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O que pode acontecer se você deixar de vacinar seu filho?

Reuters/Raj Patidar
Imagem: Reuters/Raj Patidar

Camila Neumam

Do UOL, em São Paulo

28/09/2015 06h00

Você já parou para pensar nas consequências de não vacinar seu filho? Além de deixar o pequeno exposto a alguns vírus que causam sérios problemas à saúde, a falta de vacinação pode trazer de volta doenças erradicadas no país a duras penas, após anos de campanhas de vacinação.

Os recentes surtos de sarampo e coqueluche no Brasil, por exemplo, são reflexo das escapadelas na hora de tomar a vacina. Não levar o filho para tomar doses de reforço contra poliomielite também pode implicar em problemas futuros, segundo os especialistas consultados pelo UOL.

Embora essas doenças não sejam mais endêmicas no país há anos, seus vírus continuam circulando por aqui, reforçados pela vinda de turistas norte-americanos, europeus e de outros países que vivem surtos das doenças. O brasileiro que deixa de tomar alguma dose, portanto, se torna presa fácil destes e de outros vírus. 

No Brasil, as campanhas periódicas de vacinação têm o papel de lembrar às famílias sobre a necessidade das crianças tomarem as vacinas, embora as doses de rotina continuem sendo fornecidas nos postos de saúde. Apesar disso, não é de hoje que as campanhas nacionais não chegam à meta de vacinação pela baixa adesão das famílias.

Sarampo no Nordeste

O Ceará vive surto de sarampo desde 2014, quando 694 pessoas tiveram a doença no Estado. Neste ano, 916 casos da doença foram confirmados em 38 municípios. Só em 24 de setembro, o Ministério da Saúde confirmou o fim do surto no Estado.

Pernambuco também apresentou casos de sarampo em 2013 (200) e 2014 (27), e também conseguiu se livrar do surto este ano. Em ambos Estados, uma campanha pontual de vacinação capitaneada pelo Ministério da Saúde focou em parentes e pessoas próximas das que foram infectadas para evitar que a doença se espalhasse.

“O Ceará e Pernambuco são áreas onde o turismo é altíssimo e onde a circulação de estrangeiros pode ter trazido o vírus. Por lá ainda se encontram crianças que não tomaram a segunda dose da vacina porque os pais não as levaram para tomar”, disse Antonio Nardi, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Entre 2013 e 2014, o Brasil confirmou 947 casos de sarampo, distribuídos em nove Estados, sendo 694 no Ceará, 224 em Pernambuco, 12 em São Paulo, nove na Paraíba, três no Rio de Janeiro, um no Distrito Federal, um no Espírito Santo e um em Santa Catarina. Em 2015, além do Ceará, um caso foi confirmado em Roraima.

O sarampo é uma doença contagiosa considerada grave, principalmente em crianças menores de um ano. Como causa uma série de complicações, e não tem tratamento específico, é uma das principais causas de mortalidade entre crianças de até cinco anos em países com cobertura vacinal menor do que 95%. A criança fica protegida ao tomar a primeira vacina aos 12 meses e outra aos 15 meses.

Coqueluche pode ser grave 

Em 2014, casos de coqueluche se espalharam pelo Distrito Federal (301), Bahia (159), Piauí (176) e São Paulo (31), mas graças a mesma estratégia adotada para conter o sarampo, nenhum caso foi notificado nos Estados até setembro de 2015. De 2011 a 2013 houve uma progressão de casos no país, de 2.248 em 2011 para 5.443 em 2012 e em 6.368 casos em 2013.

A coqueluche é transmitida por uma bactéria que compromete o sistema respiratório e pode ser transmitida pelo simples contato com secreções da tosse da pessoa infectada.

Em crianças até seis meses a doença costuma ser mais grave, por isso a vacina é indicada até os 7 anos. No ano passado, o Ministério da Saúde passou a oferecer a vacina também para gestantes.

Pólio selvagem e seus perigos

O exemplo mais recente da ausência de vacinação foi na 36ª Campanha Nacional de Vacinação contra poliomielite, finalizada em agosto, voltada às crianças de seis meses a menos de cinco anos. A meta de vacinar 12 milhões de crianças dessa faixa etária não foi atingida no tempo da campanha. Por isso muitos Estados tiveram que prorrogá-la.

A poliomielite é causada pela contaminação pelo polivírus, transmitido pela ingestão de água e alimentos contaminados. É considerada uma doença grave, que afeta o sistema nervoso e pode causar fraqueza muscular permanente e perda irreversível dos movimentos nos membros inferiores.

Apesar de a paralisia infantil estar erradicada no Brasil desde 1990, a forma selvagem do vírus (poliovírus selvagem) ainda circula em países africanos, asiáticos e na Ucrânia.

“Temos visto a circulação da poliomielite em países que têm livre acesso ao Brasil por nossos portos e aeroportos. Essas pessoas podem estar vindo ao país, deixando o vírus no esgoto e contaminando pessoas. Por isso a necessidade dos cuidados das autoridades sanitárias do Brasil de fazer a campanha de reforço e de os pais levarem os filhos para tomar esse reforço da vacina”, afirma Nardi.

Apesar da disponibilidade das vacinas, o acesso a elas nem sempre é o mesmo nas cinco regiões brasileiras, o que dificulta a ampliação da cobertura no país.

“Epidemiologicamente falando, nós temos a obrigação sanitária de zelar pela permanência da erradicação da pólio no Brasil. Estamos atingindo uma cobertura vacinal nacional de 95% de adesão, mas ainda há Estados que não chegaram a 75% porque o Brasil tem diversas realidades e dificuldades de acesso, especialmente no Norte e no Nordeste”, afirma Nardi.

As três doses da vacina contra a poliomielite devem ser tomadas até os seis meses, no segundo e no quinto ano de vida, mas é comum a cobertura vacinal diminuir à medida que a criança cresce, explica a infectologista Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

“Estudos de prevalência da vacinação no Brasil têm mostrado que há cobertura de mais de 95% na primeira dose, mas na terceira ela diminui. A família entende que a criança está vacinada, mas existe a falha vacinal que por ventura pode atingir as que não foram vacinadas integralmente. A estratégia da campanha serve justamente para garantir essa cobertura”, diz Ballalai.

Adultos podem ter pólio

Apesar das crianças serem o foco da prevenção, a poliomielite também causa estragos quando contraída em adultos, o que já vem acontecendo nos países onde o vírus é endêmico, alerta a infectologista Ana Lívia Moraes Pimentel, da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Sem sintomas aparentes, os adultos portadores do vírus podem espalhá-los fora de seus países de origem, o que reforça a necessidade de se manter uma alta cobertura para evitar a disseminação do vírus.

“Hoje há uma mudança na idade de quem tem pólio porque em países da Ásia e da África, adolescentes jovens e adultos estão contraindo a doença. Mesmo sem sintomas, ela pode causar sequelas, como a perda de anticorpos até causar a paralisia”, diz.

Embora haja essas possibilidades, Isabela Ballalai não vê perigo iminente do retorno de doenças graves como a pólio ao Brasil, por causa da cobertura da vacinação de rotina ainda ser alta no país.

“Como a pólio está erradicada, a população não valoriza, a doença deixa de ser uma preocupação e a prevenção deixa de ser prioridade. Mas é fundamental continuar tendo uma boa cobertura para garantir que mais de 95% da população seja vacinada, como é hoje no Brasil. Assim vamos manter a pólio erradicada mesmo havendo outros países no mundo com a doença”, afirma.