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Pesquisa revela de 67% das brasileiras têm problemas intestinais; questão afeta vida sexual

Ana Sachs

Do UOL, em São Paulo

31/07/2012 15h52Atualizada em 01/08/2012 10h12

Uma pesquisa inédita sobre a relação da mulher brasileira com seu intestino revelou um dado surpreendente e desconhecido até então: duas em cada três entrevistadas declararam sofrer de problemas intestinais. Isso equivale a 67% das 3.040 mulheres entre 18 e 60 anos avaliadas no Estudo SIM Brasil - Saúde Intestinal da Mulher, realizado pela Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) em parceria com uma fabricante de iogurtes.

Segundo o levantamento, o problema está presente em todas as regiões do país estudadas (nove capitais e o Distrito Federal) e em todas as classes sociais (A, B e C). 

Os problemas mais comuns apontados pelas entrevistadas são gases (57%), inchaço (56%), sensação de peso (46%) e prisão de ventre (26%). Foram avaliadas nestas primeiras fases da pesquisa apenas mulheres com problemas intestinais, mas que mesmo assim não haviam procurado um médico. "O intestino é um órgão com muito pouco glamour. Ele é importante para a saúde, mas é relegado", afirma Guilherme Rodrigues, especialista em ciência dos alimentos e um dos coordenadores da pesquisa. 

Intestino: o grande vilão

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    Muitas mulheres se vêem desconectadas de seu intestino, como se ele fosse um órgão à parte do seu corpo e causador de muitos males

Poucos sabem, mas esse órgão é considerado na medicina como um "segundo cérebro", pois abriga o segundo maior sistema nervoso do corpo, com 100 milhões de neurônios. Cerca de 80% da serotonina (hormônio que regula a sensação de bem-estar) do organismo é originada neste órgão. Por isso, ele tem relação direta com o bem-estar emocional e a qualidade de vida. E esse foi um dos focos do trabalho.

 "As mulheres não falam desse tema porque é algo tido como vergonhoso. É preciso derrubar este tabu e aliviar o sofrimento da brasileira", afirma a antropóloga Mirian Goldenberg. Os problemas intestinais foram considerados "angustiantes" e causadores de grande constrangimento para a maioria das entrevistadas. Para 62%, eles afetam a sua qualidade de vida tanto no trabalho como em casa.

O humor também sofre oscilação segundo dois terços das entrevistadas e a concentração no trabalho fica prejudicada para 66%. Um dado curioso é que 72% das mulheres disseram ter mais problemas intestinais durante a semana. Nestes dias a vida é, em geral, mais corrida e estressante, e esses fatores são vistos como desencadeantes dos problemas intestinais. E como numa bola de neve, um intestino problemático causa mais irritação e estresse, agravando ainda mais a dificuldade de se ir ao banheiro. 

E não é só no dia a dia de trabalho que o intestino causa problemas. Dentro de casa afeta negativamente também a vida sexual, segundo 57% das entrevistadas. Elas afirmaram, entre outros itens, ter medo de sentir dor ou de soltar gases durante o ato. "Para praticar sexo tem de se sentir bem. Se me sinto inchada e não me sinto bonita, isso fica mais difícil", avalia a psicóloga Pamela Magalhães. 

Desvantagem

As mulheres, foco da pesquisa, saem em desvantagem do ponto de vista físico quando o assunto é intestino. A razão é a progesterona, o hormônio feminino, e que causa uma diminuição nos movimentos do intestino, em especial no ciclo em torno da menstruação, dificultando a evacuação. Segundo estimativas, de cada quatro pessoas com prisão de ventre, três são mulheres. "Na gravidez, 40% delas têm constipação", aponta o médico José Galvão, presidente da FBG. 

Questões comportamentais e culturais arraigadas no Brasil também contribuem para que as mulheres tenham mais problemas intestinais do que os homens. Um dado revelado pela pesquisa e que afeta a saúde intestinal da mulher é o fato de ela não usar o banheiro fora de casa. E isso vem desde a infância.

As meninas são educadas pelas mães a evitar evacuar em locais públicos, considerados impróprios, o que acaba fazendo com que elas "segurem" a vontade de ir ao banheiro sempre que estiverem longe do "seu" banheiro. Com o tempo, o cérebro entende que essa função não é necessária ao organismo e manda sinais ao órgão que não precisa funcionar com frequência.  "O estímulo fica silencioso, porque ele vai sendo reprimido", explica Galvão. 

