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Recuo em número de cirurgias de catarata eleva taxa de cegueira

Da Agência Estado<br>Em São Paulo

23/04/2009 14h00

O número de operações de catarata pelo Sistema Único de Saúde (SUS) caiu 23% em três anos. Reflexo da troca da política de cirurgias de média complexidade, que acabou com os mutirões, a queda deixou um saldo de 146,6 mil novos cegos no país só em 2008. Em 2005, o saldo era de 67.512. O governo diz que não falta dinheiro, que os procedimentos mudaram e, contra as evidências, alega ter havido "redução natural da demanda".

A coordenadora do serviço de Oftalmologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Denise Fornazari, diz que as verbas extraordinárias foram suspensas - antes da mudança, em 2006, elas eram destinadas às cirurgias de catarata. O procedimento passou a ser financiado por um caixa comum, destinado a todas as operações de média complexidade. Na mudança, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, então secretário de Assistência à Saúde, afirmava ser preciso acabar com "populismo sanitário" dos mutirões. Para Temporão, o sistema, criado pelo ex-ministro José Serra (PSDB), privilegiava um número restrito de doenças.

No lugar dos mutirões foi criada a Política Nacional de Procedimentos Eletivos de Média Complexidade, sistema que contempla 64 cirurgias, em vez das 4 previstas no mutirão - catarata, varizes, próstata e retinopatia (doença degenerativa da retina). Para que as cirurgias sejam feitas, Estados e municípios devem apresentar projetos específicos. Na prática, o governo abriu ampliou as opções, mas tirou o foco da catarata.

Especialistas afirmam que seria necessário criar uma transição entre um sistema e outro. "Os números estão aí para mostrar o impacto dessa lacuna", diz o professor de oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e da Unicamp Newton Kara José, um dos idealizadores e defensores do mutirão. Um ano antes de a política ser mudada, em 2005, foram feitas pelo SUS 331.488 operações. Em 2006, foram 201.496 procedimentos. "Há um custo social, um drama por trás desses números difícil de ser contabilizado." Após a queda em 2006, houve recuperação gradativa nas cirurgias.

Normalização

Para o consultor do Ministério da Saúde, Alexandre Talebe, a situação se normalizou. "Houve uma dificuldade inicial para apresentação dos projetos, o que já foi superado." Ele atribui os números atuais de cirurgias a uma redução natural da demanda. "Estamos tranquilos. Não há contingência de recursos, há até mesmo uma folga de verbas. Se fosse preciso fazer mais cirurgias, faríamos."

Denise Fornazari discorda da avaliação de Talebe. "Como pode haver redução na procura se a população envelhece?" Pelas estimativas internacionais, um país com as características do Brasil deveria fazer 570 mil cirurgias de catarata por ano - incluindo as realizadas pelo sistema privado de saúde, cerca de 30% do total. Para especialistas, é fácil explicar por que a demanda diminuiu. "Esse é o típico paciente que não faz fila em frente ao hospital. Ele fica em casa", observa Kara José.

Lígia Formenti