um auto de devolução do automóvel usado pelo parlamentar no dia da sua prisão. Como Paiva nunca mais foi encontrado, o documento nunca foi entregue à família do deputado.

“É a primeira prova material sobre a participação do Estado no sequestro e desaparecimento de Paiva. Até então, contávamos apenas com depoimentos”, disse Krischke. O coronel, que não estava vinculado ao Doi-Codi nesse período, guardou os documentos provavelmente para se proteger. “Esse jogo era muito comum entre os agentes da repressão”, lembrou o presidente do MJDH.

O governador Tarso Genro disse que já tinha conhecimento da existência dos documentos, mas que não teve acesso ao conteúdo. Segundo Tarso, o governo esperou o desfecho das investigações sobre a morte de Molina para anunciar o compartilhamento dos dados com as comissões da verdade do governo federal e do Estado.

Molina foi morto com 15 tiros em frente de casa, num bairro nobre de Porto Alegre. Viúvo, o coronel morava sozinho, mas frequentemente jantava com as filhas. Segundo a polícia gaúcha, o oficial aposentado foi vítima de assaltantes que estariam interessados nas armas que Molina guardava em casa.

Na semana passada, dois integrantes da Comissão Nacional da Verdade tentaram copiar os documentos mas foram impedidos pelo delegado Luis Fernando Martins Oliveira, que investiga a morte do coronel. Segundo ele, a ordem de não permitir a cópia dos arquivos partiu do chefe de Polícia do Estado, Ranolfo Vieira Júnior.

A Polícia Civil informou ontem que os documentos encontrados na casa de Molina estão guardados na sede da corporação.