Bebê de mãe com zika tinha líquido no lugar do cérebro, diz estudo
Durante toda a gestação, uma jovem baiana de 20 anos não apresentou nenhum sintoma de infecção pelo vírus da zika, ou seja, não teve febre, nem dores no corpo, tampouco manchas avermelhadas na pele. Mesmo assim, o bebê dela começou a apresentar problemas de desenvolvimento já a partir da 18º semana. Na 32ª semana, o feto estava morto e foi retirado por um parto induzido. O bebê tinha líquido no lugar do cérebro e outras más-formações, conta estudo publicado nesta quinta-feira (24) na revista PLOS Neglected; Tropical; Diseases (Doenças Tropicais Negligenciadas, em tradução livre).
A gestação aconteceu em 2015 e foi acompanhada no Ambulatório de Medicina Fetal do Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador (BA), onde o parto aconteceu, em janeiro deste ano.
Exames feitos mostraram que o feto tinha microcefalia, mas não só isso. No lugar do cérebro, havia líquido e foram encontradas calcificações dentro da caixa craniana no que restou de tecido cerebral. O bebê era muito pequeno para um feto de 32 semanas e havia líquido na pleura (tórax), no pericárdio (compartimento que “guarda” o coração), no abdômen e embaixo da pele – condição conhecida como hidropisia fetal.
Os médicos desconfiaram que as anomalias tão graves poderiam ter relação com a zika e começaram a investigar. “Encontramos o vírus no cérebro, na medula espinhal, no liquor (líquido que ocupa o espaço entre o crânio e o córtex cerebral), e no líquido amniótico (fluido que envolve o feto)”, afirma Manoel Sarno, diretor do Ambulatório de Medicina Fetal do hospital, também pesquisador da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Esse é o primeiro caso já descrito de uma grávida que não teve sintomas da doença com uma possível relação da zika com alterações neurológicas no feto.
O estudo sobre esse caso foi feito por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores do hospital soteropolitano, da Faculdade de Medicina da UFBA, Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Escola de Saúde Pública de Yale (EUA), Departamento Médico da Universidade do Texas (EUA). Ele sugere que além da microcefalia pode haver uma ligação entre a infecção pelo vírus da zika e hidropisia (acúmulo de líquido nas cavidades naturais do corpo humano) e morte fetal.
Segundo Antônio Raimundo de Almeida, diretor do Hospital Geral Roberto Santos, e um dos coordenadores da pesquisa, o bebê desenvolveu lesões neurológicas que chamaram atenção pela gravidade.
Trabalhamos com o conceito de hipótese nula, ou seja, temos que provar primeiro que não foi zika. Todos os demais testes deram negativo. Deu a presença de zika” Antônio Raimundo de Almeida.
A hidropsia fetal pode estar relacionada a outras infecções por vírus (como citomegalovírus, parvovírus), síndrome genética, má-formação cardíaca, sífilis, por uma reação autoimune relacionada ao fator RH da mãe e do bebê.
“Trabalhos adicionais são necessários para entender se essa é uma descoberta isolada e confirmar se o vírus da zika pode realmente causar hidropisia fetal", afirma outro autor do estudo, Albert Ko, presidente do Departamento de Epidemiologia de Doenças Microbianas de Yale.
Pouco ainda se sabe, mas estudos avançam
Várias pesquisas estão sendo desenvolvidas para confirmar se o vírus da zika causa microcefalia e outras alterações neurológicas. Algumas já começaram a ser publicadas em revistas científicas.
Um estudo feito por pesquisadores do Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, divulgado no começo de janeiro, mostrou pela primeira vez que o vírus apontado como a principal hipótese para o aumento de casos no país de bebês com microcefalia no país, pode ser capaz de atravessar a placenta durante a gestação.
A análise foi feita a partir de amostras de uma paciente do Nordeste que sofreu um aborto retido -quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero - durante o primeiro trimestre de gravidez. A gestante havia informado ter tido sintomas de zika na sexta semana da gestação.
Os pesquisadores analisaram a placenta da paciente e identificaram a presença do vírus, assim como em células da mãe e do embrião.
Outro levantamento baseado em casos de 35 bebês brasileiros com microcefalia mostrou que 70% das mães de filhos com microcefalia ligada à infecção pela zika apresentaram vermelhidão entre o primeiro e segundo trimestre de gestação. Das crianças, 71% apresentam microcefalia severa. O estudo foi publicado no CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA).
Grande quantidade do vírus também foi encontrada no tecido cerebral de um feto com microcefalia de uma mulher eslovena, de 25 anos. O estudo sobre o caso foi publicado no dia 10 de fevereiro e foi feito na Eslovênia. A mulher morava e fazia trabalhos voluntários em Natal (RN) desde 2013 e engravidou em fevereiro de 2015.
A eslovena teve sintomas de infecção por zika na 13ª semana da gestação. Ela retornou à Europa com 28 semanas. Um ultrassom feito na 29º semana mostrou os primeiros sinais das alterações neurológicas, que foram confirmadas na 32ª semana.
Outra investigação feita em bebês nascidos com microcefalia em Salvador (BA) e Recife (PE) mostrou que algumas das crianças também apresentavam lesões oculares que podem levar à cegueira. Os resultados foram publicados na revista Lancet, em janeiro deste ano, e na Jama Ophthalmology, em fevereiro.
Pesquisadores da Fiocruz também publicaram em fevereiro, na Lancet Infectious Diseases, um estudo que mostrou a presença do vírus no líquido amniótico de duas mulheres que tiveram sintomas da doença durante a gravidez e cujos fetos tinham microcefalia. A investigação reforça a teoria de que o vírus pode atravessar a placenta e infectar fetos.
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