Mudança em rótulos de comida abre 'guerra' entre fabricantes e entidades de defesa do consumidor
Após três anos de debates técnicos, os rótulos de produtos alimentícios brasileiros vão mudar. O modelo atual, considerado confuso e pouco informativo, deverá ser substituído para permitir que o comprador saiba, de fato, o que leva para casa. O tema está em análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e é considerado prioritário para 2018.
A Anvisa tem um grupo de trabalho sobre a mudança desde 2014. Indústria, entidades ligadas ao direito do consumidor e associações médicas já encaminharam as propostas sobre qual seria o melhor tipo de rotulagem e maneiras de alertar a população sobre produtos que apresentem níveis elevados de açúcar, gordura e sal.
Para tentar fundamentar as sugestões, as partes travam no momento uma verdadeira guerra de números e de pesquisas. O maior embate é entre o modelo de advertência frontal, em forma de triângulos negros, e o alerta de semáforo, colorido.
Apresentado pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o projeto dos triângulos prevê que a embalagem deva estampar alertas separados, indicando alto teor de açúcar, sódio, gordura saturada, gordura trans e adoçante nos produtos. "Nós nos inspiramos no modelo do Chile, que usa um símbolo no formato de octógono preto. O grande objetivo é chamar a atenção, não é trazer mais informações que as pessoas não vão conseguir entender ou visualizar", afirma a nutricionista do Idec Ana Paula Bortoletto.
Já a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que formam com outras entidades a Rede de Rotulagem, sugerem um modelo utilizado no Reino Unido e no Equador que usa as cores verde, amarelo e vermelho para alertar sobre quantidades de elementos possivelmente maléficas à saúde. Nesta proposta, sinais coloridos na parte frontal do rótulo alertam para as quantidades de açúcares totais, gorduras totais e sódio dos produtos, e cada componente é mostrado em quantidades por porção e em porcentagem em relação a uma dieta de 2 mil calorias diárias.
A indústria considera a proposta do Idec alarmista. "O modelo de advertência apresenta uma figura geométrica, em geral o triângulo, e isso desperta medo nas pessoas, há uma correlação com morte, produtos que fazem mal, uma sensação ruim que isso passa e o consumidor prefere saber o que está consumindo e tomar por si mesmo a decisão de fazer uma dieta equilibrada. Os dois modelos melhoram, mas um atende melhor", diz Pablo Cesário, gerente executivo de relações com o Poder Executivo da CNI.
Pesquisas
A mais recente pesquisa sobre os modelos em análise foi feita pelo Idec, com 1.607 pessoas. Metade dos participantes avaliou embalagens com rótulos com advertências de triângulo e outra metade, com o modelo do semáforo. Todos foram questionados sobre quais produtos apresentavam nutrientes acima do recomendado. O nível de acerto foi de 75,7% para embalagens de advertências de triângulos. No semáforo, os acertos foram de 35,4%. "A pesquisa deixa claro que o selo de advertência é mais compreensível", afirma Ana Paula.
Ela rebate ainda a informação de que o triângulo emprestaria ao produto uma ideia de que ele é proibido. "Participantes sustentam que uma embalagem como essa traria maior confiabilidade para o produtor. Ele informaria de forma clara o teor do produto", disse. Na pesquisa do Idec, participantes classificaram ainda o sistema do triângulo como mais confiável. "O modelo de três cores não agrega informações. É muito semelhante ao modelo atual."
Os dados do trabalho do Idec foram apresentados para a Anvisa e se contrapõem a uma pesquisa feita pelo Ibope a pedido da indústria. Nesse levantamento, 65% afirmaram achar que o semáforo nutricional era mais claro e didático e 67% disseram preferir esse modelo. O trabalho, no entanto, não "testou" os participantes para avaliar se a mensagem do rótulo era de fato compreendida.
Nacional
Em seus informes oficiais, a Anvisa afirma não haver estudos científicos que comparem os modelos em análise e, ainda, que trabalhos que analisam o impacto em outros países não podem ser usados para nortear a regulação brasileira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Lígia Formenti e Hyndara Freitas
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