"O futuro ainda é tenso"

Há mais de um ano, empresários procuram alternativas para pagar as contas

Leonardo Martins, Maria Teresa Cruz (Texto) e Tommaso Protti (Fotos) Do UOL e Colaboração para o UOL, em São Paulo

No começo de 2020, o empresário Ricardo Tchirichian, 53, tinha uma rede de lojas de reparo de sapatos instaladas em prédios corporativos da cidade de São Paulo. Assim que o governo estadual decretou a quarentena, em março, ele decidiu encerrar o negócio.

"Todas as empresas passaram para o home office e houve um esvaziamento nos empreendimentos. Passamos a não ter mais clientes", conta. "Chamei todos os meus colaboradores e informei a dispensa. Não tinha como esperar. Afinal, se não faturo, não tenho como pagar os funcionários, aluguéis e tudo mais."

Foi um momento muito difícil ver todo o esforço e dedicação de dois anos construindo um negócio e simplesmente ter que fechar. Foram todas as sete lojas e ainda ter que desligar funcionários que dependiam de suas remunerações para sustentar as famílias."

Como Tchirichian, quase 10 milhões de empreendedores encerraram os negócios no país no ano passado, segundo pesquisa GEM (Global Entrepreneurship Monitor) 2020. O número de empreendedores brasileiros caiu de 53,4 milhões, em 2019, para 43,9 milhões. A taxa de empreendedorismo —proporção da população adulta que atua como empreendedor— atingiu o menor patamar em oito anos (31,6%).

Ele acabou investindo em um novo negócio, de delivery de lasanhas, e começa a ver a expansão, mas com dificuldade. "O mercado de prestação de serviços depende muito do presencial que, com a nova rotina, foi esmagado com a pandemia."

Tive que mudar para cortar despesa. Saí de uma casa e fui para um apartamento de 45 metros quadrados. Troquei de carro, tive que mudar minhas duas filhas de escola. No fim, tem impacto até no cachorro --reduzimos o número de visitas ao pet shop. Saí de um faturamento de R$ 35 mil para zero."

Ricardo Tchirichian, empresário

"Mudou a minha vida"

O empresário Rodrigo Silvério, 38, também teve que encerrar seu negócio, na capital paulista, por causa da pandemia do coronavírus e mudar toda a sua rotina. Ele era proprietário de três pontos de venda de lanches e refeições rápidas —dois deles em uma academia e outro em uma loja de rua.

Com faturamento de R$ 15 mil, Silvério empregava seis pessoas.

Mas chegou um momento em que eu tive que pensar: ou vou fazer dívida ou vou parar, esperar as coisas melhorarem e tentar de novo em um outro momento. Em novembro, decidi encerrar tudo. Fechei as contas."

Segundo pesquisa realizada em abril pela Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), cerca de 300 mil estabelecimentos do ramo de alimentos fecharam as portas desde o início da pandemia.

Sem renda, Silvério entregou o apartamento onde vivia no Jabaquara, e voltou a viver com a mãe, no Jardim da Saúde, ambos os bairros na zona sul de São Paulo.

Para sobreviver, presta serviço para um de seus antigos fornecedores que trabalha com marmita fit.

"Procurei minha mãe e pedi abrigo, expliquei que estava passando por um momento de reestruturação. Mudou a minha vida. Voltei a ser um adolescente, financeiramente falando."

O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) ouviu representantes de 6.228 pequenas empresas entre fevereiro e março deste ano:

  • 65% tiveram redução de um terço no faturamento em relação a 2019
  • Mesmo aqueles que tiveram um movimento de recuperação nos sete meses anteriores ao levantamento notaram que essa melhora foi interrompida com o agravamento da pandemia no pós-carnaval.

"Foi um pesadelo"

A empresária Stefânia Gola, 49, depende de doações para pagar as contas, e mantém o seu estabelecimento fechado há mais de um ano —desde março do ano passado. Sócia do Ó do Borogodó, um tradicional bar de samba na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, ela descreve a pandemia como "pesadelo".

A gente já não vinha de um período próspero. Dependemos da movimentação de um dia para trabalhar no outro. Não há muita sobra. Quando baixamos as portas, sabíamos que seria muito difícil. Claro que não imaginávamos que poderia ter ido tão longe assim.

No ano passado, depois de três meses de restrições e nenhuma projeção de melhora no horizonte, Gola começou a se preparar para fechar definitivamente o bar. "Começou uma super movimentação atrás de alternativas para não acabar com tudo. Tentamos empréstimos no banco, programas, para sobreviver", lembra.

Não deu. A solução veio do carinho dos frequentadores do bar, que conseguiram juntar R$ 300 mil para pagar contas atrasadas.

O bar é a minha única fonte de renda. Fui ajudada pela minha família, vendemos estoques para pagar os funcionários, fizemos lives para arrecadar valores e vivemos desse pingado. Sofremos ordem de despejo, mas como houve uma comoção muito grande, fizemos uma vaquinha para arrecadar o dinheiro do aluguel vencido e projetar o aluguel de um ano para frente. Foi ganhar na loteria, no sentido financeiro e de afeto. Mas o futuro ainda é tenso."

Stefânia Gola, empresária

Muito além de 500 mil mortes

Imagine se toda a população de uma cidade como Florianópolis desaparecesse em pouco mais de um ano. Segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a capital de Santa Catarina tem 508 mil habitantes —pouco mais do que os 500 mil mortos por causa da covid-19 em todo o país em 15 meses.

Em meio ao luto —hoje, são cerca de 2 mil mortes por dia, em média—, nosso país também enfrenta os efeitos colaterais da pandemia do coronavírus, como o aprofundamento da desigualdade social. A quantidade de famílias em extrema pobreza e o desemprego bateram recorde.

No pior ponto da crise social, o UOL conversou com quem está se virando para sobreviver na pandemia —seja com doações, trabalhando incansavelmente ou atravessando a cidade em uma moto para entregar comida, enquanto não tem certeza de que ele mesmo irá almoçar.

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