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Entenda o que acontece quando você desrespeita seu relógio biológico

A privação das horas de sono torna-se um problema a longo prazo e pode resultar em distúrbios crônicos - Thinkstock
A privação das horas de sono torna-se um problema a longo prazo e pode resultar em distúrbios crônicos Imagem: Thinkstock

Carla Prates

Do UOL, em São Paulo

25/03/2013 07h00

Nosso organismo tem um relógio biológico que regula várias de nossas funções, tais como apetite e sono. Entretanto, nossa vida cada vez mais atribulada e agitada nem sempre é compatível com esse relógio interno, o que pode afetar a saúde.

Segundo Claudia Moreno, professora associada ao Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade São Paulo, a imposição de horários sociais contrários ao nosso ritmo temporal interno pode agravar ou contribuir para o desenvolvimento de distúrbios.

“É o caso da pessoa que precisa acordar cedo por conta do trabalho, mas quando chega em casa não consegue dormir cedo porque sempre teve o hábito de ir para a cama por volta da meia-noite, uma da madrugada. Daí acorda cansada no dia seguinte e tem uma necessidade maior de sono, o que configura um conflito social entre o trabalho, suas tarefas e seu ritmo circadiano”, exemplifica a médica.

No curto prazo, esse descompasso não é preocupante. Porém, de acordo com a neurologista Dalva Poyares, médica do Instituto do Sono da Unifesp e especialista em Medicina do Sono, a privação das horas de sono torna-se um problema a longo prazo, podendo resultar em distúrbios crônicos.

Dormir e acordar no mesmo horário

Entre os distúrbios que podem surgir quando nosso estilo de vida não é compatível com nosso relógio biológico interno estão a síndrome jet lag,  distúrbio dos tralhadores em turnos e síndrome de avanço/atraso da fase do sono.

Todos estão relacionados com o desequilíbrio do nosso ritmo circadiano. Para entender melhor, é preciso esclarecer que o ritmo biológico pode ser conceituado como um evento que se repete regularmente, conforme explica Claudia Moreno. “Um ritmo circadiano repete-se a cada 24 horas (expressão que vem do latim e quer dizer cerca de um dia)”.  

Uma das funções deste sistema é o ajuste do relógio biológico, mais conhecido cientificamente como sistema de temporização. Trata-se de mecanismos capazes de gerar ciclos, como o de acordar e dormir.

Ciências, como a cronobiologia e a nutrição, indicam que os bons estados de saúde aparecem associados à manutenção relativamente estável na relação de fases entre ritmos.  Portanto, ter um ritmo circadiano (principalmente uma relação estável entre o ciclo de vigília e sono) pode ser preponderante para estarmos saudáveis ou não. Portanto, procurar acordar e dormir nos mesmos horários faz bem à saúde.

 

Trocar o dia pela noite

Entre os distúrbios relacionados ao ciclo circadiano, o mais comum é o de pessoas que trabalham em turnos alternados ou noturnos. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2000, quase metade da população economicamente ativa do Brasil trabalha mais de 44 horas semanais, ou seja,  trabalha além do período diurno alterando consideravelmente os ciclos naturais de vigília/repouso.

Mais sono, mais vida

Um estudo do Instituto do Sono/AFIP e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), intitulado “Sono e Longevidade”, buscou traçar o padrão de sono de indivíduos longevos, com mais de 85 anos, a fim de identificar possíveis fatores que podem levar a uma maior expectativa de vida.

De acordo com o doutorando em Medicina e Biologia do Sono e um dos coordenadores do trabalho, Diego Mazzotti, este é um dos primeiros estudos com esse objetivo e com descrições e associação com a longevidade, em âmbito nacional e internacional, a fazer uso de instrumentos para avaliar o sono, como polissonografia (mede os estágios do sono) e actigrafia (aparelho para medir atividade/repouso).

Na pesquisa, foram avaliados o padrão de sono, análises clínicas e genéticas de 38 indivíduos de três faixas etárias diferenciadas: de 20 a 30 anos, de 60 a 70 anos e de 85 anos em diante.

