Especialistas estudam efeitos da espiritualidade à saúde do brasileiro
Fato que não chega a ser raro na rotina médica de cardiologistas é se deparar com pacientes que apresentam melhora no seu quadro clínico após promessas, orações e pedidos ao santo de sua devoção para que os ajudem na sua cura.
Na prática, não há respostas científicas para isso. Mas muitos profissionais já começam a se interessar pelo assunto, não só no Brasil, mas no mundo todo. Um deles é o cardiologista Álvaro Avezum, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo, que coordena o Grupo de Estudos em Espiritualidade, e participará como debatedor em duas mesas-redondas sobre o tema no 68º Congresso Brasileiro de Cardiologia, que será realizado em setembro, no Rio de Janeiro.
O objetivo é entender se o modo como as pessoas vivem e encaram as doenças pode interferir na saúde e na recuperação de problemas cardiovasculares.
“As evidências científicas de que pessoas religiosas e espiritualizadas controlam sua pressão arterial, têm menores riscos cardíacos que levam a infartos e derrames e têm melhor qualidade de vida são abundantes”, afirma Avezum. “Além disso, sentimentos tidos como positivos são relacionados à melhora de doenças em geral”, avalia.
Para o especialista, a espiritualidade é uma postura perante a vida e não uma religião. Desta forma, sentimentos de paz, tolerância, tranquilidade, perdão e resignação caracterizam uma personalidade espiritual, influenciando na saúde do coração. “Tanto que o grupo é integrado por agnósticos, judeus, católicos, muçulmanos, espíritas e até mesmo ateus”, conta.
Fase inicial
Os estudos ainda estão em fase inicial. Porém, Avezum comenta: “Há de chegar o dia em que poderei dizer ao paciente que, se ele for espiritualizado e souber lidar bem com as suas emoções, evitará as cardiopatias ou pelo menos elas não serão tão graves. Da mesma forma como hoje posso dizer com segurança a um paciente que, se ele fuma, tem maior possibilidade de sofrer um infarto do que um não fumante”.
O grupo, atualmente, desenvolve uma pesquisa com 14 mil médicos associados à Sociedade Brasileira de Cardiologia, na qual os profissionais são questionados se têm religião, se frequentam igrejas ou cultos, com que frequência leem trabalhos sobre o tema e se têm o hábito de rezar ou não.
Esse questionário vem de um estudo norte-americano, já que há bastante tempo os Estados Unidos investem nesse tipo de pesquisa. Tanto que 80 faculdades de medicina daquele país incluem formalmente no currículo a cadeira Saúde e Espiritualidade, enquanto por aqui essa matéria só é curricular em três instituições.
No Brasil
Segundo a literatura científica mundial, há uma correlação direta sobre espiritualidade e doenças cardiovasculares, uma conclusão que o grupo de estudos brasileiro se propõe a verificar se é válida também para o Brasil.
Outra médica que pesquisa o assunto é a ginecologista Marlene Nobre, presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil, a AME, entidade que acaba de realizar a 9ª edição do Mednesp – Congresso Nacional Médico-Espírita do Brasil, em Maceió, Alagoas.
O tema desenvolvido durante o congresso foi a relação entre a saúde do corpo, da mente e do espírito, com palestras em torno de estudos médicos que usam a fé, a oração e a espiritualidade nos tratamentos e processos de cura.
Para a médica, o que é importante para o espírito são os sentimentos que promovem o encorajamento e a confiança de que a pessoa irá melhorar. “A atitude do ser humano pode promover uma reação favorável ao seu corpo, com sensação de bem-estar e alegria, tornando o cérebro produtor de estímulos positivos”.
E, segundo ela, isso já é comprovado por estudos psicossomáticos. “Além disso, procurar ser feliz, desejar o bem dos outros e não guardar rancores já é uma boa forma de se ter uma vida muito mais saudável”, afirma.
Visão católica
Para o Padre Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP, espiritualidade é viver em comunhão com o Espírito de Deus. É um refinamento, um desenvolvimento que se busca em qualquer religião. É algo antropológico, considerado pela Filosofia como uma virtude humana.
“Em momentos difíceis, de fragilidade, o ser humano busca sua força de origem divina para apoiá-lo. E, de forma geral, ele pode ter uma melhora sensível, em especial nas diversas doenças que afetam o coração.”
Mas o Padre Valeriano ressalta: “Não estamos falando de casos extremos, em que há, por exemplo, total comprometimento do coração, e sim de problemas como hipertensão ou outras situações em que a confiança, a paz e a tranquilidade podem resultar de forma positiva. É quando a pessoa se permite receber uma graça divina por meio da fé, de promessas e orações”.
De acordo com Costa, a fé pode levar à calma e à estabilidade emocional, normalizando picos de agitação. Desta forma, o coração repercute a espiritualidade e a religiosidade de cada um.
O padre, que celebra missas na Igreja Nossa Senhora do Brasil (aos domingos, às 12h30, em São Paulo), diz, inclusive, que isso é algo bem comum. “Consigo me recordar de vários casos em que promessas e orações auxiliaram no tratamento de fiéis”, finaliza.
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