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Índios pedem para ser incluídos em políticas mundiais contra Aids

Henrique Contreiras

Da Agência Aids

24/07/2014 17h21

Povos indígenas de diferentes partes do mundo estão presentes na 20ª Conferência Internacional de Aids, que acontece nesta semana em Melbourne, Austrália.

Em um evento marcado pela constatação de que a epidemia não será debelada se não houver políticas específicas para os grupos mais atingidos, os indígenas queixam-se de sua invisibilidade e reivindicam o direito de serem incluídos como prioridade na política mundial contra a doença.

O fato de o evento ser na Austrália é uma oportunidade para o grupo, já que os povos indígenas australianos têm um nível relativamente alto de  reconhecimento. Prova disso é que a conferência começou, como é de praxe em qualquer evento oficial no país, com o reconhecimento aos tradicionais donos da terra de Melbourne, a nação Kulin, e um discurso de boas-vindas pronunciado por uma liderança aborígene.

No entanto, ao longo da cerimônia, os indígenas não foram citados nas diferentes falas sobre grupos vulneráveis.

Na quarta-feira (23), a plenária especial, que tratou das questões negligenciadas pelas políticas de Aids, contou com James Ward, descendente de aborígenes dos clãs Pitjantajarra e Nurrunga e uma autoridade australiana em saúde indígena.

Wards chamou atenção para o fato de que os indígenas são desproporcionalmente afetados por problemas de saúde em geral e HIV em particular, e frequentemente têm sido diagnosticados tardiamente pela infecção.

“Somos as culturas mais antigas do planeta e a epidemia tem o potencial de nos dizimar”, alertou. Como exemplo, citou que os indígenas no Canadá e na Austrália são seis vezes mais atingidos que os não indígenas.

Apesar disso, e de representarem 4,4% da população mundial, Wards afirmou que os indígenas são praticamente ignorados tanto nas pesquisas quanto nas políticas públicas.

“Queremos que a Declaração Política das Nações Unidas de 2011 seja corrigida para  incluir de forma consistente os povos indígenas. Queremos que todos os países implementem sistemas de vigilância  da epidemia para os indígenas”, concluiu Wards. Junto com os aplausos, podia se ouvir o grito dos Maoris da Nova Zelândia.

Mobilização internacional

Os delegados indígenas se prepararam numa reunião prévia entre os dias 17 e 19, em Sydney. Segundo Ken Clement, canadense do povo Ktunaxe, em 2006 foi criado o Grupo de Trabalho Indígena Internacional em HIV e Aids (IIWGHA), durante a Conferência Internacional de Aids de Toronto. Desde então, a organização vem organizando pré-conferências.

“Nós temos conseguido nos articular com indígenas de diferentes países, mas o idioma e o financiamento ainda são grandes barreiras. Esse ano, além de Canadá e Austrália, estão representados os Estados Unidos, Nova Zelândia e Guatemala”, afirmou Clement. A ONG ainda tem membros da Bolívia, do Chile e do México.

Trevor Stratton também é canadense, do povo Ojabwe, e é o diretor-executivo da IIWGHA. Ele contou que o objetivo é influenciar os centros de decisão da resposta à Aids, obter assento nos fóruns decisórios, citando como exemplo a Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV (GNP+), que tem voz na conferência e em organismos internacionais como o Programa das Nações Unidas Sobre HIV/Aids (Unaids).

“Queremos ser reconhecidos como uma população-chave e influenciar a resposta. Não queremos ser conduzidos, queremos dirigir o barco.”

Forte presença da Oceania

O encontro em Sydney, assim como a conferência em Melbourne, contou com forte presença dos povos indígenas da região: os aborígenes australianos, os povos das ilhas do Estreito de Torres (que também são australianos, mas que são culturalmente mais relacionados à Papua Nova Guiné) e os Maoris neozelandeses.

Os indígenas australianos, que correspondem a 3% da população, em 1997 foram oficialmente reconhecidos como os tradicionais habitantes do país. Foi então estabelecido o Dia Nacional do Perdão (National Sorry Day) pelas atrocidades cometidas pelos europeus, em especial a separação de crianças de suas famílias, uma política aplicada durante o século 20. A bandeira aborígene preta e vermelha com um círculo amarelo pode ser vista pela cidade de Sydney, em instituições públicas e privadas, e o Museu de Arte Contemporânea da cidade exibe em seu acervo obras tradicionais e atuais dos indígenas. Na conferência, aborígenes têm mostrado suas danças e música.

Desde 1991, postos de saúde em toda a Austrália passaram para o controle das próprias comunidades aborígenes. Segundo David Scrimgeour, gerente médico e de saúde publica do Conselho de Saúde Aborígene do estado da Austrália do Sul, existem 150 serviços sob esse modelo de gestão em todo o país.

"Porém, gerirmos os nossos próprios serviços (...) que serão oferecidos segundo nossas necessidades específicas”. O médico ressalta porém que nos últimos dez anos tem havido dificuldade política em se expandir o modelo.

Diferentes organizações de toda a Austrália apresentaram programas de saúde sexual feitos por e para aborígenes. Há muitos programas específicos para homens que fazem sexo com homens (HSH) e para mulheres transgênero, que são conhecidos na cultura local como “sistergirls”. Os programas levam em conta os valores culturais e a realidade social dos indígenas.

Michelle Tobin é da Rede Positiva de Aborígenes e Ilhéus do Estreito de Torres, uma associação de indígenas vivendo com HIV. Michelle é da nação Yortayorta e foi uma das crianças separadas de sua família. Ela também faz parte de outra organização, Anwernekenhe, ou Aliança Nacional em HIV, que se propõe um trabalho de advocacia e planejamento junto a organizações de saúde pública.

“A nossa expectativa é dez anos inferior que a dos irmãos e irmãs não-indígenas”, explica.

Entre os programas coordenados pela associação, está a reunião de líderes idosos com o fim de dividir e disseminar conhecimento em prevenção.

“Os idosos têm muita influência nas comunidades aborígenes”, explica.

Ausência do Brasil

Não houve presença de lideranças indígenas brasileiras nos dois eventos. Stratton lamenta a ausência e as dificuldades de financiamento.

Henrique Ávila, do Fórum de ONGs/Aids do Tocantins, disse se preocupar com a vulnerabilidade dos povos indígenas brasileiros à doença.

“A epidemia está avançando na população nativa, muitas vezes com diagnóstico tardio, não só no meu estado, mas também no Mato Grosso. Mas não está havendo uma resposta governamental adequada”. Henrique afirma que em sua região não há uma mobilização indígena especifica para a questão. “Estamos nos articulando com o Departamento de Saúde Indígena”, afirmou.