Entre as conclusões, que ainda precisam de novos estudos para serem aprofundadas, os longevos não apresentaram redução significativa do estágio de sono profundo (N3), também conhecido como sono de ondas lentas, quando comparados aos idosos entre 60 e 70 anos, sugerindo que uma quantidade mínima desse estágio, considerado essencial, precise existir para garantir a longevidade.

Os longevos também apresentaram padrões de sono mais regulares; dormiam, acordavam e faziam cochilos no mesmo horário. “Ainda precisamos aprofundar os estudos, mas a hipótese é a de que padrões regulares de sono podem trazer mais longevidade”, explicou Mazzotti

Outras hipóteses são de que uma qualidade de sono melhor pode resultar em um metabolismo mais regular, uma vez que os longevos apresentaram melhor perfil lipídico e colesterol que os idosos, e ainda foi encontrado um grupo de genes que estão mais ativos nos longevos, podendo estar associados à longevidade.

No entanto, a inversão dos horários de acordar e dormir nunca será bem-sucedida do ponto de vista fisiológico. “O organismo tem limite. Se a alteração do horário de sono for superior a três horas (para mais ou para menos), a probabilidade de sucesso na adaptação é menor. Isso quer dizer que, se a mudança for muito exagerada, o organismo não consegue se adaptar; a pessoa não vai aguentar em longo prazo”, explica a neurologista Dalva Poyares.

Longevidade afetada

A privação do sono é secundária do distúrbio do ritmo circadiano. Portanto, as consequências imediatas da alteração do ciclo circadiano invariavelmente são insônia e/ou sonolência excessiva.

Dalva Poyares esclarece que estudos nacionais e internacionais mostram que o indivíduo que dorme menos vive menos, a longo prazo.

A privação de sono também levar a alterações metabólicas, como obesidade, predisposição ao diabetes e alterações cardiovasculares, cognitivas e no desempenho físico, além de baixa imunidade. Pessoas que dormem pouco são propensas a ter arteriosclerose, o que, invariavelmente, representa risco de comprometimentos cardiovasculares, como infarto e derrame.

“Há pesquisas que demonstram que mulheres que cumprem trabalho em turnos estão mais propensas a desenvolver câncer de mama. Já a alimentação é alterada pela privação de sono. As pessoas que têm insônia tendem a comer mais besteiras, alimentos com carboidratos e gorduras”, conclui a médica.

Em contrapartida, ainda segundo Poyares, durante o sono de ondas lentas (profundo) acontecem vários processos importantes no nosso organismo, como os relacionados à memória e ao aprendizado, que são essenciais ao desempenho intelectual, assim como a renovação celular e o alentecimento do ritmo cardíaco (ritmo menor da batida cardíaca) etc. A falta de sono, portanto, prejudica tudo isso.

Matutinos x vespertinos

Claudia Moreno, contudo, faz um alerta: os distúrbios dos ciclos circadianos existem, mas são raros. O que precisa ser considerado são as diferenças entre as pessoas, que podem ser classificadas em matutinas (têm hábitos matutinos, inclusive o de acordar cedo), vespertinas (hábitos mais tardios, por exemplo, preferem acordar mais tarde) e intermediárias (que não é nem exatamente matutino e nem exatamente vespertino).

“Tem ainda a necessidade de sono de cada um, que também varia de pessoa para pessoa. Então, além de quando você dorme (mais tarde ou mais cedo), há ainda quanto você dorme. O problema é que nem sempre conseguimos dormir na hora que queremos. Por exemplo, mães com bebês pequenos são privadas de sono. E essa privação acontece toda vez que nossa necessidade particular, individual, não é atendida”, explica Moreno.

Daí, de acordo com a médica, podem surgir as chamadas perturbações do sono. Trata-se de queixas relacionadas ao sono, como dificuldade de adormecer, sono interrompido várias vezes durante a noite, acordar espontâneo antes do tempo. Estas perturbações podem ocorrer por vários fatores, como estresse, preocupações, jet lag, além da dificuldade de uma pessoa ajustar-se a horários impostos pela sua vida social (trabalho, estudo) que não condizem com seu cronótipo (ritmo corporal variável segundo a disposição inata da pessoa)”, completa Claudia Moreno.
 

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