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Saiba o que fez do Brasil a "casa ideal" para o Aedes Aegypti

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, de Maceió

15/12/2015 06h00

Vencer o mosquito Aedes aegypti se tornou uma das prioridades da saúde pública no Brasil. Mas por que o país ao longo de tantos anos de epidemias não conseguiu? Em 2015, foram notificados 1,5 milhão de casos de dengue --recorde histórico-- e há uma estimativa de que entre 500 mil e 1,5 milhão de pessoas possam ter sido infectadas por zika.

Integrantes de sociedades médicas e de professores conversaram com o UOL e afirmam que houve, sim, descaso do poder público ao problema e falhas no combate ao mosquito, mas que grande parte da culpa estaria na urbanização precária das cidades e no clima tropical propício para o mosquito. Tudo isso tornou o Brasil a "casa ideal" para o mosquito viver e reproduzir.

"O mosquito vive muito bem próximo ao ser humano, e como a maioria das pessoas mora de forma inadequada, sobrevivendo em grandes cidades com desigualdades sociais e alta densidade, produzindo muito lixo, facilita a manutenção dos focos. A urbanização desordenada é um fator determinante”, diz a professora titular de doenças infecciosas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Vera Magalhães.

Cidades impermeabilizadas e com lixo são ideais para mosquito

A caça aos focos do mosquito serve como uma medida emergencial, mas não é a ideal a longo prazo.

“O poder público tem que traçar politicas públicas no sentido de tentar melhorar a qualidade de vida da população, como coletar o lixo em todas as áreas. O saneamento é fundamental. Estamos passando agora por um racionamento de água nas cidades do interior [de Pernambuco], principalmente a população de baixa renda não tem recipientes adequados, mas precisa acumular água. Isso tudo facilita a manutenção dos focos", relata Vera.

O presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arbovirose e integrante do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, Artur Timerman crava que, sem mudança na concepção das cidades, não há como eliminar o mosquito.

“Nossa urbanização caótica sempre deu as melhores condições de vida para o mosquito, não para os seres humanos. Ou nós discutimos a urbanização que vivemos, ou vamos viver com o Aedes, aprender a usar repelentes, usar roupas compridas em meio a 50º C. Ou então precisaremos conseguir ser mais eficaz no desenvolvimento de vacinas. São discussões que devem ser postas na mesa”, diz.

Para Timerman, a ação de combate aos focos do mosquito é praticamente ineficaz, e a participação individual das famílias em suas casas tem importância menor do que se imagina. “É importante? É! Mas é apagar incêndio jogando copo d'água. Todos já sabem, viram em propaganda de que não deve deixar recipiente aberto, virado não deve deixar água. Mas se não mudarmos nosso planejamento urbano, vamos cuidar da nossa casa, mas o que vamos nos deparar na rua? Com nossa urbanização, com muitos desses lugares com uma impermeabilização enorme, o mosquito vai ficar”, afirma.

O especialista continua: “O mosquito é estruturado muito bem para resistir. Se por exemplo, uma fêmea põe os ovos na natureza, e a natureza tem as condições propícias que aquele ovo ecloda, ou seja, dá calor e água para ele, ele vai eclodir rapidamente. Mas se tiver frio, seco, ele tem a capacidade de ficar num estado latente, que pode ficar viável até um ano e meio aguardando condições de calor e água para que ele ecloda”, explica.

Ação fragmentada

O presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Gastão Wagner de Sousa Campos, acredita que a urbanização pesou, mas a gestão de saúde na área falhou ao longo dos anos por omissão do poder público.

“Ela foi inadequada porque a gente não consegue ter uma ação unificada entre municípios, Estados e a União. E a gente passou uma responsabilidade muito grande a cada família de eliminar os criadouros do mosquito, que é algo parcialmente correto. Precisa de uma intervenção de Estado com visitadores domiciliares, agentes sanitários, uma ação de melhorar coleta do lixo, ter reciclagem para diminuir a intervenção urbana de infestação. É o único recurso que temos para eliminar”, explica.

Campos também alerta que a missão de coordenar o processo deve ser do governo federal. “Eu propus ao Ministério da Saúde e aos Estados criarem grupos unificados, com sanitaristas especialistas comandado os recursos federais, estaduais e municipais. Sair dessa situação vai exigir uma mobilização que tem ser feita de forma muito rápida e sincronizada. Não dá para um município e outro não fazer”, diz.

Por que só agora?

País falhou na mobilização de mecanismos de combates aos mosquitos, segundo a coordenadora do comitê de virologia clínica da Sociedade Brasileira de Infectologia, Nancy Bellei. 

“A primeira questão é: se podemos fazer ações de intervenção em plano ministerial de programas epidemiológicos, que acreditam que têm efetividade, porque não fizemos antes? Nada disso que está posto agora [no novo plano de combate ao mosquito] é novo. Por que teve que chegar em uma situação crítica? Claro que houve falha. Podia não ter a microcefalia, mas já havia morte pela dengue. Se tivesse feito a ação, teríamos menos pacientes com dengue. Se tinha Exército, se tinha agentes, porque não fizemos esse combate?”, questiona.

A infectologista afirma que não há nenhuma surpresa na epidemia de dengue, zika e chycungunya em 2015 e acredita ainda que, ao agir tarde, o país terá prejuízos financeiro e social.

Uma falha citada por Bellei é que não houve programas de informação continuada à população. “Tem que manter uma campanha orientada, não pode achar que não tem mais problema. Num hospital, por exemplo, qualquer um sabe que tem de lavar as mãos para evitar infecção, mas mantemos um programa continuado, com cartaz e informações sempre. O mesmo vale para a população. Cadê os agentes, as campanhas? Tinha que fazer sempre.”