As meninas são educadas ainda a evitar falar em evacuação, considerado um tema desagradável, ao contrário dos meninos, que possuem mais liberdade quando o assunto é ir ao banheiro. "O homem fala com mais facilidade da vida sexual e da parte de evacuação.

Já a mulher passa a evacuar só no 'seu' banheiro, criando uma relação fraternal, afetiva com o ambiente", fala Galvão. Quando adultas, essas mesmas meninas sentem dificuldade de ir ao banheiro fora de casa, seja no trabalho, seja em uma viagem ou em qualquer outro local.

Por todos esses aspectos, a mulher brasileira tem tendência a tratar o intestino como uma parte que não pertence a ela. "É algo desagradável, que cria distanciamento, tanto que muitas entrevistadas se referem ao órgão na terceira pessoa, falam 'o preguiçoso', ' ele que me atrapalha', como se não fosse parte dela", afirma Rodrigues. 

Para Pamela Magalhães, isso tem uma explicação, também cultural: é o fato de a mulher brasileira ser criada com o objetivo de estar sempre linda, limpa e perfeita. Nesse contexto, o ato de evacuar surge como algo "sujo", que deve ser escondido dos demais. "É complicado para a mulher dizer que não está bem, que vai ao banheiro. Não é nada charmoso", diz.

Em sua opinião, a brasileira precisa criar mais intimidade com seu intestino e entender que o órgão faz parte dela, sem tratá-lo como "bode expiatório", inclusive para os problemas sexuais que enfrenta. "A prisão de ventre virou desculpa para o sexo, como foi a enxaqueca", pontua José Galvão.

Segundo Pamela, o tabu feminino em relação ao intestino acontece também porque o ato de evacuar é tido como uma fonte de prazer. E isso é pouco admitido por elas, ao contrário dos homens. "A mulher sente culpa em relação ao prazer, como era no sexo. Rompeu-se o tabu sexual e a agora se impõe o tabu intestinal", fala. Para rompê-lo, é preciso ver a ida ao banheiro não como algo sujo, mas natural.

Até a forma como elas lidam com o banheiro como ambiente da casa contribui para desvinculá-las do ato de evacuar. Esse espaço é tratado como o local de se arrumar, de se maquiar, relaxar. "Quando a mulher começar a entender esse tabu, ela vai se recondicionar e começar a fazer as fezes sem culpa", diz a psicóloga. 

Comodismo

A grande diferença entre o Brasil e outros países onde a pesquisa foi feita é que aqui as mulheres não tentam mudar seus hábitos quando sentem algum mal-estar no aparelho intestinal e nem procuram a ajuda de um médico. Segundo o levantamento, 46% das mulheres declararam ter sintomas todas as semanas, 40% disseram ter tido algum sintoma na semana anterior à entrevista e 20% acreditam que o problema vai passar sozinho. Quase 20% afirmam se automedicar. "As mulheres brasileiras não se responsabilizam pelos seus problemas e culpam o 'outro' - no caso, o intestino", diz Mirian Goldenberg.

Entre as entrevistadas, a percepção dos "causadores" dos problemas intestinais é bastante clara, mas acham difícil mudar sua rotina devido ao estilo de vida corrido que levam e ao dia a dia profissional. "Com a entrada no mercado de trabalho, a mulher acumulou uma série de funções e acabou se esquecendo das coisas orgânicas, essenciais", aponta o médico Sender Miszputen, membro da FBG. "Ela vai ao banheiro com a agenda, o celular, está 'desconectada' do ato de evacuar", continua ele. 

Comer mal e depressa é a causa atribuída por 77% das entrevistadas ao mau funcionamento intestinal, além da não realização de atividades físicas (52%) e passar muito tempo sentada (40%). Várias também declararam o cansaço e a falta de tempo (45%) como causadores do mal-estar intestinal. "A mulher diz que não tem tempo de comer, mas gasta horas para se arrumar para uma festa. Isso é cultural. Valorizamos mais a aparência do que a saúde", frisa Miriam. Talvez seja hora de pensar em mudar essa equação.